O Passado Também Chuta: António Oliveira

O olhar escurece a tela. A fita vai desdobrando o ranger dos seus dentes. O breu passou a ilusão quando o aparente movimento dos pixéis decidiu intrometer-se na trama. Em alvoroço, o público emite, num sopro, curiosidade e a vontade sôfrega de vivenciar.

O tinido da existência e da inquietação das cadeiras faz olvidar, rapidamente, o ranger da fita. A imagem surge. Ressurge, se adicionarmos um pouco do passado que também foi nosso. As cores intensificam-se, ganham textura e brilho e relegam a pomposidade. Portugal dos anos 70 e 80 podia figurar na descrição anterior se a grande maioria da população fosse alfabetizada e não vivesse em condições precárias.

A não menção de restaurantes opulentos, com sete talheres a ladearem os três pratos sobrepostos e a venerarem os cinco copos e os três violinistas encarregados de subterfugiar os ruídos do mascar dos alimentos, prendeu-se pela mesma tese. As pessoas preferiam sítios cómodos, onde pudessem gastar 500 escudos em tremoços, amendoins e cerveja e ser um dos muitos cérebros da maior das nuvens de fumo: nada melhor do que o designado tasco, com a televisão (modernices) sintonizada no canal onde houvesse bola a rolar.

As particularidades do velho futebol continuam a alimentar almas: a pouca tática, o jogar para a frente, as posições puras e não adulteradas, os mestres e o respeitinho, as jogadas perfumadas, os golos, as chuteiras de uma só cor, os espíritos aguerridos, as longas viagens de autocarro, os bigodes farfalhudos, as nutrições distintas, a marcação individual, etc. O estado (quase) primitivo da modalidade apresentava Beleza a dividir por dois. António Oliveira era dono de uma metade.

Apesar de crises e guerras, o poder de compra – cá em casa -permanece intacto. Vivemos com o suficiente para amortizar a dívida mensal em internet, única forma de observar lances e momentos do eterno camisola dez do FC Porto, FC Penafiel, Sporting CP e da Seleção Nacional. Do meu bolso, costumam sair o valor das contratações de violinistas aquando do contacto com os vídeos disponíveis no Youtube e Dailymotion.

O mítico campeonato 1977/1978 não conheceu os ventos do Norte durante 19 anos e António Oliveira, através da batuta que detinha em cada pé, exerceu o movimento característico de maestros de renome e indigitou o futebol dos dragões durante o final da década. Seninho, Duda, Otávio, Costa, Gomes, Freitas, Gabriel, Fonseca, Simões e outros ofereceram guarida ao génio e à sua fantasia: volvida uma temporada e seguindo os passos da receita anterior, confecionou a poção mágica essencial à reconquista do título de (bi)campeão nacional em 1978/1979.

Enquanto Rodolfo Reis se assumia como um médio trajado com fato macaco, António Oliveira tirava hattricks e bis da algibeira do smoking envergado em partidas nacionais ou europeias. José Maria Pedroto estará, certamente, orgulhoso do seu discípulo.

 

As exibições de encher o olho e a sua relação com o golo valeram-lhe uma transferência para terras de nuestros hermanos, no verão de 1979, a fim de representar o Bétis de Sevilha. Apesar da experiência redundar em insucesso, o FC Penafiel, equipa da terra natal, acolheu o filho desejado por muitos e potenciou, não só a destreza, como o sentido de responsabilidade do puro dez: António Oliveira acumulou as funções de treinador e jogador com a pretensão de retomar à ribalta do futebol português. Diz-se que o Sporting CP esteve no sítio certo, à hora certa…

Antes de 1981/1982, Rui Jordão e Manuel Fernandes já compunham a dupla atacante que causou inúmeras derrocadas nas defesas adversárias e Ademar já conferia músculo e resistência física ao meio-campo leonino. Faltava alguém que fosse capaz de conduzir, transportar, construir a partir da primeira e segunda linha, capacidade de progressão no terreno, ampla visão de jogo, pormenor técnico, facilidade na chegada ao último terço e definição. Pensaram em António Oliveira e nunca pensaram tão bem.

O camisola dez, ao serviço dos leões, voltou às exibições para as quais as palavras são matéria fútil e emanou classe pelos relvados lusos. A final da Taça de Portugal do mesmo ano, diante do SC Braga, redige um dos mais belos poemas futebolísticos até à data.

Face ao avançar da idade, o ritmo decresceu e António Oliveira desceu à terra. No clube de Alvalade, a utilização registava índices mais baixos, bem como a preponderância tida em cada partida. A meu ver, cansou-se de estar repimpado a praticar um futebol de excelência, que não tive oportunidade de ver em primeira mão, mas que me disseram e foi por mim comprovado ser de grau igual ou superior. Ainda voou para a Madeira com a pretensão de jogar sob um clima mais ameno e agradável, mas rapidamente pendurou as chuteiras no armário.

Resta agradecer, continuar a observar os vídeos para matar saudades e difundir as histórias/feitos do melhor médio ofensivo português de todos os tempos. Obrigado, senhor António Oliveira!

 

P.S: Não, não me esqueci de mencionar a exibição defronte do Dínamo de Zagreb na Taça dos Campeões Europeus de 1982/1983. Quis apenas deixar água na boca de quem ler o texto. E o melhor, evidentemente, para o fim!

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Romão Rodrigues
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