João Afonso | É caso para dizer: aguenta, coração

    Tinha 3 anos quando o eterno Mikki Fehér morreu em pleno relvado no Vitória SC x SL Benfica. Ver as imagens desse momento, por muitos anos que passem, nunca deixará de ser um choque e um aperto no coração. No sábado passado, dia 29 de fevereiro, temi o pior quando vi João Afonso do Gil Vicente FC a cair inanimado no relvado.

    A violência com que bateu com a cabeça no relvado causou-me o aperto que já conheço de ver as imagens do Mikki a cair, mas aquilo que importa reter desse incidente é: por causa dos placards publicitários, um jogador inconsciente não pôde ser assistido com a rapidez que se exigia para essa situação. Isto exige uma reflexão profunda a nível nacional. Não basta remediar. Temos, como sociedade, que prevenir estas situações.

    O futebol é um jogo de contactos; não é rugby, nem wrestling (embora em certos jogos, seja difícil distinguir…) mas é um desporto muito disputado em que há sempre toques, lesões e contactos. Jogo sem intervenção das equipas médicas é uma raridade, e já nem falo do anti-jogo, mas sim de efectivas lesões. Lesões que podem afastar um jogador dos relvados são muito frequentes e têm vindo a ser o melhor tratadas possível, mas lesões que podem levar a vida a um jogador ainda têm uma prevenção e medidas muito displicentes. Num país dito desenvolvido como o nosso, e num futebol tão competitivo e profissional como o que temos, isto tem de ser levado em conta e revisto.

    João Afonso pregou um susto ao futebol português
    Fonte: Diogo Cardoso/Bola na Rede

    Se houvesse um desfibrilhador no estádio do Guimarães em 2004, talvez Fehér pudesse ainda estar vivo hoje. No limite, teria chegado vivo ao hospital, em condições de ser tratado. Apesar de termos sentido na pele a dor de ver alguém cair morto num relvado de um estádio de futebol, ainda hoje estes aparelhos não são obrigatórios nos estádios – são recomendados. Também é recomendado que alguém com sintomas de Covid-19 não saia de casa… entendem a diferença?

    Em 2016, num Benfica x Besiktas JK da Champions League, Quaresma acertou em cheio na cara de Grimaldo que caiu inconsciente no relvado, sendo prontamente assistido e tendo até regressado ao jogo. Em 2019, o país parou com a notícia de que Iker Casillas tinha sofrido um enfarte do miocárdio num treino do FC Porto, tendo sido de imediato internado de urgência no hospital. Felizmente, teve mais sorte que Fehér.

    Agora, após um choque violento com Mateus, João Afonso desmaia em pleno Bessa, sendo assistido prontamente pela equipa médica do Gil Vicente e do Boavista, sendo-lhe colocado um colar cervical e eis que a ambulância demora a assisti-lo devido à localização de um painel publicitário. Na minha modesta opinião, um placard não é mais importante que uma vida. A publicidade dá dinheiro aos clubes, mas os jogadores quase dão a vida. Além disso, se já há desfibrilhadores em centros comerciais e escolas, porque não há nos estádios? É tudo uma questão de bom senso. A vida humana deve vir sempre em primeiro lugar. O Gil Vicente, inclusive, dedicou a vitória ao jogador:

    O nome Francis Koné não deve dizer nada à maioria dos portugueses. É um jogador costa-marfinense, que já jogou no Olhanense entre 2013 e 2015, maioritariamente conhecido por salvar o guarda-redes da equipa adversária, quando este caiu inanimado, puxando-lhe a língua, permitindo que este continuasse a respirar.

    Há quem diga que os jogadores deviam todos receber formação de suporte básico de vida. Penso que para começar, poderiam ser revistos os protocolos de segurança, de maneira a que houvesse desfibrilhadores nos estádios e centros de treino e que os jogadores pudessem ser transportados para os hospitais o mais depressa possível, quando a situação o exige. Senão, voltaremos a viver uma tragédia. São medidas simples e eficazes que podem salvar vidas, em vez de forçar os jogadores a um “aguenta coração”. Isso está reservado aos adeptos, mas noutros moldes.

     

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    Inês Figueiredo Mendanha
    Inês Figueiredo Mendanhahttp://www.bolanarede.pt
    A Maria é uma orgulhosa barqueirense (e por inerência barcelense ) que aprendeu a gostar de futebol antes de saber andar. Embora seja apologista das peladinhas entre amigos, sai-se melhor deixando o que pensa gravado em papel. Benfiquista de coração e Gilista por devoção é sobretudo apaixonada pelo futebol que faz o país parar quando a bola começa a rolar.                                                                                                                                                 A Maria escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.