Tribuna VIP: 18 equipas, muitas lutas distintas: Vem aí a I Liga 2023/24

    O campeonato inicia-se esta sexta-feira com um dérbi entre SC Braga e Famalicão e promete emoção até a um final escaldante

    Menos de dois meses depois da emocionante disputa por penáltis no Estádio dos Barreiros, que confirmou o CF Estrela da Amadora como 18ª equipa da I Liga, vai-se iniciar mais uma edição do principal campeonato de futebol em Portugal. Serão 306 jogos (fase regular), com a expectativa inicial a diferenciar-se da ansiedade e sofrimento das jornadas finais (com muitos jogos grandes), em que boa parte das equipas jogarão de faca nos dentes para atingir (ou superar) os objetivos definidos ainda em Agosto.

    Este vai ser certamente um campeonato feito de muitas lutas diferentes. À cabeça, teremos a batalha pelo título, com quatro equipas a afigurarem-se como as mais fortes (Benfica, FC Porto, SC Braga e Sporting, seguindo a ordem classificativa da última temporada). No presente ano, apenas os dois primeiros seguirão para a Liga dos Campeões (e só o campeão de forma direta). Depois, virá a contenda pelos lugares europeus, habitualmente mais diversificada nos candidatos e nomes presentes, mas que deve ter como de costume o Vitória SC à cabeça. Como a luta pelo meio da tabela equivale ao andar por terras de ninguém, restam as aventuras da fuga à manutenção, num campeonato em que algumas equipas podem acusar a dificuldade do salto competitivo e outras podem ficar a lamentar a falta de reforços de luxo, pelas mais diferentes justificações.

    Os quatro mosqueteiros da frente

    Há quem diga que o campeão parte sempre como favorito para uma nova época. Deixando de lado as crenças populares, a verdade é que o Benfica apostou fortemente no mercado para renovar o título ganho em 2022/23, ainda que tenha ficado a perder dois dos alicerces da conquista de maio passado – Grimaldo e Gonçalo Ramos. Ángel Di María é razão suficiente para olharmos com admiração para o recrutamento encarnado, mas ao campeão do mundo argentino juntam-se nomes como Orkun Kökçü (médio turco que chega para acrescentar critério no passe, a queimar linhas e a orientar as saídas da equipa, além de chegada à segunda linha), Anatoliy Trubin (um dos guarda-redes mais promissores do futebol europeu e uma garantia de futuro e evolução face ao irregular Odysseas Vlachodimos) e Arthur Cabral (atacante distinto de Gonçalo Ramos, mas com características interessantes para segurar a bola, potência e espontaneidade no remate).

    Chegou também um substituto para Grimaldo, David Jurásek, que não tendo as características do antecessor (nem a qualidade para assumir um papel preponderante a construir com bola como o que o espanhol tinha), pode ser potenciado para fazer a diferença no ataque ao espaço e na aposta no cruzamento para a área.

    A pré-temporada deixou alguns sinais interessantes nos primeiros testes, em momentos específicos de pressão alta e no desenvolvimento de ataques enérgicos (arrancadas de Neres, ligação Di María-Rafa, com o argentino a acrescentar muito no último passe e até finalização e criação fácil de ocasiões de perigo). Os últimos encontros preparatórios mostraram um Benfica mais fragilizado ante adversários com mais argumentos na pressão no meio-campo contrário e através de um jogo mais elaborado com bola, numa dificuldade que o conjunto de Roger Schmidt já havia exibido no momento mais tremido da temporada transata. Burnley e Feyenoord conseguiram encontrar brechas dentro do bloco encarnado, nas costas dos médios e à entrada da área.

    A Supertaça veio reforçar a ideia de que os encarnados podem ter problemas quando devidamente pressionados no setor mais recuado e que sem a criatividade de Kökçü a orientar o jogo a partir do setor intermediário, o nível da construção baixa de forma significativa. Porém, o crescimento do turco junto a João Neves (autor de uma exibição brutal, a pressionar sem bola e a dar sentido aos momentos de organização ofensiva da equipa) fez o conjunto da Luz crescer na 2ª parte. Ajudou igualmente a presença de uma referência ofensiva como Musa, que além do mais soube desgastar e tirar da zona de conforto os centrais rivais. Com isso, também Rafa se soltou mais por fora (lance do 2-0). Di María foi o melhor a par de João Neves, num regresso à competição oficial em Portugal que comprovou que o argentino tem tudo para ser o melhor jogador da I Liga na presente temporada.

    A partida de Aveiro pode ter tido um efeito distinto, nada terapêutico, para o FC Porto. Os dragões até competiram a um bom nível nos 25 minutos iniciais, conseguindo intimidar o Benfica com uma pressão bem urdida a espaços no meio-campo rival, demonstrando capacidade para sair a partir de trás e encontrando margem para explorar o setor direito das águias, em que Bah estava pouco apoiado e Zaidu/Galeno só não fizeram mais estragos por vários equívocos na tomada de decisão.

    Tal como noutros jogos, nomeadamente no período preparatório da nova época, os erros do FC Porto sob pressão também surgiram e houve menor capacidade de ligar jogo por dentro (algo que irá certamente melhorar com Nico González e com o mais do que provável reforço Alan Varela). Otávio perdeu protagonismo, Pepê ficou amarrado à lateral-direita e ainda perdeu a bola que originou o 1-0 e Taremi não providenciou os habituais apoios em recuo. Os centrais também ficaram mais expostos ante as investidas adversárias e a presença de um ponta-de-lança do lado oposto.

    Até ao fecho do mercado, mantém-se a incógnita quanto à possível venda de alguns jogadores dos dragões, o que também pode afetar diretamente eventuais contratações. Taremi tem sido apontado com insistência ao Tottenham, Diogo Costa é sempre um nome apelativo entre os jovens guarda-redes da elite europeia e há posições que poderiam ser prioritárias quanto a reforços (lateral-esquerda, desde logo). Taticamente, Sérgio Conceição não irá alterar o registo e o 4-4-2 continuará a ser o sistema privilegiado. E se o elemento de ligação ofensiva Mehdi Taremi ainda pode arrancar do Dragão, a permanência de Otávio supôs uma notícia aprazível para o técnico portista. Para o ataque, chegou Fran Navarro, mas o espanhol tem características distintas do iraniano (é mais um avançado de rutura) e como tal não poderia ser visto como um substituto direto do atual número 9.

    Antes do primeiro jogo, na próxima segunda-feira frente ao Moreirense, Conceição pode começar igualmente a equacionar a integração de outro dos reforços para a nova época. Nico González chegou aos azuis e brancos para trazer qualidade na construção, capacidade de condução e aproximação à segunda linha. A circulação de bola pode ver-se igualmente beneficiada por Alan Varela, ainda não oficializado, mas que em caso de chegada ao FC Porto tem tudo para se impor rapidamente como o sucessor de Uribe (e com mais argumentos do que o colombiano, nomeadamente no passe longo). Tirando as mudanças a meio-campo, não se esperam alterações consideráveis numa equipa que mantém de forma substancial a base da passada temporada, mas que ainda pode ver o mercado agitar o barco nas próximas três semanas.

    Já a equipa que fechou o pódio da temporada passada começa o campeonato a meio da pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Depois do triunfo retumbante na 1ª mão face ao TSC Bačka Topola, o SC Braga procura iniciar em grande a participação numa prova para a qual Artur Jorge assumiu publicamente uma ambição distinta doutras épocas: a luta pelo primeiro título de campeão nacional da história do emblema da cidade dos Arcebispos. O reforço do plantel foi feito de forma cirúrgica: o centro da defesa carecia de experiência e entrou José Fonte. Sequeira saiu na lateral-esquerda e nesse lugar entrou Adrián Martín, um dos jogadores mais sólidos da classe média da I Liga naquela função em 2022/23.

    De Barcelos, chegou também um médio com critério no passe e sentido posicional (Vítor Carvalho), numa linha intermediária que se viu reforçada com Rodrigo Zalazar, uruguaio que militava no Schalke 04 e que chega para acrescentar qualidade no passe, remate, visão de jogo e qualidade nas movimentações na segunda linha. Os 5 milhões de euros gastos neste jogador significaram um investimento considerável, mas ainda abaixo dos 6,5 milhões pagos para garantir a continuidade de Bruma – absolutamente justificada, na sequência de uma segunda volta de alto nível. Niakaté e Victor Gómez também foram garantidos em definitivo (operações de baixo custo, para rentabilizar no futuro) e Rony Lopes chegou a Braga para substituir Iuri Medeiros e encontrar um espaço de afirmação num patamar mais elevado – depois da boa temporada no despromovido Troyes na Ligue 1.

    Taticamente, Artur Jorge pode alternar entre o 4-3-3/4-2-3-1 (que parece ter vindo para ficar) e o 4-4-2. O SC Braga irá manter certamente o traço identitário de equipa dominadora, capaz de ligar o jogo a partir do setor defensivo (recorrendo várias vezes a uma saída a 3, com um lateral mais por dentro e outro projetado), com Al Musrati a assumir o papel cerebral e efetivo nos primeiros passes e muita rotação entre os jogadores do espaço ofensivo.

    Abel Ruiz é uma referência interessante em apoio, tem técnica para criar e, mesmo sem o instinto goleador doutros atacantes, é fundamental para as dinâmicas coletivas pretendidas pelo treinador bracarense. Importante ajustar posicionamentos e controlar o espaço nas costas da linha defensiva em situações em que o adversário avança com superioridade ou com mais espaços. Em 2022/23, os Guerreiros mostraram fragilidades defensivas em determinados contextos competitivos – jogos em Alvalade, Dragão ou receção à Fiorentina – que surgiram também a espaços na pré-época. Uma pressão mais eficaz à saída de bola rival torna este SC Braga numa equipa ainda mais perigosa.

    Em Alvalade, mora outro dos candidatos ao título, tentado a esquecer uma época em que o objetivo maior (luta pelo primeiro lugar e acesso direto à Liga dos Campeões) ficou gorado mais cedo do que o esperado. Rúben Amorim ia insistindo nos últimos meses na necessidade de ter um novo avançado e a prioridade acabou por ser essa no ataque ao mercado. A novela Gyökeres prolongou-se por uns tempos, mas o sueco acabou mesmo por assinar pelo Sporting, em mais um prémio à persistência negocial dos responsáveis leoninos, desejosos de oferecer a Amorim exatamente o jogador do perfil pretendido. E, pela amostra da pré-temporada, parece complicado projetar esta equipa sem o antigo atacante do Coventry City.

    Gyökeres vem dar coisas diferentes do que outros avançados ofereciam, configurando até novas variantes na forma de jogar dos leões. Com o nórdico em campo, o Sporting ganha argumentos para buscar um jogo mais direto na frente, dado que Gyökeres oferece valências a segurar a bola de costas, tem um bom primeiro toque para ganhar ao marcador contrário e sabe empurrar a linha defensiva adversária para trás. Também cria impacto em campo aberto, o que lhe permite jogar num mecanismo mais tradicional de Amorim, em 3-4-2-1 ou num duo atacante. Não é um prodígio técnico, mas também se envolve no passe e tem perspicácia a atacar zonas de finalização, ligando bem com jogadores de perfil mais criativo.

    Ainda assim, fica a ideia de que o clube verde e branco continua a necessitar de colmatar duas perdas consideráveis. Pedro Porro saiu no mercado de Inverno e não foi devidamente substituído (Bellerín nunca encontrou espaço de afirmação e Esgaio até aproveitou para agarrar o lugar) e entretanto Manu Ugarte saiu para o PSG, deixando uma vaga de perfil próximo para ser compensada. Morten Hjulmand será um substituto de bom nível para o uruguaio, com rigor nas ações defensivas, capacidade de desarme e critério no passe longo. Para a direita, Zanoli parece ser neste momento o homem na «pole position», depois do fracasso dos avanços por José Ángel Carmona (jogador de perfil bem diferente de Porro e cuja função pode ser desempenhada por Eduardo Quaresma neste plantel).

    O italiano tem valências no processo ofensivo, soltando-se no flanco, mas não providenciando tanta qualidade no cruzamento e último passe quanto a que o atual jogador do Tottenham possuía. Geny Catamo foi também testado nessa posição, numa aposta surpreendente de Rúben Amorim num canhoto para preencher o flanco direito – quando era mais visto como potencial alternativa a Marcus Edwards.

    Amorim testou a solução 4-4-2 no período preparatório e apresentou variantes distintas, como o avanço de Gonçalo Inácio para a posição de primeiro médio de construção em organização ofensiva. Tudo leva a crer que a alternância possa ser maior, também em função da especificidade de cada jogo. O Sporting parece uma equipa mais robusta em termos táticos e preparada para cenários diferentes depois desta pré-época. Ainda assim, o último teste frente ao Everton, voltou a trazer à tona as dificuldades para ultrapassar equipas bem estruturadas em termos defensivos e com mais argumentos nos duelos. Gyökeres também ajudará nesse campo, mas não veio para resolver todos os problemas sozinho.

    Quem vai estar no segundo pelotão?

    Mais para lá dos quatro principais emblemas na batalha pelos lugares da frente, a competitividade entre as equipas do segundo pelotão também se antevê interessante. O quinto lugar pode até nem dar apuramento europeu na presente temporada – caso o vencedor da Taça de Portugal não seja encontrado entre os quatro primeiros da I Liga. Se isso acontecer, será um golpe na ambição de clubes que se reforçaram a pensar na luta europeia. O Vitória SC é, ano após ano, um potencial candidato a militar nesses lugares e a eliminação prematura na Conference League face aos eslovenos do Celje vai obrigar os vimaranenses a reagir a nível interno. Moreno Teixeira apostou no 3-5-2 na pré-temporada e nos primeiros desafios oficiais e mantém o 3-4-2-1 como via alternativa.

    As saídas dos centrais titulares André Amaro e Ibrahima Bamba para o futebol do Qatar deixou 17,5 milhões de euros nos cofres do Vitória, mas a linha defensiva ficou órfã de qualidade e segurança. Tounkara e Ni são jovens com potencial para crescer, mas é possível que haja um recurso ao mercado até ao fim do mês (mesmo com a contratação de Tomás Ribeiro para o centro da defesa). De resto, o conjunto de Guimarães recrutou jogadores com andamento no escalão principal do futebol nacional.

    Charles chegou para ser alternativa a Bruno Varela na baliza, João Mendes, Telmo Arcanjo e Nuno Santos juntam-se a uma linha intermediária com várias referências de classe em posse (Dani Silva, Tomás Händel ou o mais experiente Tiago Silva), Ricardo Mangas chegou para ser indiscutível na lateral-esquerda (com capacidade para desempenhar outras funções) e Adrián Butzke foi contratado para substituir diretamente Anderson Silva, depois de vários desempenhos interessantes em Paços de Ferreira. A embaraçosa queda na Europa mostrou uma equipa ainda a necessitar de ajustes defensivos (o espaço entre laterais e centrais externos continua a existir em várias transições) e de melhor ligação de jogo entre setores (o perfil da maioria dos médios do plantel requer gosto pela posse).

    É também inevitável falarmos do Arouca como uma equipa a ter em conta depois do brilharete na época que findou em Maio. O 5º lugar valeu a segunda presença europeia da história e é a meio de uma eliminatória frente aos noruegueses do Brann que a equipa agora orientada por Daniel Ramos vai encarar o início da participação no campeonato.

    A aposta no mercado alternativo espanhol veio para ficar e depois do exemplo bem sucedido com Rafa Mújica (autor de um exercício consistente em 2022/23), o clube da Serra da Freita recrutou três jogadores na La Liga 2: o ala Jason Remeseiro (ex-Alavés) e os atacantes Miguel Puche (ex-Zaragoza) e Cristo González, que chegou da Udinese mas que esteve emprestado a Valladolid e Sporting de Gijón nas últimas temporadas. Ao trio de reforços proveniente do país vizinho junta-se o trinco Eboué Kouassi, o central uruguaio Matías Rocha ou o jovem médio Pedro Santos, que militava no SC Braga.

    A política de recrutamento esteve relacionada com a substituição direta de jogadores como João Basso, Ismaila Soro, Alan Ruiz, Antony ou Dabbagh – peças-chave da última temporada. Ramos iniciou a época em 4-4-2 e a aposta parece ter vindo para ficar. De resto, até ver, mantiveram-se outros jogadores que foram autênticas mais-valias na obtenção do surpreendente resultado final da última Liga (Arruabarrena, Mateus Quaresma ou David Simão) e que podem muito bem voltar a ser referências para um ano tranquilo dos arouquenses.

    De seguida, é tempo de falarmos do investimento feito por Famalicão e Gil Vicente para dar resposta a saídas importantes e manter o nível competitivo, de preferência com uma aproximação aos patamares europeus. A equipa orientada por João Pedro Sousa foi crescendo no decorrer da última época e não ficou longe dos lugares europeus, além de ter estado às portas da final da Taça de Portugal. A polémica em torno de Iván Jaime permanece e elementos fundamentais em 22/23 como Alexandre Penetra, Santi Colombatto ou Ivo Rodrigues saíram do clube.

    O conjunto famalicense voltou a mexer-se bem no mercado, recrutando em diversas latitudes. Para o setor defensivo, o neerlandês Justin de Haas foi adquirido aos croatas do Lokomotiva Zagreb e do Brasil chegou Nathan Santos (lateral-direito que já tinha passado no Boavista), além de Otávio ter visto a ligação ao Famalicão prolongada depois de ter sido um dos centrais-revelação da última temporada.

    O meio-campo viu-se reforçado com o critério e pujança de Mirko Topić (ex-Vojvodina) e a alta rotação de Tom Lacoux (cedido pelo Bordeaux), além de ter recebido um diamante para polir chamado Otso Liimatta, criativo finlandês que pode surpreender nos relvados portugueses. Para o ataque, Henrique Araújo vai tentar agarrar a oportunidade para se destacar depois do fracasso na cedência ao Watford, Alex Dobre viu garantida a continuidade no “Fama” (custou 600 mil euros) e Óscar Aranda chega do Real Madrid Castilla para poder eventualmente substituir o compatriota Iván Jaime – embora seja mais extremo que o ainda “10” do plantel. A continuidade de elementos como Gustavo Sá, Zaydou Youssouf, Francisco Moura, Riccieli ou Jhonder Cádiz também tem de ser encarada como uma ótima notícia para os lados de Famalicão.

    Já o Gil Vicente quer voltar a competir pelo acesso à Conference League e para isso recrutou jogadores diversificados mas de um potencial alto. A formação agora orientada por Vítor Campelos manteve Zé Carlos para a lateral-direita e ainda acrescentou o promissor Thomas Luciano como alternativa nessa posição, enquanto que do lado esquerdo avançou para as aquisições de Leonardo Buta e Kiko Vilas Boas.

    No centro da defesa, parece ainda faltar uma opção para colmatar o fecho do período de empréstimo de Tomás Araújo. Para o meio-campo, e depois das partidas de Vítor Carvalho e Aburjania, entraram nomes como Jesús Castillo (criterioso médio peruano com margem de progressão e experiência na Libertadores), Martim Neto, Maxime Dominguez ou Mory Gbane. Junto a jogadores como Fujimoto ou Pedro Tiba, irão aumentar a competitividade do setor intermediário gilista. De resto, Roko Baturina chegou do Ferencváros para substituir Fran Navarro e atenção a Tidjany Touré, jogadores de características ofensivas, ex-Feyenoord e PSG e que pode muito bem tornar-se numa das revelações de um Gil que pode manter a base da estrutura tática da última época (entre o 4-2-3-1 e o 4-3-3).

    As restantes 10 equipas e quem mais pode vir a surpreender

    A lista de candidatos à Europa pode sempre ver-se alargada por alguma surpresa, sendo que as limitações orçamentais e de contratações afetam clubes que podiam ter ambições maiores. O Casa Pia foi uma boa notícia nos primeiros meses da última temporada e as expectativas voltam a ser boas para 2023/24. Filipe Martins mantém-se no comando técnico, com um 3-4-2-1 compacto e com atacantes com poder de desequilíbrio (Saviour Godwin e Yuki Soma por fora da referência central, que pode andar entre Clayton, Rafael Martins ou Felippe Cardoso). Há reforços cirúrgicos (Larrazabal, Jajá, Fernando Andrade, Rafael Brito ou André Geraldes), numa equipa que perdeu jogadores de destaque como Afonso Taira, Kunimoto ou o emprestado Lucas Soares. O Desportivo de Chaves mudou de treinador (saiu Campelos, entrou José Gomes) e parece ainda não ter fechado portas a negociações de última hora.

    Vários jogadores fundamentais da última campanha saíram (João Mendes, João Teixeira, Paulo Vítor, Juninho ou Nélson Monte) e há posições que parecem carecer de reforços de maior nível (nomeadamente o meio-campo e as alas). As expectativas são altas para alguns dos novos recrutas, ainda assim: Hugo Souza chegou para a baliza depois de somar titularidades no Flamengo, os centrais Ygor Nogueira e Bruno Rodrigues vêm adicionar experiência de I Liga ao eixo defensivo e Pedro Pinho (figura da Sanjoanense na Liga 3) e Kelechi Nwakali (ex-Ponferradina) prometem ser dois dos centrocampistas mais destacados da classe média do campeonato. Entre os nomes que permanecem no plantel, é incontornável falarmos de Bruno Langa, um dos laterais-esquerdos mais interessantes em 2022/23, do experiente Steven Vitória, dos médios João Pedro e Guima, do criativo com rasgo Benny e do ponta de lança espanhol Héctor Hernández.

    O Rio Ave de Luís Freire promete mais uma época consistente, mesmo com a contingência de não poder inscrever novos jogadores na Liga – em virtude de uma queixa dos marroquinos do Raja Casablanca a propósito do caso Fabrice Olinga. Ainda assim, não saiu nenhum jogador relevante e a base da temporada transata mantém-se. Os vilacondenses apresentaram uma equipa articulada no regresso à I Liga, com protagonismo claro para Guga na construção na zona central, muita projeção dos alas (Costinha e Fábio Ronaldo, revelações em 2022/23) e uma dinâmica bem trabalhada entre os três jogadores mais adiantados (com extremos com capacidade de se inserirem dentro e uma referência na zona central). A pergunta que fica no ar é a seguinte: e se algum dos jogadores mais importantes sair até ao fecho do mercado? Podendo só contratar a partir de Janeiro, a venda de algum elemento transcendental nos próximos dias pode perturbar a competitividade dos rioavistas a curto/médio prazo e só a aposta em jogadores das camadas jovens pode de alguma forma compensar.

    O Boavista passa pelo mesmo problema, embora por circunstâncias distintas (dívida relativa ao mecanismo de solidariedade pela contratação de Chidozie). Apesar da alternativa dos três defesas, Petit parece vir a optar por um sistema com quatro defesas (ainda se mantêm dúvidas sobre as permanências de Pedro Malheiro, Onyemaechi e até Chidozie), um trio de médios (Seba Pérez e Makouta continuam a ser fulcrais) e os três da frente deverão ser Bruno Lourenço, Salvador Agra e Bozeník. Jovens como Martim Tavares, Tiago Machado ou Tiago Morais podem aproveitar para ganhar afirmação como alternativas aos habituais titulares nesta circunstância particularmente difícil para os homens do Bessa. Contudo, Petit já provou que sabe lidar com adversidades noutras circunstâncias e a versatilidade tática da equipa pode ser bem explorada, num plantel que mesmo sem reforços, mantém individualidades já consagradas no escalão máximo do futebol português.

    Outra equipa que gera expectativa para esta temporada é o Estoril-Praia. A contratação de Álvaro Pacheco como treinador e a progressiva contratação de jogadores novos, depois de um período inicial de mercado mais contido, aliadas a um início entusiasmante da competição oficial com duas vitórias caseiras na Taça da Liga, dão esperanças à massa adepta “canarinha”, que certamente quererá evitar as aflições de 2022/23 (14º lugar). Apesar da falta de incorporações significativas durante largas semanas, os sete golos marcados nos primeiros desafios da nova época (frente a Paços de Ferreira e Belenenses) e a qualidade demonstrada no processo ofensivo deixou água na boca, com jovens promessas como João Marques, Ivan Pavlic ou Finn Dicke a destacarem-se mais para lá de nomes como Tiago Araújo, Volnei, Rodrigo Martins, Heriberto ou os pontas de lança Cassiano e João Carlos.

    Entretanto, apareceram os reforços: Alejandro Marqués e Rafik Guitane assinaram depois de já terem estado no plantel da última época, Jordan Holsgrove reforçou o meio-campo por empréstimo do Olympiacos (depois de ter brilhado em Paços de Ferreira), Eliaquim Mangala regressou ao futebol português depois de muito tempo sem competir (passou nos testes, mas a condição física pode não ser ainda a ideal), Marcelo Carné, Alex Soares e a jovem promessa Rodrigo Gomes acrescentam experiência de I Liga e chegaram mais três elementos do futebol espanhol: os defesas Erick Cabaco (ex-Getafe) e Raúl Parra (ex-Cádiz) e o jovem médio francês Koba Koindredi, emprestado pelo Valencia. No espaço de poucas semanas, o acrescento de uma dezena de elementos veio conferir outra profundidade ao plantel de um Estoril que se irá apresentar num 4-3-3 bem típico das equipas de Álvaro Pacheco.

    Já o Vizela entra no campeonato com um teste de alta exigência em Alvalade e na sequência de uma época turbulenta, que implicou a troca de Pacheco por Manuel Tulipa (que acabou por fazer um trabalho consistente). As mudanças estruturais no clube levaram a apontar para outro caminho e o incógnito técnico espanhol Pablo Villar (com uma carreira em campeonatos mais periféricos e nas últimas experiências com resultados negativos…) foi a escolha para orientar a equipa na época 23/24.

    Depois de dois jogos na Taça da Liga (vitória face ao Marítimo e eliminação ante o AVS SAD), ficou a impressão de que Villar procura dar protagonismo aos jogadores que foram fundamentais nas últimas épocas. Ainda assim, o plantel vizelense perdeu elementos como Osmajić (que estava cedido), Ivanildo Fernandes, Igor Julião, Kiki Afonso ou Francis Cann, mantendo ainda assim referências como Kiko Bondoso, Samu, Bruno Wilson, Buntić ou Osama Rashid. No mercado de verão, foram recrutados reforços em diversas proveniências, sendo que nomes como Jardel Silva, Samuel Essende ou Igor Unzueta prometem lutar pelo papel de figura goleadora da equipa.

    O plantel continua a necessitar de mais um defesa-central, sendo que apenas Escoval foi adquirido para essa posição. Dos primeiros duelos da temporada, ficou a ideia de que Villar pretende construir a casa a partir do setor mais recuado, privilegiando o equilíbrio e a exploração de ataques mais cirúrgicos e rápidos. Outra equipa que se reforçou em diferentes latitudes foi o Portimonense.

    Paulo Sérgio viu partir jogadores como Moufi, Pedro Sá e emprestou Yago Carriello para o futebol coreano mas a base fundamental da última época permanece no Algarve. Filipe Relvas tem resistido aos cantos de sereia do mercado, o guardião Kosuke Nakamura foi apontado ao Fenerbahçe mas continua em Portimão e o setor em que se notam efetivamente mais alterações é no ataque. Paulinho, figura goleadora em Fafe e na Amadora, chegou cedido pelos dinamarqueses do Viborg, e veio acompanhado do entusiasmante atacante equatoriano Ronie Carrillo, dos brasileiros Luan Campos e Rildo e ainda do jovem Sylvester Jasper, extremo proveniente do Fulham.

    Depois chegaram dois jovens para compor o setor defensivo (Igor Formiga e Rafael Alcobia), além de um concorrente/substituto de Nakamura na baliza (Vinícius Silvestre, ex-Palmeiras). Os jovens Guga (lateral-direito) e Alemão (central) podem vir a ser duas das revelações para um exercício em que não se espera um Portimonense muito diferente do que vimos anteriormente com Paulo Sérgio, em termos estruturais, mas a procurar melhorar o rendimento ofensivo – apenas 25 golos apontados em 2022/23, naquele que foi o pior ataque da I Liga.

    Do escalão inferior, chegam Moreirense, Farense e Estrela da Amadora. Os cónegos trocaram de treinador (saiu Paulo Alves, entrou Rui Borges) e apesar de algumas saídas importantes, preservam figuras da subida e apresentam ainda reforços de muito bom nível. Apesar da eliminação precoce na Taça da Liga face ao Farense, viram-se bons momentos ofensivos, numa equipa que continuará a ter em Alanzinho um dínamo ofensivo importante e nos alas Kodisang e João Camacho setas para atacar próximo da área, onde mora o sempre perigoso André Luís. Para o centro da defesa, chegaram os experientes Marcelo (ex-Sporting e Rio Ave) e Maracás, além do jovem Gilberto Batista.

    A ligação ao SC Braga continua a ser evidente, com a chegada de dois laterais-direitos dos Guerreiros (Fabiano Souza e Dinis Pinto), além do promissor avançado Rodrigo Macedo (autor de 17 golos nos sub-23). Da época passada, transitam outros destaques como Frimpong, Gonçalo Franco ou Lawrence Ofori (agora a título definitivo), numa prova da continuidade de um projeto que promete lutar por uma manutenção tranquila na I Liga.

    Já o Farense de José Mota entrou em grande estilo na nova temporada, com vitória em dose dupla na Taça da Liga (eliminando Moreirense e Oliveirense). Jogadores relevantes como Róbson, Abner, Marcos Paulo ou Pedro Henrique deixaram o clube, mas a verdade é que a resposta no mercado pareceu consistente. Luiz Felipe chegou para a baliza, o setor defensivo viu-se reforçado nas laterais (à direita, Pastor e Fran Delgado, à esquerda chegou Talys) e no eixo (regresso de Artur Jorge ao futebol nacional) e para zonas mais adiantadas chegaram Rafael Barbosa e Bruno Duarte – ambos com experiência no escalão primodivisionário. A coluna vertebral da ascensão à liga maior permanece em Faro na nova época e esse é um fator importante para o ataque a uma competição em que a exigência aumenta.

    Finalmente, o Estrela da Amadora parece ser dos recém-promovidos aquele que gera mais dúvidas, até porque o plantel não tem tanta experiência de primeiro escalão.Ainda com incertezas quanto a reforços que possam chegar nos últimos dias de mercado, tem pelo menos a garantia de que se mantém a estrutura do último ano. Sérgio Vieira vai apresentar um 3-4-3 resistente e competitivo, com atacantes que se complementam bem mas que precisam de provar valor numa liga principal. Ronaldo Tavares, Regis e Ronald partem na “pole position” para a titularidade, mas há boas alternativas em Ndour, Gustavo Henrique, Capita ou no reforço Léo Jabá. E por falar em aquisições, não há muitos nomes destacados, ainda que as chegadas de Léo Cordeiro (ex-Mafra) ou Pedro Sá (ex-Portimonense) mostrem olho atento. Outra grande notícia é a permanência do trio defensivo de estabilidade, com o imponente Kialonda Gaspar, o experiente Miguel Lopes e o sóbrio Mansur, todos na frente do guarda-redes Bruno Brígido. Com eles em campo, o Estrela será sempre mais sólido no setor recuado.

    Ainda sem plantéis fechados em definitivo mas já com várias bases bem estruturadas se prepara o arranque de mais um campeonato de I Liga. O sonho do aumento do nível competitivo continua a existir, mas a verdade é que as mudanças estruturais não são ainda totalmente evidentes. Espera-se, isso sim, uma luta a quatro na frente, com os restantes a batalharem entre a esperança europeia, a tranquilidade do meio da tabela e o medo da descida. Venham de lá esses jogos!

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    Francisco Sousa
    Francisco Sousahttp://www.bolanarede.pt
    Licenciado em jornalismo, o Francisco esteve no Maisfutebol entre 2014 e 2017, ano em que passou para a A BOLA TV. Atualmente, é um dos comentadores da Eleven.