TRIBUNA VIP é um espaço do BnR dedicado à opinião de cronistas de referência para escreverem sobre os diversos temas da atualidade desportiva.
Não se trata de gostar mais do frio do que do calor. Ou de preferir a chuva ao sol. Muito menos de conduzir à direita. E, por favor, nem me falem de fish and chips…
Trata-se de gostar de futebol. Cada vez mais. E de ter menos paciência para intrigas. Cada vez menos. Sou um fã do futebol. Daquele bem jogado onde o que realmente interessa é o que se joga dentro das quatro linhas.
Gostava de viver num país onde toda a gente discutisse o onze inicial, a tática, a mentalidade da equipa, as escolhas dos treinadores. Em vez disso, vivo numa realidade em que muitos nem sabem o onze inicial, mas conhecem o árbitro, criticam o árbitro, conhecem o passado do árbitro, sabem onde mora o árbitro. Vocês percebem…
Os jogadores podem errar, falhar um golo isolados, entregar o ouro ao adversário. Mas ai do árbitro que não marque um penálti a favor da minha equipa! Disso, sim, vou-me lembrar durante anos e anos. E é disso, sim, que se vai falar durante semanas e semanas.
Será que os árbitros ingleses são tão melhores que os portugueses? Erram assim tão pouco? Não, não erram. Mas a mentalidade não é a de que o árbitro é que tem culpa de um mau resultado. Em Inglaterra não existe esta cultura da desculpabilização.
Como acham que reage um jogador que faz um mau jogo e depois vê treinadores e dirigentes criticarem um árbitro? “Ah, se calhar nem estive assim tão mal”, pensará.
Precisamos de medidas mais duras, para que o futebol seja, lá está, menos duro. Em 2018, Rafael Benitez, na altura treinador do Newcastle, disse em relação a um árbitro antes de um jogo: “Tenho muita confiança nele. Tem muita experiência apesar de expulsar muitos jogadores da nossa equipa”. Foi multado em quase 70 mil euros (!) por condicionar a equipa de arbitragem. A base é esta. Não é o árbitro que interessa, mas sim o jogador.
Engane-se quem pensar que em Inglaterra todas as equipas jogam para ganhar. Essa é uma ideia errada. Mas não jogar para ganhar não quer dizer não jogar. É perfeitamente normal que o West Bromwich chegue a Anfield e alinhe num 6-4-0. E isso é mais do aceitável. O que não consigo aceitar é que se tente não jogar para sair de algum estádio com um mísero ponto. Se alguém quiser conquistar um 0-0 tem de trabalhar para isso. Tem de defender bem, ter de ter união, espírito de sacrifício. Não deve, e sobretudo não pode, não jogar. Demorar 45 segundos para bater um pontapé de baliza. Cair no relvado e pedir assistência médica desde os primeiros segundos do jogo.
Em Portugal, isso é intitulado experiência. Enganar o árbitro ou perder tempo é visto como matreirice. Em Inglaterra és tão criticado que nem te apetece sair de casa no dia seguinte.
Portanto, deixem-me viver em Portugal e aproveitar tudo o que de tão bom temos aqui. Mas, por favor, a cada fim de semana enviem-me para Inglaterra. Deem-me residência em Brighton, se for preciso. Mas deixem-me apreciar o futebol no seu estado mais puro.
P.S.: Foi com enorme orgulho que aceitei o convite para escrever no Bola na Rede. É um projeto que tenho acompanhado ao longo dos últimos anos, e fico muito feliz por ver o seu crescimento ano após ano. Só desejo que assim continue. Um órgão de comunicação para quem gosta realmente de futebol e que evita as tais polémicas desnecessárias e gratuitas. Um pouco à semelhança do futebol inglês, não é?
Artigo de opinião de Ricardo Rampazzo, narrador da ELEVEN