Roger Schmidt projeta o Benfica do futuro num regresso ao passado. Tem tudo para ser bem-sucedido se, nesta viagem, responder a três dúvidas que o presente apresenta e que estão longe de estar respondidas.
A pré-época das águias já definiu as bases dos próximos meses. O Benfica quer passar pouco tempo sem a bola, mas também não quer passar demasiado tempo com esta. As novas contratações (com exceção de Renato Sanches, chegado apenas nos últimos dias e fora desta equação) conseguiram impor-se e o plantel, sem estar fechado, tem a base definida. O onze titular também é, na sua maioria, fácil de adivinhar com duas ou três exceções… que definem muito do que será o Benfica de 2024/25.
Um raio-x à pré-época do Benfica traz algumas novidades nos vários setores do campo. Tomás Araújo tem sido aposta face à ausência de Nicolás Otamendi, já retornado depois da participação na Copa América nos Jogos Olímpicos. Jan-Niklas Beste também ganhou terreno no lado esquerdo da defesa. Leandro Barreiro juntou-se a Florentino Luís num meio-campo pensado a partir do momento da pressão. Fredrik Aursnes regressou ao trabalho especializado no lado esquerdo do ataque e libertou-se das amarras suíças que faziam do norueguês um canivete. Vangelis Pavlidis afirmou-se como referência, trazendo um quê do perfil de Gonçalo Ramos e conjugando, sem ser propriamente um especialista em nada, todas as dimensões que um avançado precisa de ter (golo, posicionamento na área, desmarcações de rutura, recursos em apoio e trabalho defensivo). Primeiros indícios positivos e que, ainda assim, podem de nada valer.
A maior dúvida do Benfica chama-se Ángel Di María. O extremo argentino ainda tem capacidade de fazer a diferença e de ser útil, mas o enquadramento do jogador no onze foi calcanhar de Aquiles das águias na última época. Individualmente não há dúvidas de que Fideo é um dos melhores em Portugal, mesmo aos 36 anos. Coletivamente, o argentino está longe de ser o que o Benfica – e Roger Schmidt – precisa. Com bola, o argentino é encarado pelo técnico das águias como a principal solução para os problemas criativos do Benfica. Quando a equipa não consegue criar, rezar por um cruzamento bem medido, por um passe capaz de abrir defesas ou por um remate com selo de golo do argentino é solução. Sem bola Ángel Di María é, naturalmente pela fase da carreira e pelos atributos no momento ofensivo, menos um jogador. Não tem problema de forma isolada, mas para haver menos um jogador a condicionar, é preciso compensar de alguma forma. Na época passada, esteve longe de acontecer (até porque Di María não era o único com este privilégio) e o Benfica sofreu.
Os quase 4000 minutos em campo pelo Benfica em 2023/24 são sintoma da ausência de gestão que fez da última temporada a mais minutada de toda a carreira de Ángel Di María. O extremo argentino jogou quase sempre e quase sempre que jogou fê-lo por 90 minutos. Tantos minutos e o esforço financeiro para manter o argentino por mais uma temporada tornam praticamente inviável pensar que Ángel Di María passará de protagonista a coadjuvante. A solução estará no seu enquadramento e a resposta só poderá ser dada por Roger Schmidt. Muito do que será a eficácia do modelo de jogo passará pela forma como o técnico tornará Ángel Di María numa valência e não numa limitação.
A segunda dúvida do Benfica joga-se no meio-campo. Leandro Barreiro e Florentino Luís são jogadores semelhantes, como admitiu Roger Schmidt, e o Benfica precisa da complementaridade que só Enzo Fernández foi capaz de oferecer a 100%. Os dois médios têm capacidade para encher o meio-campo e recuperar metros (embora o desenho da pressão ainda não seja perfeito e deixem espaço nas costas), mas falta criatividade ao meio-campo. Em Portugal, serão muito poucos os jogos em que bastará defender bem para vencer. E o Benfica tem demonstrado limitações quando é obrigado a construir e a criar o espaço para jogar.
A presença de nomes como Tomás Araújo ou Gianluca Prestianni pode retirar um pouco de peso à dupla do meio-campo, mas será utópico acreditar que sem um médio com maior capacidade associativa e combinativa (que também não é Renato Sanches), o Benfica terá capacidade para dominar jogos. Orkun Kokçu pode ser uma das soluções, mas se for somente um número 10 (obrigado a jogar de costas e sem liberdade para recuar no terreno e ver o jogo de frente), deixará de ser um criador para ser somente um definidor.
A terceira dúvida também é argentina e também venceu a Copa América, lado a lado com Ángel Di María. Nicolás Otamendi não deverá ser opção nos primeiros jogos – a isso a responsabilidade de um treinador obriga – e tem a quinta época na Luz como a mais incerta no percurso de regresso a Portugal. Desde o início da carreira que a agressividade e impetuosidade de Nicolás Otamendi são marca registada, mas foram sempre compensadas pela capacidade física que permitia, mesmo à queima, reagir a tempo de evitar danos maiores. Com 36 anos em cima das pernas e três dias de férias após 69 jogos (contando Benfica, Argentina e Jogos Olímpicos 2024), a gestão do central tem de ser pensada por Roger Schmidt que, cedendo espaço ao mérito, tem alternativas.
Pela pré-temporada em crescendo e pelos atributos na construção (que permitiriam camuflar as limitações de um meio-campo sem essa capacidade), Tomás Araújo é o nome mais óbvio para assumir a titularidade e aproveitar a titularidade. Já tem experiência ao lado de António Silva e podem ser o rosto de uma linha defensiva que ainda tem Morato (pé esquerdo) como opção. Os Jogos Olímpicos podem (ou não) ter sido um pretexto para preparar o fim de ciclo de Nicolás Otamendi, já necessário face ao rendimento.
Roger Schmidt quer voltar a fazer do Benfica um presságio de futebol. O técnico está mais fragilizado que nunca e as primeiras semanas serão decisivas para adiar ao máximo a contestação que, ao primeiro desaire, se vai fazer notar. Antes de definir objetivos, Roger Schmidt terá de recuperar os adeptos, tarefa ainda mais complicada que colocar o Benfica na rota do sucesso. Porque não basta amar futebol. É preciso saber qual o futebol que se quer amar.