Há vida além dos grandes

    Portugal é um país sui generis no que a futebol tange. Ao contrário da maioria das nações do mundo, apenas duas cidades tiveram clubes campeões nacionais. Falamos, pois, dos dois maiores centros urbanizacionais do país: Porto e Lisboa.

    Dentro destas, apenas, dois emblemas, por uma vez cada, conseguiram “furar” o crónico domínio dos três mais titulados. Como todos saberão, tal ocorreu com o Belenenses, na longínqua temporada de 1946 e com o Boavista no virar deste século.

    Fora estes, assistimos a algumas ameaças ao crónico domínio dos três mais titulados, sendo que, tal ataque ao poder faz-se por ciclos. Poderemos falar do ciclo do Belenenses (com o tal título) da Académica de Coimbra, do Vitória FC, do Vitória SC, do Boavista (que também conheceu a glória) e nos dias que correm do SC Braga.

    Os axadrezados foram o último clube “pequeno” a vencer o campeonato português
    Fonte: Boavista FC

    Contudo, ao mencionarmos estes emblemas, falamos de projectos dotados de pouca sustentabilidade e, quase sempre, dotados do arrojo e da ambição de uma direcção menos conformista, mas destinados a soçobrar perante qualquer contrariedade, ou uma simples mudança de rumo desportivo. Aliás, bastará ver que nenhum destes emblemas conseguiu criar um modelo que o fizesse perpetuar-se como alternativa.

    Tal, levará à sacramental questão, da razão que leva  a que tal ocorra? A resposta deverá ser encetada pelo tecido social. Na verdade, para entendermos o nosso mundo e a sua ambiência, deveremos conhecer as pessoas que nele vivem. E, falando de futebol português, diremos, com tristeza, que a maioria dos adeptos, apenas, têm olhos para os três mais fortes. Salvos raras excepções e alguns clubes que são “ aldeias dos gauleses no meio dos romanos”, o adepto português não tem predilecção pelo jogo em si e muito menos é dotado do telurismo necessário para amar o que lhe está próximo.

    Tal ajudará a que uma qualquer campanha de marketing de um emblema titulado possa ser um êxito a 400 quilómetros de distância, enquanto o clube próximo (mas que não ganha!) não consegue que uma mera campanha de angariação de sócios decorra de modo satisfatório.

    Além disso, há a imprensa. Deixemo-nos de dourar a pílula! Todos os jornais mundiais que falam de futebol, procuram conquistar os leitores através de títulos apelativos sobre os maiores clubes, os que mais vencem!

    Porém, os jornais portugueses levam esta tendência ao extremo! Falamos de órgãos de comunicação social utilizados para incensar os clubes mais fortes, tendo cada uma preferência bem declarada e não dando espaço aos demais emblemas. Na formação do adepto pelos meios de comunicação social será mais importante o jogo entre a equipa de reservas de um desses emblemas do que um jogo das competições europeias de uma equipa que não pertence aos mais fortes. Obviamente, que a intoxicação começa desde o berço.

    Falemos das televisões… incapazes de reconhecerem méritos a emblemas que tudo fazem para crescer. Capazes de terem programas em que três elementos de painel falam, como se estivessem na mesa de um café, durante horas, mas sem tempo para dar contraditório aos emblemas que contra eles jogam, sem tempo para dar a conhecer outras realidades, outros mundos, outras ambições.

    Nestas, nos jornais e, agora, até nas redes sociais, uma nova forma de doutrinar: os opinion-makers. Aqueles que, além de nos jornais professarem que no país só há três cores, utilizam o Facebook, o Instagram e afins para espalharem essa mentalidade e doutrinarem segundo o clube da sua predilecção…

    Aliás, a comunicação social portuguesa até dá a entender que o melhor no país seria apenas existirem os mais fortes. Poupavam-se páginas, o jornal sairia mais barato, nas televisões ninguém recalcitraria, e seria um êxito. Porém, o mundo não é como eles querem…

    Só o SC Braga tem-se conseguido intrometer na luta pelo pódio nos últimos anos
    Fonte: SC Braga

    O SC Braga tem ambições em afrontar o poder deles mais uma vez e entrar na fase de grupos da Liga Europa! O Vitória SC quer aproximar-se e entrar, também, fase de grupos da Liga Europa! A Taça de Portugal, depois de alguns anos, só no pretérito voltou a ter dois dos mais titulados a disputá-la… isto depois de Académica, Vitória SC, SC Braga e Desportivo das Aves terem nela saboreado a glória! A Taça da Liga, apesar de ter passado incógnito nos jornais, até já teve o Moreirense como vencedor… engraçado as vezes que o ano passado os jornalistas se referiam ao Sporting como “campeão de Inverno” e como olvidavam isso aquando da primeira equipa a ostentar tal honra: o Moreirense.

    Porém, os adeptos, os verdadeiros que amam o desporto rei, estão atentos e vigilantes no sentido de impedir que o desporto-rei nacional se torne um monopólio cada vez mais declarado. Há vida, e bem saudável, além dos ditos grandes!

    Foto de Capa: Boavista FC

    Artigo de opinião de Vasco André Rodrigues

    artigo revisto por: Ana Ferreira

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