«Não adiantou o Platini pedir desculpa ao Vitória SC» – Entrevista BnR com Manuel Cajuda

    – Instabilidade no Egito, fartura nos Emirados e “mas” na China –

    BnR: Como surge a hipótese de treinar o Zamalek?

    MC: Foi um agente árabe que trabalhava muito com o futebol. Vive na zona de Cascais, é muito meu amigo e devo-lhe muito. Eu tinha feito uma carreira boa no Marítimo, depois saí e tive ali algum tempo no Beira-Mar e ele apareceu com uma proposta para ir para um grande clube, um clube enorme de África e do futebol africano. O Zamalek estava numa crise mas tinha vencido cinco vezes a Liga dos Campeões Africanos. Eu tinha quatro mil pessoas a ver os treinos. É um clube com cerca de 20 milhões de adeptos, o Al-Ahly do Manuel José era o melhor na altura e tinha até mais nessa situação. Apareceu-me essa possibilidade, eu nunca tinha trabalhado fora e alguma vez tinha que dar o passo e nada melhor que ir para um grande clube, mesmo sabendo de antemão que o clube estava a atravessar uma fase muito crítica.

    BnR: O que se passava?

    MC: Durante um ano tive 10 presidentes. Era sempre o mesmo, entrava de manhã, saía à tarde, voltava no outro dia. Havia uma guerra entre uma comissão administrativa e o presidente, que é o presidente atual. Fui jogar um jogo de avião, parti com um presidente e quando aterrámos ele diz-me “Mister, já não sou o presidente outra vez”. Sobrevivi a isso tudo com elegância, ficámos em 2º lugar e fomos à final da Taça do Egito contra o Al-Ahly do Manuel José.

    BnR: Que condições de trabalho encontrou?

    MC: Completamente diferentes. Todas as condições de trabalho que encontrei nos países para onde fui, não têm nada a ver com as que tive em Portugal. Na altura, o Zamalek estava a reconstruir o seu complexo desportivo, treinávamos muitas vezes em campos alugados, jogávamos em estádios diferentes e tivemos as inerências e os prejuízos da nova organização do clube. Ainda bem que fui, porque a riqueza que construí para mim, não financeira, mas riqueza cultural, riqueza do comportamento social, perante condições que não eram as que os melhores clubes tinham em Portugal, fez-me pensar mais e aceitar as minhas realidades, pondo o meu conhecimento em prática. Daí eu dizer, quando perguntam se eu tenho ideias sobre futebol, “Felizmente sou um homem sem ideias”. Porque as ideias só crescem perante as minhas realidades, nada adianta eu ter ideias e dizer “Vou para a China e vou fazer assim”. Chego lá, a realidade é completamente diferente. Agora, perante as minhas realidades, eu utilizo o meu conhecimento em função das minhas realidades e em função daquilo que são as condições naturais em que eu posso trabalhar.

    BnR: Como foi a mudança para os Emirados Árabes Unidos?

    MC: Curiosamente, tive a mesma sorte do Zamalek, o Al-Sharjah era na altura o clube que tinha mais títulos, hoje não sei. Apanhei sempre essa situação de passar por transformações no aspeto administrativo do clube e até ao ano passado nós fizemos a melhor classificação dos últimos 15 ou 20 anos do Al-Sharjah. No ano passado foi campeão graças a Deus, fiquei muito satisfeito por isso. O futebol é menor em relação ao futebol português mas tem todas as condições. Em termos de novas tecnologias e aquilo que se fala hoje em dia em Portugal, comparado com aquilo que eu tinha nos Emirados era uma brincadeira. Eu tinha tudo do melhor.

    BnR: Por exemplo?

    MC: Tinha um Cybex no meu posto médico, uma máquina enorme. Uma vez pedi sete bicicletas para fazer os treinos de recuperação, no outro dia tinha 25 bicicletas no posto médico, todas novas. Fazíamos o nosso tempo de recuperação com professores de hidroginástica na piscina, afastando um pouco o que era a recuperação dentro de campo, era completamente diferente no aspeto mental e psicológico. Os jogadores gostavam, recuperavam mais depressa. Aprendi muito sobre isso lá e é uma pena que os clubes aqui não possam fazer isso.

    Manuel Cajuda esteve 3 anos na China
    Fonte: Facebook Manuel Cajuda

    BnR: Na sua passagem pela China, sentiu que o futebol lá está a evoluir rapidamente e a subir o nível, principalmente com a entrada de jogadores estrangeiros?

    MC: Tudo na China é complexo. Quando digo que é complexo não estou a ser negativo, estou a ser positivo. Muita gente pensa, por exemplo, que os chineses não são inteligentes. Os chineses são muito mas muito inteligentes, sabem perfeitamente aquilo que querem, aquilo que procuram e aquilo que fazem. Acredito que eles têm potencial, pelo menos financeiro, mas foi onde eu aprendi que “mas” é a palavra mais importante do mundo.

    BnR: Como assim?

    MC: Por exemplo, pedes ao Presidente autorização para fazer alguma coisa e ele diz “Pode, mas…”, e qualquer coisa a seguir. Quando cheguei à China o Presidente ouviu-me, disse-me que ficou encantado com as propostas de trabalho que eu fiz, a inovação que eu queria, mas disse-me “Gostei muito de o ouvir, nós gostamos muito dos estrangeiros, mas tu estás na China”. E eu percebi. O futebol vive muito de ações multidisciplinares, de comportamento, quando falam no modelo de jogo, parecendo que não, não é tão visível mas é importante. O estado político do estado onde estamos, a política regional e a política local, todas essas coisas me ensinaram a cometer menos erros.

    BnR: Quando um treinador perde o balneário é o início do fim?

    MC: Não, é o fim do fim (risos). Em termos de liderança, os liderados são as coisas mais importantes que um líder pode ter. Um líder que não tiver liderados não tem justificação e quando nós perdemos aquilo que é a parte mais importante, quem faz o espetáculo, que são os jogadores… Quando se perde o balneário, quando os liderados deixam de acreditar naqueles que exercem o poder de uma forma democrática, uma liderança aceitada passar a ser uma liderança totalitária, a maior parte das vezes está perdido o controlo. Pode não ser numa semana acaba por ser na outra.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Frederico Seruya
    Frederico Seruya
    "It's not who I am underneath, but what I do, that defines me" - Bruce Wayne/Batman.                                                                                                                                                O O Frederico escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.