Uma final de emoções fortes trouxe história ao PSG dos meninos bonitos | PSG 5-0 Inter

Finalmente, após uma final perdida para o Bayern em 2020, em plena pandemia, três campanhas até às semi-finais da prova e plantéis onde foram conjugadas superestrelas, mas sem grande sucesso, o PSG conseguiu a sua primeira e tão desejada Champions League, passando de ser um clube desprezado por todos, para ser um clube amado e o preferido de muitos para vencer o troféu.

Há tanto que falar e escrever sobre esta conquista. Podemos começar com a completa mudança de identidade do plano desportivo de Nasser Al-Khelaifi, fazendo regressar Luís Campos a França (após passagens pelo Mónaco e Lille, tendo sido estes os únicos, desde 2012, a destronar o PSG) para apoiar o projeto e apostar num plantel muito menos mediático, mas com talentos generacionais e do mais alto nível disponível no futebol europeu. Na transição entre a época passada e a presente, havia a dúvida sobre a continuidade do dirigente português, mas é pública a opinião do técnico espanhol sobre o assunto, tendo preservado a continuidade de Luís Campos.

Para além do perfil técnico, há o perfil atlético evidente – diferente de força ou altura – não apenas nas contratações, mas na escolha do 11 predileto de Luis Enrique, que se foi metamorfoseando ao longo da(s) temporada(s). Por este motivo também (a falta do perfil atlético) não foi recuperado Xavi Simons e saíram peças como Manuel Ugarte ou Marco Asensio, tendo, em sentido contrário, chegado João Neves, Désire Doué, Willian Pacho e, para surpresa de todos, mas com um plano bem traçado, Khvicha Kvaratskhelia.

Por outro lado, o lado emocional do jogo, que deve estar sempre presente no futebol para funcionar como combustível extra, esteve mais do que manifestado nesta caminhada.

Não é a primeira Champions League conquistada por Luis Enrique, já que o havia feito em 2014/2015, ao leme do Barcelona, tendo batido a Juventus na final, por 3-1, em plena capital germânica, Berlim, com um golo de Neymar, aos 90+7, a selar a conquista.

Ainda assim, nessa noite de maio, o momento mais marcante talvez tenha sido no pós-jogo, quando Luis Enrique trouxe a sua filha Xana ao relvado, para celebrar a conquista, como se uma jogadora se tratasse. Fê-la sentar-se em cima do troféu e vaguear pelo terreno de jogo com a bandeira listrada de amarelo e vermelho da Catalunha, fincando-a precisamente no centro do campo.     

Infelizmente e de maneira avassaladora, no início do ano de 2019, ao que se sabe, Xana foi diagnosticada com osteossarcoma, um cancro ósseo raríssimo, que afeta apenas cerca de 3% das crianças diagnosticadas com cancro. Luis Enrique, sem justificar, afastou-se do cargo de selecionador espanhol, tornando tudo público apenas depois do falecimento da menina, a 29 de agosto de 2019, menos de um ano depois do diagnóstico inicial.

Sobre o assunto, Luis Enrique, tal como no seu jogo, nunca escondeu as partes boas, da curta vida da sua filha, e mostrou sempre uma postura de inclusão, com uma visão ampla, prática e otimista sobre o assunto.

Depois do sucedido, e de forma a poder ajudar todas as pessoas que passem por uma situação semelhante, decidiu criar uma fundação, sem fins lucrativos, de nome “Fundación Xana”, representada na camisola que o treinador espanhol foi buscar à bancada após o término da partida.

Também em homenagem a toda esta situação, e ainda antes do início da partida, uma das bancadas parisienses ergueu um tifo com a representação de Xana a fincar uma hipotética bandeira com as cores do clube de Paris no centro de jogo, para simbolizar o que aconteceu em 2015, esperando que pudesse abrilhantar um pouco os corações dos intervenientes e trazer sorte à partida.

Não apenas Luis Enrique, mas também Rafael Pol, um dos seus adjuntos, perdeu um ente querido recentemente, a sua esposa, vítima de uma doença prolongada.

https://x.com/footballontnt/status/1928929831971893514

Passando para a análise do jogo em si, os onzes escolhidos foram exatamente o que se esperava, existindo apenas uma ínfima dúvida sobre se jogaria Doué ou Barcola no PSG.

Partida iniciada com bola para o PSG e, como sempre, bola “despejada” para fora, para perto da bandeirola de canto, para poder subir linhas e estar mais perto de recuperar a bola, já no último terço.

E foi muito esta a história do jogo, linhas altas, jogo em meio-campo ofensivo e uma pressão completamente abafadora e eficaz, propiciando diversas recuperações altas e finalizações.

A entrada foi bastante forte, com uma pressão alta e com toda a gente comprometida defensivamente, com Dembélé no comando, tendo sido o jogador com mais pressões em último terço, distância percorrida e sprints, inibindo até o Inter de praticar a sua imensa mobilidade na construção, que normalmente efetua, de diversos tipos, baixando os médios, subindo os centrais, por fora e por dentro, assimétrica e heterogeneamente.

A base da construção foi feita com três pontos-chave:

– Em esquema de 3+1 inegociável, com Nuno Mendes perto dos centrais e Vitinha como “6” único.

– Largura máxima, providenciada por Kvaratskhelia à esquerda, Hakimi e Doué variando à direita.

– Dembélé, mais uma vez em evidência, como regulador, podendo aparecer liberto em qualquer zona do ataque.

Champions League frame
Fonte: UEFA

A tendência foi que aparecesse mais no corredor central e na largura do corredor direito, para aproveitar todas as vulnerabilidades defensivas de Dimarco. Aí, Doué fez muitos contramovimentos sagazes para corredor central, como no lance do primeiro golo, onde tem, desde logo, uma receção orientada absolutamente diferenciadora, com Hakimi aproveitando para pisar zonas de finalização, tendo neste caso assumido o remate, mas também atraindo marcação e isolando Dembélé por fora.

Embora haja alguma rigidez em alguns posicionamentos, desde logo nos defesas centrais que ficam sempre fixos, há bastante fluidez e sinergias entre pares ou trios de jogadores, sobretudo nas ligações lateral-extremo e no trio de ataque.

O esquema-base, em jogos de grau de dificuldade elevada, como visto na primeira imagem, é ter Nuno Mendes no “ombro” esquerdo da primeira linha de construção. No entanto, caso Vitinha, o regulador da equipa, decida baixar para ser ele a pegar no jogo nesse local, Nuno Mendes avança, ou para a largura, ou para espaço interior (o mais comum), pisando no último terço com regularidade, dependendo do posicionamento de Kvaratskhelia, tendo que ter alguém a fazer o papel de “1” no 3+1. Normalmente, é João Neves ou Fabián Ruiz que baixa, nem que seja apenas para atrair, podendo ser até mesmo Hakimi a fazê-lo, esporadicamente, se a intenção for abrir espaço no corredor esquerdo do oponente.

Champions League frame
Fonte: UEFA

O posicionamento dos jogadores no campo obrigou os alas do Inter a ficarem fixamente baixos no terreno, criando assim indefinição nos médios entre guardar posição ou saltar nos centrais na primeira fase de construção e, por isso, as saídas parisienses foram quase sempre limpas, até pela não pressão dos avançados à primeira linha, pela inferioridade numérica setorial.

O facto do PSG não fixar ninguém inicialmente no espaço entre setor defensivo e médio do adversário também complicou e confundiu o adversário.

Raras são as vezes em que, no plano inicial, que não inclui um “9” mais puro como Gonçalo Ramos, vemos alguém a ser referência ofensiva por largos períodos de tempo. Ora Dembélé baixa bastante para receber e criar superioridade numérica no meio-campo adversário, normalmente construído a três elementos, como foi o caso neste jogo, ora a cair nos flancos, com maior tendência natural para o direito e a superioridade a ser criada pelo extremo do lado concordante, no caso, Doué.

Assim se justifica, com maior objetividade, as três intervenções em golo de Doué, o registo goleador de Hakimi e o mapa de calor de Dembélé, na figura abaixo.

Champions League tática
Fonte: SofaScore

Nem tudo, mas grande parte da quebra da temporada do Inter, mostrada e confirmada nesta final, justifica-se pelo desgaste físico. Estando em todas as frentes (Taça de Itália, Serie A e Champions League) até bem tarde, e tendo um plantel de idade avançada, cujo 11 inicial tem uma idade média elevadíssima, de 30,3 anos, face aos 24,8 do PSG, não se pode pedir frescura sempre. Ressentiu-se, foi em decréscimo e deixou de conseguir aplicar a estratégia na sua plenitude.

Sofreu imenso com o ritmo alto do PSG, com e sem a bola, e nunca conseguiu antecipar ou até mesmo, não antecipando, controlar, os movimentos de Dembélé, sendo, no papel, Acerbi o responsável pela marcação. Como já referido, Dembélé conseguiu danificar facilmente vários setores, desde logo o intermédio, mas sobretudo o flanco esquerdo, sobrecarregando e criando superioridade numérica face a Dimarco, que tem lacunas defensivas evidentes, acrescidas de uma condição física dúbia, após lesão, levando até a pensar se não teria sido melhor opção apostar em Carlos Augusto para a posição de ala esquerdo.

Os problemas não surgiram apenas sem a bola, mas também com ela, já que nem Çalhanoglu, nem Barella, conseguiram demonstrar as suas maiores valências, em nenhum dos terços do campo, tendo a equipa vivido de algumas arrancadas esporádicas de Bastoni com o esférico e, sobretudo, do jogo direto, principalmente de Sommer para Thuram, que foi, a meu ver, o melhor dos Nerazzurri, tendo conseguido, a espaços, dar alguma calma aos ataques, recebendo de costas para a baliza, à frente de Pacho, e procurando Dumfries, de uma maneira menos correta, através de bolas para o pé, ao invés de procurar espaço, onde o neerlandês é mais diferenciador.

Também, ao longo da partida, surgiram vários erros não forçados e comportamentos antinaturada equipa de Inzaghi, não conseguindo ter bola, explorar a profundidade ou ser eficaz na finalização, como, desde logo, fez na meia-final frente ao Barcelona.

O segundo golo dos parisienses surge da bravura inicial de Pacho, ganhando uma bola que parecia perdida, seguido de um contra-ataque vertiginoso e de alguma sorte à mistura, aquando da finalização.

As únicas oportunidades reais de perigo do Inter até surgiram através da bola parada, sobretudo através do jogo aéreo de Acerbi e de Thuram, tendo sido talvez o único dos cinco momentos do jogo onde os italianos se superiorizaram a franceses.

Pensando abstratamente, o 2-0 ao intervalo ainda dava esperanças à turma de Simone Inzaghi, que demorou menos de dez minutos a mexer na equipa, lançando Zalewski e Bisseck, subtraíndo Dimarco e Pavard, mas nem aí teve sorte. Bisseck lesionar-se-ia cerca de oito minutos depois, enquanto que Zalewski ainda tentou dois remates, sem grande perigo.

Curiosamente, num dos poucos lances em que Vitinha assumiu as rédeas em último terço, através de penetração e combinação, coexistiu com uma das poucas vezes em que Acerbi decidiu, talvez por frustração, acompanhar Dembélé até ao meio-campo. Na união destes factos, surgiu o 3-0, cerca de um minuto após Inzaghi ter voltado a mexer na equipa, lançando Carlos Augusto e Matteo Darmian, para os lugares de Bisseck e Mkhitaryan, colocando Zalewski como médio interior, com o objetivo de atacar mais. Se esperanças haviam, tinham acabado aqui.

Daí para a frente, o jogo foi de sentido único em trajetória vertical descendente para o Inter. Barcola entrou para o lugar de Doué com as pilhas todas carregadas para explorar os espaços, cada vez maiores, deixados pela defesa do Inter, mas com a pontaria desafinada, tendo tido várias oportunidades para deixar a sua marca na final. Pelo contrário, também numa noite desinspirada na finalização, Kvaratskhelia conseguiu fazer o seu à passagem do minuto 71, depois de uma série de tentativas, estabelecendo o 4-0.

Senny Mayulu, mais uma promessa a crescer no seio parisiense, entrou ao minuto 84 e, dois minutos depois, já estava também a marcar golo e a aumentar a amplitude do resultado para a meia dezena, tendo deixado a sua marca através de uma combinação curta com Barcola e de uma finalização cruzada de pé esquerdo.

Mais um apontamento interessante, que foi tendência no jogo, foi a procura, no lado esquerdo do campo, por remates ao poste mais próximo, talvez uma fraqueza denotada a Sommer através da equipa de análise no primeiro tempo. Eis, abaixo, um vídeo que comprova o antecedido.

É uma pena que toda esta jornada de Simone Inzaghi, recheada de unicidade, personalidade e sucesso, mesmo que sem uma vitrine recheada de troféus, termine assim, num jogo que em nada o representa e com uma transferência milionária para o Al-Hilal à vista. Pelo seu futebol, pela forma como conseguiu, ao longo de quatro temporadas, trazer o Inter de volta à ribalta, à luta por títulos, tendo marcado duas vezes presença na final da Champions League, mesmo sem um plantel recheado de estrelas, de investimento e com alguma falta de apoio, seja de Steven Zhang ou de Giuseppe Marotta fez valer a pena, e por isso, um obrigado.

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Rodrigo Silva
Rodrigo Silva
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