Puskás Aréna, Budapeste. Mais de 60 mil húngaros num ambiente absolutamente infernal. A seleção da Hungria recebia Portugal para o segundo jogo de qualificação para o Mundial 2026.
Num jogo arbitrado pelo belga Erik Lambrechts, o primeiro destaque foi para a equipa inicial escalada pelo seleccionador nacional Roberto Martínez, a promover duas alterações no onze com as entradas de Rúben Neves e de Bernardo Silva em detrimento de Gonçalo Inácio e João Félix.
Antes do jogo, o próprio Roberto Martínez explicou as suas escolhas afirmando que «Precisamos de defender rápido, em zonas médias e com largura. O João Cancelo vai criar uma linha de cinco com o Pedro Neto [nas alas], Rúben Neves, Rúben Dias e Nuno Mendes [por dentro], à frente o Vitinha e o João Neves e na frente o Bernardo, o Cris e o Bruno Fernandes. Uma estrutura que já utilizámos. Importante a experiência e flexibilidade do Rúben Neves e do Nuno Mendes em posições mais interiores».
E se é verdade que se pôde ver plasmadas em campo muitas das ideias do seleccionador, também é um facto de que esta estratégia carece de muito tempo de trabalho e de uma afinação quase perfeita, coisa que um selecionador não tem usualmente. O resultado final (2-3) não espelha o domínio quase total de Portugal em todo o jogo, mas traduz igualmente que esta estratégia ousada de Martínez foi apenas “salva” por um momento de grande classe de João Cancelo, provavelmente o melhor jogador português no cômputo destes dois jogos de qualificação para o Mundial 2026.
Naquela que era claramente a deslocação mais difícil que iríamos ter no nosso grupo de qualificação (que para além da Hungria, integra República da Irlanda e Arménia), Portugal decidiu jogar com uma defesa com linha muito avançada com apenas Rúben Dias como defesa-central de raiz, com Vitinha e João Neves a assumir a batuta da equipa e o desequilíbrio que João Cancelo e Nuno Mendes provocam por serem laterais com grande propensão ofensiva.
Nos primeiros minutos, Portugal entrou muito pressionante, não deixando a Hungria respirar, tomando a iniciativa de jogo desde o primeiro minuto. Uns primeiros minutos marcados por um domínio territorial absoluto e por uma grande reação à perda.
Contudo, a nossa circulação de bola é muito lenta, o jogo é pouco fluído e a posse de bola é bastante estéril quando jogamos contra equipas que apresentam defesas muito compactas e organizadas, e isso voltou a acontecer neste jogo em Budapeste.
A selecção húngara (órfã da sua grande referência atacante Rolland Salai, expulso contra a República da Irlanda), tem várias lacunas, onde apenas desponta e se diferencia dos demais a sua grande estrela Dominik Szoboszlai, médio-ofensivo do Liverpool, que está a ter um grande início de época, mas que não pode fazer tudo sozinho.
Estou em crer que dificilmente Roberto Martínez irá repetir esta táctica. O modelo de jogo do PSG e do Barcelona são muito interessantes, mas nessas equipas, o tempo de trabalho é superior e tanto Luis Enrique como Hansi Flick, não desposicionam os seu jogadores, ao contrário do que fez Roberto Martínez, colocando Rúben Neves de defesa-central, sendo que este fica ligado aos dois golos da seleção magiar.
Contra uma selecção com mais argumentos, recursos e qualidade nas suas transições ofensivas, seguramente tínhamos perdido, e ainda assim, sofremos dois golos. Os dois golos são elucidativos disso. Vitinha primeiro e Rúben Neves em seguida, totalmente sem rotinas de posição, a serem antecipados por Barnabás Varga, que bisou na partida em lances quase a papel químico um do outro.
Temos uma geração de muitíssima qualidade, somos claramente um dos candidatos a vencer o próximo Mundial, mas é importante que o nosso selecionador coloque os jogadores nas suas verdadeiras posições, porque é aí que mais rendem, e é dessa forma que se conseguirá construir uma identidade própria de jogo, aspeto que eu não consigo detectar na nossa selecção sob o comando técnico de Roberto Martínez.
É importante que não descuramos o facto de que jogamos contra Arménia e Hungria, e os adversários no Mundial (a partir de uma determinada fase da competição) serão bastante mais exigentes, e por isso, é importante não se ligar o complicómetro e apresentar modelos de jogo reconhecíveis para os jogadores.
Tenho inclusive dificuldade para compreender qual foi o nosso esquema táctico neste jogo, tal foi a mobilidade (mas muito confusa e com pouco critério) da generalidade dos nossos jogadores.
É igualmente de destacar que na noite de Budapeste, Cristiano Ronaldo igualou mais um recorde como o maior goleador de toda a história das eliminatórias para o Mundial, com 39 golos. Aos 40 anos, não se cansa de somar recordes, e já soma 5 (!) jogos consecutivos a marcar pela nossa selecção, mantendo um instinto goleador de suma importância para a equipa.
Para além do já mencionado João Cancelo e Cristiano Ronaldo, destaco a excelente exibição de Bernardo Silva (um dos líderes silenciosos desta seleção), regressando à titularidade depois de ter descansado na Arménia. Já não está no topo da sua forma, mas a sua inteligência de jogo e sentido táctico, ainda fazem muito a diferença. Acabou o jogo com um golo de belo efeito e uma assistência para o golo de Cancelo, que teve o condão de tranquilizar as hostes nacionais, tendo sofrido desnecessariamente perante um adversário de valia claramente inferior à nossa.
Sem ter sido uma exibição brilhante (longe disso), o objetivo principal foi cumprido. Uma vitória arrancada a ferros, mas daquelas que contribuem para reforçar os índices de confiança de uma seleção nacional, que sabe que dado todo o talento de que dispõe, certamente estará presente no próximo Mundial, onde tem legítimas aspirações de trazer um título inédito e tão desejado por todo o país.