Consta que Fernando Pessoa não estaria a competir na terceira semana do Tour de France 2025 quando escreveu o icónico poema “O que há em mim é sobretudo cansaço”. Mas, se alguém nos dissesse o contrário, era fácil deixar-nos cair no engodo. Na última semana do Tour, a fadiga tomou conta do pelotão e foi bem visível no que se passou na estrada.
Tadej Pogacar confirmou a sua quarta vitória à Geral na mais importante prova do calendário, mas também ele demonstrou estar a precisar de descanso. E, no final de contas, foram as fugas que se aproveitaram disso para dominar a fase final da corrida e matar um pouco da fome de vitórias a que tinham estado condenadas.
Foi, por isso, uma semana de Ciclismo agradável de se assistir, mas inconsequente. Nem três etapas de montanha fizeram grande mossa e veja-se bem o exemplo da Geral: dos dez primeiros à entrada desta semana só um de lá saiu e foi porque uma queda o obrigou a desistir.
Defesa da honra francesa num Tour um bocadinho globalizado
Duas das narrativas que ganhavam algum fulgor à entrada desta última semana eram a falta de vitórias de etapa dos francesas e dos não-europeus.
Os homens da casa andavam a arrasto de Kevin Vauquelin que, numa demonstração de durabilidade que poucos adivinhariam à partida, se aguentou entre os melhores da Geral. Mas, era preciso mais. E lá se arranjou. No Mont Ventoux, Valentin Paret-Peintre foi o melhor dos escapados e conquistou a única etapa francesa desta edição. Já Jordan Jegat aproveitou a desistência de Carlos Rodriguez e uma fuga ao penúltimo dia para se juntar à elite do Ciclismo mundial e finalizar num surpreendente décimo lugar.
E, do outro lado do mundo, lá se mostrou que continua saudável o desporto para lá do velho continente com o contingente australiano a assegurar duas vitórias. Primeiro, Ben O’Connor voltou a mostrar-se especialista das escapadas de montanha para triunfar confortavelmente na segunda das três chegadas em alto da semana. Depois, o sprinter Kaden Groves fez-se classicómano e, numa acidentada etapa 20, atacou no momento certo para vencer com um solo e completar a trilogia de etapas nas grandes (ele que já contava com duas no Giro e sete na Vuelta).
Pogacar chega, mas não sobra
Tadej Pogacar não cedeu a nenhum momento e nem perante o assédio da Visma – Lease a Bike se deixou fraquejar. Contudo, as forças já não eram as mesmas e também não foi capaz de despachar a concorrência – leia-se Jonas Vingegaard – para trás com a autoridade de outros dias.
Ora, se para a Geral, isso mais que bastou face à vantagem que já trazia, para conseguir somar mais umas etapas ao palmarés já não foi suficiente. Na última incursão à montanha, a vontade de ganhar estava lá e para isso mesmo trabalhou a sua equipa o dia todo, mas chegada a hora de assumir o camisola amarela a perseguição, faltaram as pernas e um ataque que a início parecia inofensivo por Thymen Arensman foi, à justa, o suficiente para o ciclista da INEOS dobrar a contagem pessoal na prova.
Já na chegada a Paris, este ano retirada aos sprinters, que viram o tradicional circuito plano ser revolucionado pela inclusão de uma curta, mas explosiva, subida em Montmartre, voltou o esloveno a estar na disputa. Certamente, ninguém o poderá censurar, vencer de amarelo em Paris seria um momento icónico que marcaria esta era da modalidade. Infelizmente para o líder, voltou a acusar as três semanas de alto nível e, pela primeira vez nesta temporada, foi descarregado. O autor do feito foi Wout van Aert, que à última da hora lá salvou este Tou e somou a sua décima etapa na prova francesa.
A discreta regularidade de Milan
Jonathan Milan completou a sua terceira Grande Volta e, pela terceira vez, foi ao podium final vestir a camisola dos pontos. Depois de conquistar por duas vezes a ciclamino do Giro d’Italia, a estreia no Tour colocou-o de verde.
O líder da Lidl-Trek não foi o melhor sprinter da prova – esse foi Tim Merlier, que das duas vezes que foi a um sprint, de lá saiu vencedor -, mas conquistou duas etapas e voltou a demonstrar a regularidade que o caracteriza, estando sempre preparado quer para os finais de etapa quer para os pontos intermédios e só assim conseguiu evitar que Tadej Pogacar lhe roubasse este prémio. De facto, o pelotão parece ter entendido a importância deste ato de resistência, porque se viu na última semana alguma deferência para com Milan, particularmente com os seus rivais a garantirem que não passavam à sua frente nos sprints a meio da etapa, dando-lhe a melhor chance possível de bater o esloveno.
Com Pogacar a vestir de amarelo e de branco às bolinhas vermelhas, a ida de Jonathan Milan ao podium final foi bem agradável à vista, já cansada de tanto ver o nome incontornável do Tour. Por lá também esteve, vestido de branco, Florian Lipowitz. O alemão enfrentou e derrotou Oscar Onley numa luta interessante pela Juventude e pelo lugar mais baixo do podium da Geral, deixando ambos água na boca para confrontos futuros.