O problema silencioso do futebol português

Todos os anos discutem-se os problemas do futebol português. Muitos têm a sua opinião, mas é comum ouvirmos que os grandes problemas são a falta de competitividade, a qualidade do futebol praticado, as decisões da liga, as decisões das direções dos clubes, as arbitragens, entre muitos outros. Todos estes são reais e difíceis de se resolverem, mas na minha opinião há ainda um grande problema, que merece ser mais discutido e que todos nós podemos ajudar a resolver. Esse problema é a péssima ligação adepto-clube que temos em Portugal, em particular, nos clubes de média e pequena dimensão.

Na época passada houve uma média de 65% de ocupação de estádio em Portugal, ou seja, em média, cada jogo tive apenas pouco mais de dois terços da lotação do estádio ocupada. Este número muito se deve aos cinco maiores clubes portugueses (Benfica, Porto, Sporting, Braga e Vitória) que tiveram na maioria dos seus jogos uma lotação superior aos tais 65%. Os restantes clubes têm muitíssima dificuldade em encher os estádios. Por exemplo, esta época, se retirarmos os estádios dos cinco clubes acima mencionados, temos uma média de cerca de 3800 espectadores por estádio, um valor muito pequeno para clubes de uma primeira divisão, principalmente quando comparado com as outras ligas do top 7 da UEFA.

Santa Clara Adeptos bebidas
Fonte: Rafael Canejo/Bola na Rede

O exemplo mais claro disto é o Santa Clara. O clube dos Açores, que tem um estádio que dá para 12000 espectadores, já teve três jogos em casa e soma no conjunto dos jogos 3633 adeptos nas bancadas. Ou seja, o total de espectadores em três jogos não enche nem um terço do estádio.

O caso do Santa Clara é ainda mais “preocupante” visto que o clube é o único da região na primeira liga, o que deveria significar um apoio mais forte dos locais.

Mas a grande questão é essa mesma, porque é que isto acontece? Porque é que só cinco clubes em Portugal tem uma massa associativa significante? Existem vários culpados, por isso mais vale ir um a um.

O primeiro grande culpado são os media, que fingem que só existem três clubes em Portugal, ignorando os restantes 15. Se 90% do tempo de ecrã vai para 20% dos clubes, então como é que é possível os restantes 80% conseguirem um espaço mediático e chegar ao seu público? Vamos imaginar que um pai, adepto do Tondela (apenas um exemplo), quer mostrar ao seu filho coisas sobre o seu clube, numa tentativa de o tornar num adepto. Ele liga a TV e estão a dar programas desportivos em quase todos os canais, mas estão todos a falar ou da viagem do Mourinho de Cascais ao Seixal, ou do St. Juste não ter bilhete para o camarote ou do Anselmi ter falado da chegada do Mourinho ao Benfica. E assim se passam três horas em Portugal a falar de “futebol”.

Adeptos do Sporting
Fonte: Edmilson Monteiro/Bola na Rede

Ora este tipo de cobertura, ou melhor, falta de cobertura dos clubes que não os três grandes não beneficiam em nada o futebol. Desconecta os adeptos dos seus clubes, afastando-os, tornando quase impossível um adepto saber alguma coisa sobre a instituição que apoia. Se estes programas passassem a falar mais de futebol e de outros clubes acredito que o primeiro passo seria dado para o fim deste desequilíbrio ridículo de adeptos e sócios em Portugal.

Mas podem me dizer, “hoje em dia já há redes sociais, os adeptos podem usar esse meio”, e concordo a 100%, mas é precisamente aí que mora o segundo problema. Os clubes portugueses não sabem fazer esta aproximação entre o clube e o adepto. As redes sociais são uma forma excelente e gratuita de fazer os adeptos e sócios sentirem-se perto dos jogadores, treinadores etc.

Não falo apenas de fazer publicações e ter uma estética bonita, isso grande parte dos clubes têm. Falo sim de fazer mais coisas do que simplesmente publicar fotos e imagens dos jogos e dos seus resultados. Falta dinâmica, informação, os bastidores, algo que torne os clubes diferenciados, que aproxime a população da terra ao clube que a representa. Um belo exemplo disto é o Paços de Ferreira. Quem é que não se lembra da forma inovadora como anunciam calendário para a época desportiva? Ao tornar o clube mais acessível os potenciais adeptos vão se querer envolver mais na vida do clube.

Por falar em acessível, o terceiro problema chega. O futebol português é cada vez menos acessível para a pessoa comum. As horas dos jogos são cada vez mais absurdas, com partidas a começarem às 20h30 entre clubes que são de pontas opostas do mapa de Portugal. Os preços dos bilhetes cada vez mais caros e mensalidades de assinatura de canais desportivos a disparar todos os anos. A liga tem de se mexer, mudar isto. Colocar jogos a horas decentes, obrigar os clubes a praticar valores na bilheteira que refletem a capacidade económica do português comum.

Bispo Adeptos Benfica
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Agora podem me perguntar, mas qual é mesmo o impacto deste problema dos adeptos no futebol? Bem existe impacto financeiro e desportivo. Se menos pessoas seguem o clube, menos pessoas gastam dinheiro no clube, logo menos dinheiro entra, o que resulta numa diminuição da capacidade financeira do clube seja para contratações, infraestruturas ou outras questões. Isto acaba por diminuir a força do clube em Portugal, diminuindo também as receitas de patrocinadores e de direitos televisivos. Imaginem um mundo onde todos os clubes conseguiam ter sempre o estádio cheio. Onde quando o Benfica, Sporting e Porto fossem jogar fora, jogassem de facto fora e não numa versão mais pequena dos seus estádios com os seus adeptos em larga maioria. Seria bom de se ver.

E este último ponto serve de perfeita ponte para falar do impacto desportivo que este problema oferece aos clubes. Imaginem o ambiente diferente que seria se, por exemplo, o FC Porto quando fosse jogar fora, encontra-se um ambiente “hostil” onde a equipa da casa tinha de facto a vantagem de jogar em casa. Os clubes mais “pequenos” teriam certamente outra pujança quando defrontassem um grande.  Para não falar de jogos entre estes clubes, seriam jogos com ruído, com atmosfera que ajudava a qualidade do espetáculo entre as quatro linhas. Seria certamente melhor do que o silêncio que é ouvido na maioria dos jogos.

Acredito que seguindo estes passos acima descritos por mim, podemos, com tempo, melhorar o futebol. Mas o trabalho também passa por nós, os comuns adeptos. Temos de uma vez por todas perceber que podemos e devemos ter um papel mais ativo nos clubes, mostrar que queremos mais do que temos agora, olhar mais para os clubes da nossa terra e perceber a importância que eles têm.

Espero que isto mude, ou então vamos mesmo para um mau caminho.

Miguel Rodrigues
Miguel Rodrigues
Miguel Rodrigues é licenciado em Comunicação e Jornalismo. Gosta de todos os desportos, mas é no futebol onde se sente em casa.

Subscreve!

Artigos Populares

José Mourinho regressa à Luz: quanto ficou o seu primeiro jogo pelo Benfica em casa em 2000?

José Mourinho vai realizar a sua segunda partida desde que regressou ao Benfica. O clube vai enfrentar o Rio Ave.

André Villas-Boas não perdoa adiamento do Arouca x FC Porto e ataca a Liga Portugal: «O que aconteceu é uma ilegalidade e uma diferente...

André Villas-Boas está muito insatisfeito com o adiamento da partida entre o Arouca e o FC Porto, que se realiza no dia 29 de setembro.

André Villas-Boas esclarece contacto de José Mourinho e admite: «Nunca foi uma hipótese para o FC Porto»

André Villas-Boas confirmou que José Mourinho lhe enviou uma mensagem a referir que ia assinar pelo Benfica para suceder a Bruno Lage.

Chelsea acompanha situação do jogador do Manchester City e pode avançar com oferta

O Chelsea está de olho em Nico O'Reilly, jogador que é considerado uma jovem promessa e que atua no Manchester City.

PUB

Mais Artigos Populares

A importância da variabilidade | Sporting

Se Viktor Gyokeres foi a figura central da reta final da temporada do Sporting, pela sua predominância na construção de um modelo de jogo que dependeria sempre do que o sueco fosse ou não fosse capaz de fazer, é o coletivo quem brilha no arranque da temporada.

Já é conhecido o árbitro do Salzburgo x FC Porto para a Europa League

O FC Porto vai enfrentar esta quinta-feira o Salzburgo na primeira jornada da fase de liga da Europa League. Vassilis Fotias é o árbitro.

Pedro Russiano está de saída do Penafiel após reunião esta terça-feira

Pedro Russiano está de saída do Penafiel. Rescisão de contrato deverá ser oficializada ainda esta terça-feira.