O dia em que a águia queimou a besta negra no forno de Charlotte | Benfica 1-0 Bayern Munique

Afinal, talvez fosse mesmo essa a receita para o Benfica. Assar o borrego. Esturricar a besta negra à temperatura escaldante da Carolina do Norte. Em vez de hesitações, em vez do receio que tantas vezes paralisou o Benfica perante o colosso bávaro, Bruno Lage ordenou audácia. E o forno respondeu-lhe.

Trinta e seis graus a meio da tarde em Charlotte, relva a brilhar sob o aço do sol, e um estádio inteiro a ferver, como se os deuses quisessem assistir à queda do império alemão. Pela primeira vez em catorze jogos, o Benfica venceu o Bayern. E fê-lo com um golo madrugador e uma muralha ucraniana, vestida de vermelho (ou, neste caso, de amarelo), chamada Trubin.

Não foi só uma vitória. Foi uma libertação. Depois de três empates e dez derrotas – seis delas sofrendo quatro ou mais golos – o Benfica quebrou a maldição. 1-0. Um resultado que vale o primeiro lugar do Grupo C do Mundial de Clubes, atirando os bávaros para o segundo posto.

Deste modo, mais do que números ou classificações, foi uma espécie de catarse emocional para os lisboetas. Uma vitória que resgata autoestima, que reanima o projeto Bruno Lage, tantas vezes abanado desde a perda do campeonato até ao desaire no Jamor, passando pelos jogos intermitentes frente ao Boca Juniors ou pelo rumoroso caso Kokçu.

O treinador falara, na véspera, da intenção de colocar “os baixinhos” em campo. E assim foi. Num onze absolutamente inédito, surgiram de início Barreiro, Prestianni e Renato Sanches, enquanto Schjelderup e Di María alinharam juntos pela primeira vez desde janeiro. E cedo se percebeu que havia ali uma ideia. Uma centelha. Aos nove minutos, Di María rematou rasteiro para grande defesa de Neuer. Mas foi apenas o aperitivo.

Quatro minutos depois, um movimento coreografado deixou o Bayern exposto: recuperação a meio-campo, Renato a abrir para Di María, o argentino a progredir e a soltar para Aursnes, que junto à linha de fundo serviu Schjelderup no coração da área. O norueguês rematou com serenidade e a bola entrou como que cortando a secura do calor. Estava feito o 1-0.

Bruno Lage celebrou como quem leva horas numa repartição pública e finalmente ouve o seu número chamado: um misto de alívio, reivindicação e cansaço. O gesto dizia tudo. Não era só um golo. Era um murro na história, um grito guardado durante anos. O Bayern parecia ainda a aquecer, com um onze repleto de segundas linhas, e o Benfica sabia disso. Não era tempo para contemplações. Era tempo de rematar o cozinhado.

O calor era um personagem à parte. Os 73 778 lugares do Bank of America Stadium, muitos sem qualquer sombra, pareciam caldeirões em ebulição. A pausa para hidratação, a meio do primeiro tempo, mais parecia um socorro de emergência do que um momento técnico. As câmaras focavam rostos suados, ofegantes, olhos semicerrados. Prestianni até teve de sair momentaneamente, vencido pelo calor. Trubin, por seu lado, parecia de pedra. Imperturbável.

Até ao intervalo, o Bayern ameaçou timidamente. Gnabry ultrapassou Aursnes e serviu Sané, que rematou por cima. Depois, Müller teve nos pés a hipótese de empatar, mas faltou-lhe o engenho. Era um Bayern amorfo, previsível, incapaz de criar desequilíbrios frente à organização tática das águias. António Silva e Otamendi formavam uma parede, Renato distribuía com lucidez, Barreiro limpava espaços e Di María, mesmo algo preso, ainda encantava com a bola nos pés. Ao intervalo, a vantagem do Benfica era não só justa, como, se calhar, insuficiente face ao que se vira em campo.

Vincent Kompany percebeu-o bem. Ao intervalo, lançou Kimmich, Olise e Kane – três espadas guardadas no banco. E o jogo praticamente virou. Em cinco minutos, os alemães criaram mais do que em toda a primeira parte. Sané apareceu isolado, mas Trubin, com um voo felino, negou-lhe o empate. Müller também tentou, mas encontrou o mesmo destino: o muro ucraniano. Kimmich ainda marcou de fora da área, mas o lance foi anulado por fora de jogo posicional de Kane. Tudo tremia, mas tudo se mantinha.

Bruno Lage respondeu com Kokçu e Akturkoglu. O segundo entrou com garra, protagonizando uma das melhores ocasiões do segundo tempo com um remate forte que obrigou Neuer a defesa apertada. Mas o jogo já estava partido, o ritmo desenfreado, os espaços abriam-se em ambas as áreas e só os guarda-redes pareciam manter-se lúcidos. A cada minuto que passava, o calor acumulava-se nas pernas e nos pensamentos dos jogadores, e o Benfica começava a defender mais com o coração do que com o plano.

E foi nesse coração que Trubin se tornou herói. Pavlovic, em zona frontal, rematou para defesa monumental do ucraniano. Sané, mais uma vez isolado, voltou a falhar – ou melhor, voltou a ser parado. Desta vez com a manga da camisola de Trubin, como se cada centímetro do seu corpo estivesse preparado para proteger aquele resultado. Lage, vendo o cerco apertar, lançou Bajrami e reforçou a linha defensiva com três centrais. António Silva, imperioso, liderava a linha com autoridade de veterano. Mais de uma dezena de alívios, de cortes com selo de liderança.

O relógio avançava, as bancadas ferviam, o Bayern desesperava. Com Musiala de fora por lesão, restava a Kompany assistir ao colapso da sua equipa frente a um Benfica muito mais concentrado e comprometido. As boas notícias que vinham do outro jogo do grupo – com o Boca a vencer por margem mínima e, posteriormente, a sofrer o empate – significavam que bastava o empate. Mas este Benfica não quis esperar pelos outros. Quis resolver por si.

E fê-lo. Sem brilhantismo na segunda parte, mas com garra, com suor, com dentes cerrados. Os últimos minutos foram um sufoco. Olise tentava arrancar faltas, Kimmich distribuía com elegância, Kane procurava espaços. Mas não havia buracos no tecido encarnado. E, quando havia, Trubin costurava-os com defesas milagrosas.

O apito final soou como libertação. O Benfica não só se apurava para os oitavos de final do Mundial de Clubes, como o fazia no primeiro lugar do grupo. E, mais importante do que isso, vencera o Bayern pela primeira vez. Um feito histórico. Uma marca emocional. Uma afirmação.

A equipa de Bruno Lage enfrentará agora o segundo classificado do Grupo D, que será o Chelsea ou o Espérance Tunis, dependendo do resultado do jogo entre os dois emblemas daqui a umas horas. Já o Bayern, relegado para o segundo posto, terá de medir forças com o Flamengo.

Mas esta noite, em Charlotte, não há contas nem cenários que superem o que se passou em campo. O Benfica venceu o Bayern. Venceu o calor. Venceu os fantasmas. Venceu-se a si próprio. E fá-lo com um golo norueguês, uma exibição defensiva solidária e um guarda-redes em estado de graça. No forno da Carolina do Norte, a águia não se queimou. Mas, isso, sim, cozinhou a sua redenção.

Raul Saraiva
Raul Saraiva
O Raúl tem 19 anos e está a tirar a Licenciatura em Ciências da Comunicação. Pretende seguir Jornalismo, de preferência desportivo. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser melhor.

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