O Regresso a Casa é uma rubrica onde os antigos redatores voltam a um lugar que bem conhecem e recordam os seus tempos antigos escrevendo sobre assuntos atuais.
Lembro-me do primeiro artigo que escrevi. Intitulava-se “um Sporting de todos” (título engraçado que não descreve de todo o que se passa neste momento no universo verde e branco). Sei que contei que sou do Sporting CP porque o meu avô me dizia que olhos verdes eram olhos de sportinguista e eu lá fui na cantiga. Correu bem inicialmente, admito, que obriguei um benfiquista a levar-me na caravana que celebrava um campeão que nunca mais o viria a ser nas décadas seguintes.
Lembro-me de descrever que no meu primeiro jogo dei por mim a discutir futebol com um senhor com uma idade um pouco mais avançada, procurando talvez nele o que nunca consegui concretizar com o meu próprio avô.
Engraçado que o que nos unia, muito devido à estupefação de ver uma rapariga discutir mais tática do que aparência, que sabia os nomes e que não trocava o William Carvalho com o João Mário, era o Sporting CP. Estávamos ali por isso, celebrámos os golos juntos, discutíamos jogadas e criámos uma ligação em função do verde e branco. Como estas histórias tive algumas mais, como mais tiveram milhares de outras pessoas que se sentaram naquelas cadeiras coloridas.

Fonte: Sporting CP
E agora? Agora, neste universo, assistimos a guerras, guerrinhas e divisões porque sim. Esqueceu-se o verde e branco, esqueceu-se “O Mundo Sabe Que”, esqueceram-se os cachecóis ao alto e o bater no peito por um clube, esqueceu-se tudo e mais alguma coisa. O que antes eram bancadas inteiras, cheias, a cantar incessantemente durante os 90 minutos, fazendo de Alvalade um ambiente difícil, são agora bancadas que se preocupam mais a apupar uma figura do que apoiar o que as move até lá. Pelos vistos, é melhor discutir e insultar in loco, pagar centenas de euros para dizer o que bem querem e apetece do que fazê-lo grátis num tasco qualquer por aí. É triste este novo paradigma. Parece um universo paralelo onde, de repente, se discute tudo menos futebol, onde não se festejam golos com o “vizinho do lado”, onde não se diz um “até ao próximo”, onde já não se estranha a ausência desse habitual vizinho.
Tanto que se criticaram as claques, mas certo é que sem elas, não há emoção, não há nada que motive as pessoas, por elas próprias, a apoiar o clube. Metem-se as mãos à cabeça e perguntam-se como é que será Alvalade sem a emoção dos adeptos, mas não é para isso que andam a treinar os jogadores desde a época passada? Neste momento, jogar com ou sem adeptos é exatamente a mesma coisa em Alvalade. O Reino do Leão ficou vazio e deu lugar a tudo menos ao amor em comum.
Não há um culpado. Há vários. Não é só o novo presidente, o antigo presidente, aqueles que foram para a Academia dar início a um furacão que ainda hoje tem consequências. Não são só aqueles que ficaram em casa e os que foram sempre à bola, como se este fosse um motivo de grande superioridade ou de medir quem é mais e melhor sportinguista. A culpa é de todos os que não remam para o mesmo lado. Isto não é o Sporting CP que conheci, que amei, e que me fazia sentir todo o tipo de emoções inicialmente e, de certeza, não é o Sporting CP daqueles que estão ainda a ler isto. Mas só depende de nós mudar isso, de apontar menos o dedo para os outros e mais para nós.
Escrevia em 2015 que o Sporting CP era irracionalidade, emoção e integração. Que eram novos e velhos, homens e mulheres. Era união. Era, porque já não é. Não sei que tipo de universo paralelo é este, mas de certeza que não quero estar nele.