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    Devem existir poucas coisas mais enternecedoras do que vermos espelhados, em pessoas mais novas, estados de alma que já nos pertenceram. Regressamos ao passado, e compreendemos o olhar de indefinição que, paradoxalmente, reflecte a tranquilidade de um “eu” com menos conhecimento sobre o mundo e suas vicissitudes.

    Isso aconteceu-me, recentemente, num almoço de família. Uma pergunta empurrou-me para o passado. Para uma altura em que já não bastava, apenas, uma bola e espaço para jogar para me sentir realizado. Era preciso mais alguma coisa, mas eu não sabia o quê, e então perguntava, como me perguntaram a mim: “Qual é a tua música preferida?”.

    Claro que ninguém me sabia responder a perguntas como esta. Nem eu soube. É certo que me vieram à cabeça “intro’s” como as da “One”, dos Metallica, ou da N.I.B., dos Black Sabbath, a harmonia da “Black”, dos Pearl Jam, ou da “April”, dos Deep Purple, genialidades tiradas de autores como Dylan, Tom Waits, System of a Down, Bowie, Royksopp, Massive Attack, Radiohead ou, mais recentemente, Tycho… e muito mais, naquela fracção de segundo. Mas jamais me conseguiria aproximar da resposta certa.

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    Campanha de Marketing do Sporting CP ilustra bem a forma como se vive o “nosso” derby
    Fonte: Facebook do Sporting

    Pura e simplesmente, não me conheço a esse nível, mas foi enternecedor olhar para trás e notar quão simples achamos que a vida possa vir a ser. Poder escolher a música, o álbum, o livro, o ator, a atriz, o filme… o futebolista favorito! As coisas não funcionam assim. Este tipo de artes tem demasiada coisa boa para se poder apontar uma coisa como favorita, dentro delas. Encontrá-lo revela uma de duas coisas: um extremo ou limitadíssimo conhecimento delas.

    Já antes, a mesma pessoa me tinha perguntado qual era o jogador que mais me fascinava. Também não soube responder, mas tive rasgos de memória, como o golo de Suker à Holanda, no Mundial 98, que deu à Croácia um histórico 3º lugar; ou a fuga de Michael Owen, por entre uma equipa inteira da Argentina, para fazer o 2-1, insuficiente para evitar a derrota nos penalties,  e divaguei para casos particulares do futebol português, como o golo de Mário Jardel, com a camisola do Sporting, ao Vitória de Setúbal, ao cair do pano, refletindo todo o seu instinto matador na forma como o golo chegava a ele. O golo de Deco, ao Benfica, de livre directo, na esquina da área, revelando toda a classe daquele génio ou… Pablo Aimar em toda a sua plenitude. Não conseguiria responder com exactidão sobre quem mais me deslumbrara.

    Sobre favoritos, no futebol, são muito poucas as certezas de quem ama e acompanha o desporto. Existe o clube, e pouco mais.

    Como adepto de futebol, não conseguiria escolher qual o jogo que mais me marcou (embora os penalties do Portugal-Inglaterra do Euro 2004 estejam bem frescos na memória), mas sei o  duelo que mais impacto tem na minha vida. Pela rica história de “trabalhos de parto” de 90 minutos que dão à luz lendas do futebol, normalmente “assistidas” por muitos golos, pelo “fartote” de bom futebol e pela rivalidade, a sadia, que se vive fora das quatro linhas, num ambiente inigualável em qualquer outro ponto do globo.

    Falo, claro, do derby. O português. O Sporting-Benfica ou Benfica-Sporting, recheados de imagens com presença indelével na história do futebol português. Capítulos que marcam vidas. As dos protagonistas, dos companheiros e de adeptos, como eu, de futebol.

    Sinto-me privilegiado por ter a certeza sobre alguma coisa nesta arte tão vasta. Ainda bem que o derby existe.

    Foto de Capa: Facebook do Benfica

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