Levantar a cabeça e pensar no próximo jogo

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    Há alturas na vida em que tudo nos parece indicar a mensagem de que já não somos o que uma vez fomos, que devemos aceitá-lo e desistir de forçar laços (porque o nosso “músculo social” não tem sido trabalhado e já não nos sentimos capazes), técnica (porque há, então, quem seja melhor que nós na nossa profissão) ou talento (que não sai, por mais que esfreguemos a lâmpada de um génio que julgamos morto).

    As memórias dos tempos em que não precisávamos de esforço para ter reconhecimento social e/ou profissional e em que a confiança fazia fluir todo o talento presente em nós parecem, agora, imagens de um sonho frágil, facilmente derrubado pelo som do toque e da vibração do alarme do nosso telemóvel.

    Todas as nossas interacções sociais correm mal, todo o trabalho é concebido de forma distinta da idealizada e as palavras de um texto, as notas da guitarra ou um drible fugaz fazem transparecer a nossa incapacidade, ilustram os cacos de uma auto-estima destruída.

    O futebolista, naturalmente, é um homem que se expõe bastante a este estado depressivo.  Principalmente em países onde o futebol é levado muito a sério e quando o começo de carreira é particularmente feliz. O “empurrãozinho” de uma ou outra excelente exibição tem sempre repercurssões incríveis nos media (em Portugal, por exemplo, temos 3 jornais desportivos diários, por isso não é difícil) e, consequentemente, nos adeptos, que começam a ver neles as “estrelas” que os jornais e os analistas fizeram crer que ali exisitia. Nascem, com uma frequência incrível, em Portugal, vários sucessores de Vítor Baía, Rui Costa, Figo ou, melhor ainda, de Cristiano Ronaldo.

    No grupo de amigos destes miúdos, não há quem não os elogie, as miúdas passam a achar-lhes mais piada, o dinheiro abunda, fotos e vídeos deles estão cravadas nos jornais, que só dizem maravilhas acerca deles. O mundo aos pés deles, como se fossem Jordan Belfort nos seus tempos áureos (o “Lobo de Wall Street”).

    O problema vem depois. Quando não conseguem corresponder às enormes expectativas neles descarregadas. Quando erram dois, três, quatro passes, fazem remates disparatados ou falham um ou outro drible. Aí entra o duro golpe da realidade, desvirtuada pelas palavras elogiosas e que agoram se transformam em críticas indiferentes (tal como os elogios) ao arcaboiço emocional que esse miúdo possa ter para as suportar e ao impacto que isso possa ter nele.

    Felizmente tem havido desenvolvimentos nessa àrea, e há, associado ao clube e aos próprios agentes, apoio psicológico para este tipo de situações. Mas a irresponsabilidade dos media na (des)mesuração dos elogios não lhes tem facilitado a tarefa.

    Ukra terá agora maior capacidade para lidar com momentos menos bons. Exemplo evidente é esta foto e a sua constante boa disposição Fonte: Rio Ave
    Ukra terá agora maior capacidade para lidar com momentos menos bons. Exemplo evidente é esta foto e a sua constante boa disposição
    Fonte: Rio Ave FC

    O caso mais relevante, esta temporada, em Portugal, é o de Gonçalo Guedes. Ainda a representar os júniores, foi “vítima” de elogios constantes – chegou a ser comparado a Cristiano Ronaldo! Tinha enormes expectativas nos ombros. Confirmou-as ao marcar em Madrid, contra o Atlético e ao agarrar a oportunidade da lesão de Salvio para segurar um lugar no onze da equipa principal do Benfica, mas entretanto começou a baixar de rendimento, foi relegado para o banco e ainda não conseguiu voltar a exibir as credenciais que os jornais lhe passaram. Baixou de forma, e agora vai perdendo espaço na equipa do Benfica. Que impacto terá isto na carreira, na vida de Guedes?

    Felizmente, os 19 anos dão-lhe longa margem de manobra e, como foi referido acima, já existem ferramentas para lidar com isto… até porque o passado também serve de aprendizagem. Um dos melhores exemplos será o de Ukra, em quem se depositara enormes esperanças quando ainda estava na equipa júnior do FC Porto e, não se conseguindo afirmar no seu clube de formação, pareceu desanimar, e numa época e meia em Braga apenas disputou 19 jogos. Nunca foi o craque que se tem evidenciado em Vila do Conde… durante quatro temporadas seguidas.

    Actualmente, Ukra atravessa um momento menos bom. Tem sido menos utilizado por Pedro Martins em virtude de exibições menos conseguidas (a última, em Coimbra, evidenciou isso mesmo) mas agora, ele sabe que isso é só passageiro. Agora ele tem o arcaboiço emocional para suportar as críticas, trabalhar mais forte e ter a noção de que o talento não lhe fugiu dos pés, porque pessoa que ele um dia foi, ainda lá está.

    Foto de capa: SL Benfica

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    Enquanto a França se sagrava campeã do mundo de futebol em casa, o pequeno Pedro já devorava as letras dos jornais desportivos nacionais, começando a nascer dentro dele duas paixões, o futebol e a escrita, que ainda não cessaram de crescer.                                                                                                                                                 O Pedro não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.