Como roubar quatro campeonatos ao Sporting

    Poder-se-ia argumentar que o aspecto do troféu do CP era idêntico à Taça de Portugal – provando assim que o primeiro deu origem à segunda – e que o facto de a primeira competição a nível nacional em Portugal ser a eliminar e não em formato de liga faz com que perca o estatuto para a liga experimental. Relativamente à primeira observação, os dois troféus só são idênticos porque, em 1938 (e nunca antes!) se entendeu passar a estabelecer um paralelismo entre CP e Taça de Portugal, servindo o troféu do CP como modelo para o da nova competição. Sobre a questão do formato da competição, lembro que isso está longe de ser caso único e que as mudanças são normais no futebol. Da mesma forma que ninguém contesta as duas vitórias do Benfica na Taça dos Campeões Europeus (na altura disputava-se apenas através de eliminatórias) nem se coíbe de as juntar à contabilidade da actual Liga dos Campeões, também as vitórias do Sporting e dos outros clubes no CP deveriam ser contabilizadas como títulos nacionais. Volto a dizer que nem mesmo o Benfica sairia prejudicado, uma vez que o seu número de triunfos nesta competição e na liga experimental é o mesmo: 3. Além do mais, em vários outros países houve mudanças na estrutura dos campeonatos, mas não é por isso que os clubes deixam de contabilizar os títulos de campeão anteriores a essas alterações. Por exemplo:

    – em Itália, a Serie A disputa-se nos moldes actuais desde 1929, embora entre 1898 e essa data tenha existido um torneio híbrido (eliminatórias e uma espécie de liguilha). O Génova e o Pro Vercelli conquistaram todos os seus scudetti antes da existência da Serie A e ainda hoje essas suas vitórias são reconhecidas;

    – na Alemanha, a Bundesliga foi criada apenas em 1963. O Nuremberga ganhou 8 das suas 9 ligas antes da criação do actual formato. O Schalke foi campeão 7 vezes – 6 delas ainda durante o III Reich – e todos os títulos são contabilizados. E note-se que, na Alemanha, o campeonato jogou-se em regime de eliminatórias até 1950! Porém, ao contrário do que aconteceu em Portugal, esta competição nunca foi confundida com a Taça. Tê-lo feito seria uma tremenda injustiça, uma vez que se estaria a posteriori a negar aos clubes a glória que todos eles tinham alcançado ao longo dos anos.

    Acresce a isto o facto de, em Inglaterra, o campeonato já ter passado por inúmeras mudanças. O Liverpool, por exemplo, nunca venceu nenhuma Premier League, mas continua a contabilizar 18 campeonatos. E não poderia ser de outra forma. Retirar aos clubes, passados tantos anos, os títulos de campeão que eles conquistaram, não só é injusto como subverte a realidade do desporto no país em questão. Se, noutras ligas, houve o bom senso de nunca negar campeonatos a clubes com base em argumentos criados décadas depois da disputa dessas competições, em Portugal esse não foi o caso.

    Apesar de se disputar em eliminatórias, o campeonato de Portugal apurava o campeão nacional. As 17 épocas em que se disputou foram estranhamente apagadas dos registos oficiais, negando-se a posteriori vários títulos de campeão aos clubes Fonte: Wikipédia
    Apesar de se disputar em eliminatórias, o campeonato de Portugal apurava o campeão nacional. As 17 épocas em que se disputou foram estranhamente apagadas dos registos oficiais, negando-se a posteriori vários títulos de campeão aos clubes
    Fonte: Fúria Azul

    Antes de terminar, coloco apenas mais duas questões:

    – Mesmo que o argumento de equiparar o CP à Taça de Portugal estivesse correcto (e não está, como tentei demonstrar), por que razão hoje em dia os CP não são sequer contabilizados juntamente com as Taças de Portugal mas sim, em lugar disso, completamente esquecidos?

    – Por que é que certas apreciações variam conforme os clubes? Já falei aqui das duas Taças dos Campeões ganhas pelo Benfica, a que se junta outra do FC Porto e uma Liga dos Campeões ganha pelos azuis-e-brancos. A melhor prestação de sempre do Sporting nessa competição foram os quartos-de-final. No entanto, por qualquer motivo bizarro, em 2008/09 muitos meios de comunicação não cessaram de dizer que a tristemente célebre eliminatória com o Bayern de Munique (oitavos-de-final) era “a melhor campanha de sempre do Sporting” naquela competição…

    Voltando à temática do número de campeonatos conquistados, estranho que nem o meu clube nem o FC Porto, o Belenenses, o Olhanense ou o Marítimo (o Carcavelinhos já não existe) contestem a actual contagem e tragam este assunto para discussão. Mas creio haver margem suficiente para que tal aconteça. Mudar as regras do jogo vários anos depois e com efeitos retroactivos, tal como se fez a partir de 1938 relativamente ao CP, parece-me tão errado quanto grave. Urge apurar a verdade e homologá-la o quanto antes. Penso, portanto, ser possível afirmar que o verdadeiro “álbum de ouro” do futebol nacional é o seguinte:

    BENFICA: 33 campeonatos (mantém-se igual)

    PORTO: 30 campeonatos (em vez dos 27 oficiais)

    SPORTING: 22 campeonatos (em vez dos 18 oficiais)

    BELENENSES: 4 campeonatos (em vez do único que lhes é atribuído)

    BOAVISTA, OLHANENSE, MARÍTIMO E CARCAVELINHOS: 1 campeonato (nas contas oficiais, apenas o do Boavista é reconhecido)

     

    Dito isto, importa recordar os nomes dos campeões nacionais do Sporting Clube de Portugal que foram injustamente apagados da História por um modelo de contagem de campeonatos no mínimo discutível. Estes atletas são duplamente campeões, porque não só suplantaram todas as outras equipas como tiveram de lutar contra o esquecimento a que foram votados. Aqui ficam:

    1922/23: Francisco Stromp, Jorge Vieira, Filipe dos Santos, Rodrigues Ferreira, Torres Pereira, João Francisco, Jaime Gonçalves, Henrique Portela, José Leandro, Emílio Ramos, Cipriano, Fernandes, Amadeu, Lieber e Quintela.

    1933/34: Adolfo Mourão, Correia, Jurado, Joaquim Serrano, Rui Araújo, Faustino, Manuel Soeiro, Vasco Nunes, Reynolds, Jóia, Cervantes, Jenny, Artur Dyson, Belo, Estrela, Pires Rebelo, Forno, Farrin, Rosado, Fonseca e Reis.

    1935/36: Adolfo Mourão, Rui Araújo, Pireza, Correia, Manuel Soeiro, Vianinha, Francisco Lopes, Jurado, Faustino, Possak, Galvão, Artur Dyson, Raúl Silva, João Azevedo, Joaquim Serrano, Rui Carneiro, Jaguaré, Abrantes Mendes, Vasco Nunes, Costa, Alcobia, Manuel Marques, Pires Rebelo, Terruta, Carreira e Fernando.

    1937/38: Adolfo Mourão, Fernando Peyroteo, Aníbal Paciência, João Azevedo, Manuel Soeiro, Pireza, Jurado, Manuel Marques, Rui Araújo, Galvão, João Cruz, Heitor, Joel, Daniel Duarte, Francisco Lopes, António Martins, Joaquim Serrano, Belarmino e Manuel da Silva.

    A equipa do Sporting de 1922/23, que conquistou o primeiro campeonato nacional da História do clube. Francisco Stromp é o do meio, em baixo. Jorge Vieira (3º da fila de cima) era outra figura de destaque Fonte: Wikipédia
    A equipa do Sporting de 1922/23, que conquistou o primeiro campeonato nacional da História do clube. Francisco Stromp é o do meio, em baixo. Jorge Vieira (3º da fila de cima) era outra figura de destaque Fonte: Wikipédia

     

    Fontes consultadas:

    http://www.forumscp.com/index.php?topic=27754.0 – de onde retirei o título, por achar ser certeiro e chamativo

    http://www.rsssf.com/tablesp/portchamp.html – conhecido site internacional de estatísticas de futebol que sustenta esta teoria

    http://sportingautentico.blogspot.pt/2011/04/22-vezes-campeao-de-portugal.html

    – Almanaque do Sporting Clube de Portugal, Almanaxi Editora, 2004

     

    Nota: um trabalho mais exaustivo e credível poderá ser feito com o acesso aos arquivos da FPF

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    João V. Sousa
    João V. Sousahttp://www.bolanarede.pt
    O João Sousa anseia pelo dia em que os sportinguistas materializem o orgulho que têm no ecletismo do clube numa afluência massiva às modalidades. Porque, segundo ele, elas são uma parte importantíssima da identidade do clube. Deseja ardentemente a construção de um pavilhão e defende a aposta nos futebolistas da casa, enquadrados por 2 ou 3 jogadores de nível internacional que permitam lutar por títulos. Bate-se por um Sporting sério, organizado e vencedor.                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.