Dois em Um

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    O futebol está, através do senso comum e, muitas vezes, dos meios de comunicação social, associado a uma rápida ascensão social. O jogador de futebol profissional surge, em inúmeras ocasiões, ligado a uma despreocupação financeira e à facilidade em obter bens materiais de alta qualidade. Um futuro no futebol é visto como uma “galinha dos ovos de ouro”.

    Em tempos de crise económica, esta realidade torna-se ainda mais apetecível, mexendo com o imaginário dos jovens. Na verdade, um atleta com sucesso que jogue na formação de um bom clube pode vir a receber, com apenas 16 anos, mais do que o ordenado mínimo. Porém, quantos jogadores da formação destes clubes acabam por conseguir um lugar na equipa principal? A maior parte destes jovens atletas acaba por se perder na longa caminhada; outros, em menor número, conseguem fazer carreira em clubes secundários, clubes estes que estão longe de ter possibilidades económicas para garantir salários desmedidos, sendo que alguns até ficam em divida para com os atletas.
    Como se pode comprovar pelos plantéis dos três grandes de Portugal, onde grande parte dos titulares nem tem nacionalidade portuguesa, uma ínfima parte dos jovens atletas ascende a este patamar.

    E o que acontece ao jovem atleta que, durante anos, centrou a sua vida no futebol, quando atinge o fim da sua carreira? Tem de haver uma readaptação social que, tendo em conta o mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, só é possível com uma boa formação académica. Daí a importância para um jovem atleta de priorizar o papel da escola ao longo da construção da sua carreira desportiva.
    Porém, o tempo que um atleta de formação dedica ao futebol difere em pouco da carga horária necessária para frequentar a escola. E, para dificultar mais ainda a tarefa, o ensino bombardeia os alunos com conteúdos afastados, em interesse e aplicabilidade, do quotidiano. É tão vasta a quantidade de matéria lecionada que é escasso o tempo que sobra para a consolidar. Se isto é uma dificuldade para um aluno dito “normal”, tamanha é a exigência para um aluno atleta, cujo sonho não está diretamente dependente do seu desempenho escolar. Treinos diários de manhã obrigam a perder aulas; treinos diários à tarde pouca energia deixam para estudar; tempo livre ao fim-de-semana? É dia de jogo! Idas a estágios da Selecção Nacional implicam viagens e, consequentemente, ausências de longa duração que resultam em perda de conteúdos escolares; e se o atleta participar noutras competições, como é o caso da UEFA Youth League, então aí o tempo voa!

    Neste contexto, é raro o jogador que frequenta o Ensino Superior; normalmente a meta é o 12.º ano. E, mesmo assim, alguns nem chegam a concluir o ensino secundário, atualmente a escolaridade obrigatória. Tendo os clubes um papel preponderante nesta fase tão decisiva da vida dos atletas, talvez esteja na altura de assumirem a sua obrigação social e de agirem como tutores ativos, criando planos pedagógicos de apoio aos atletas, incentivando-os a estudar, facultando-lhes os apoios necessários e até mesmo estabelecendo planos de entendimento com a escola. O próprio Ministério da Educação devia reconhecer esta realidade e criar ferramentas efetivas de apoio aos atletas que facilitassem a conciliação entre a exigência desportiva e a necessária aprendizagem com sucesso dos conteúdos académicos.
    Afinal, a escola assume um papel fundamental na vida dos jovens, na medida em que lhes faculta capacidades diversas e transversais para o sucesso no desporto e na vida. A escola, mais do que um local de transmissão de informação e de conhecimento, é um lugar de construção da personalidade dos indivíduos, de confronto de ideais e de formação do ser.

    Portugal tem sido lanterna vermelha no ensino ao nível europeu. Talvez esteja na altura de abandonar a posição de carro vassoura e perceber que o seu futuro depende, incontestavelmente, do tipo de investimento que é feito na Educação da sua geração vindoura. Grandes mudanças devem ser pensadas para os planos escolares, redefinindo a importância de diferentes disciplinas e conteúdos, dos tempos de permanência em salas de aulas convencionais e até mesmo na própria escola. Urge dar sentido à aprendizagem e aproximar a escola de cada projeto de vida.

    Em tempos de crise económica, não podemos permitir outras crises, sobretudo em áreas fulcrais que podem combater e mitigar os seus efeitos, ou não são a educação e o desporto faróis que podem apontar para a esperança de um futuro melhor?

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