«Defrontei o Maradona quando ele estava no Sevilla, aliás, até tenho a fotografia» – Entrevista BnR com Carlos Xavier

    – A experiência na Real Sociedad e no País Basco –

    BnR: Depois do Sporting, o Carlos joga na Real Sociedad de 1991 a 1994. Como foi a adaptação ao clube e ao futebol espanhol?

    CX: Foi um pouco surreal. Chego a Espanha, eu e o Oceano, e apanhamos um país completamente diferente, uma região diferente. Os bascos são diferentes de todos os outros. Mas sentimos um carinho logo desde início, eles apoiam-nos muito. Tive uma lesão grave logo no primeiro jogo que fiz de pré-temporada, contra os Pumas, num torneio em que o Sporting também participou, e foram três meses parado. Inclusive quiseram operar-me ao ligamento lateral e eu por vontade própria não quis. Demorei mais tempo a recuperar mas sei que regresso e só começo a jogar à sétima ou oitava jornada. Tínhamos um ponto ou dois nessa altura e sei que nesse ano nos qualificámos para a UEFA. Por isso, foi um ano que marcou mesmo a minha carreira na Real Sociedad e foi a partir daí que as pessoas passaram a gostar mesmo de mim e foi aí que eu comecei a sentir-me mesmo jogador. O Toshack a primeira coisa que me disse quando eu cheguei a Espanha foi “onde é que queres jogar e qual é o número que tu queres?”. Pôs-me logo à vontade e eu disse “quero o 10 e quero jogar atrás dos pontas-de-lança”, era a posição que eu mais gostava. E foi aí que eu fiz três épocas fabulosas, fiz golos que nunca tinha feito na minha vida, fiz 13 golos, que era raro pois eu era mais de fazer assistências, e 12 foram de fora da área. Ainda hoje em dia sinto muito carinho, às vezes sinto mais carinho por eles do que pelos 14 anos que passei no Sporting. Eles ainda se lembram de mim e estão sempre a mandar-me fotografias.

    BnR: A realidade a nível de treino e competição era muito diferente da que se vivia em Portugal?

    CX: Eu não senti isso. Recordo-me que aqui em Portugal houve pré-temporadas que treinávamos três vezes por dia, às 7h, às 11h e às 16h. O Toshack não era assim, a mentalidade britânica não era muito essa, era dois treinos muito intensos mas sem grandes cargas. Na Real Sociedad foram três anos em que não senti aquelas dores nas pernas que a malta sentia na pré-temporada. A nossa preparação era muito à base de bola, de jogo, porque é aí que se ganha a condição física. Depende do tipo de treinador, neste caso era o Toshack que dava o treino físico também, não tinha nenhum preparador físico especial mas havia treinos duros.

    BnR: Como era a vida em San Sebastián?

    CX: Ui, do melhor! Foi das cidades mais bonitas que eu conheci e vivi. Eu onde fosse era convidado, não pagava nada, coisas mesmo típicas de, não digo bairrismo, mas é mesmo típico deles. E eles sabem receber as pessoas, sempre que um jornalista ia lá fazer uma entrevista íamos sempre ao mesmo sítio, que era o Beti Jai. Havia sítios fabulosos, era uma cidade fantástica.

    BnR: Qual o momento mais marcante destas três épocas no estrangeiro?

    CX: Acho que foi a primeira época, em que eu tive lesionado sete ou oito jogos e depois voltei à equipa. Depois, jogar em Atocha que é um campo mítico e um golo que eu fiz ao Real Madrid, que está na memória de todos eles. Até o Xabi Alonso me disse que se lembra perfeitamente desse golo, quando lá fui há dois anos e falei com ele. Depois foi o ano em que mudámos para o Anoeta e sentimos uma diferença muito grande, o público muito longe do relvado. Hoje já conseguiram reduzir outra vez, tiraram a pista de tartan e os adeptos estão mais perto. O ambiente deles é aquele, estarem perto do jogo e nós sentimos isso.

    BnR: Mais alguma história para partilhar destes três anos na Real Sociedad?

    CX: Defrontei o Maradona quando ele estava no Sevilla. Aliás, até tenho aqui a fotografia [Carlos puxa do telemóvel e mostra a fotografia]. Vês? Está o Maradona ali atrás e à minha frente o Cholo, o Simeone.

    BnR: Como é que foi jogar contra o Maradona?

    CX: Ele era um espetáculo. Eu já tinha jogado contra ele quando ele estava no Nápoles e eu no Sporting, para a Taça UEFA. 0-0 cá, 0-0 lá e depois perdemos nos penalties. Ele quando veio cá jogou com o 16, na altura os números era do 1 ao 11 os titulares, e eu troquei de camisola com o 10, o Mauro. Mas naquele caso o 10 era o Maradona. Depois quando ele foi para o Sevilla, eu antes do jogo disse-lhe “já tive uma camisola tua, de quando estavas no Nápoles, gostava de ter outra”. E ele disse que não havia problema e que no final do jogo trocávamos. Nesse jogo era o Bilardo o treinador e tirou-o faltava meia hora. Ele saiu do campo a chamar os nomes todos ao treinador mas no fim do jogo tinha a camisola na mão para me dar. E tenho lá a camisola guardada. Para mim, como estrangeiro, foi o melhor no meu tempo.

    BnR: Ao acompanhar as suas redes sociais, reparei que menciona muitas vezes a sua mulher e os seus filhos. Em especial a sua mulher, elogia-a com frequência como esposa e como mãe. Foi fundamental para a sua carreira ter estabilidade na vida pessoal desde relativamente cedo?

    CX: Sem dúvida! Nós casámos em 1987 e fomos para Espanha em 1991, tinha o nosso primeiro filho três meses. Não foi fácil para a minha mulher, deixou aqui os amigos todos e a família. Na altura trabalhava num banco, apesar de estar de licença de maternidade, deixou tudo por mim e acompanhou-me sempre. Tudo aquilo que depois atingi e a minha carreira toda devo-o a ela sem dúvida nenhuma. Depois a família foi crescendo, quando eu acabo a carreira o Gonçalo tinha sete anos, a Carolina tinha dois ou três, ela já não se lembra de me ver jogar oficialmente mas depois como eu comecei com o futebol de praia eles acompanharam-me sempre. Conheceram-me mais no futebol de praia do que no futebol profissional. É a família que muitas vezes traça o nosso destino e o nosso sucesso no desporto.

    BnR: Algum dos seus filhos quis ser futebolista?

    CX: O Gonçalo na altura enveredou pelo futebol e chegou a ser colega do Danilo Pereira, um jogador que eu indiquei ao Sporting na altura. O Danilo tinha 15 anos, estava com o meu filho nos juvenis do Estoril e eu via naquele miúdo alguma coisa de diferente dos outros. Indiquei-o ao Sporting mas como eu não estava na estrutura do Sporting não serviu. Depois quando ele foi para o Porto o Sporting quis chegar-se à frente mas não conseguiu resgatá-lo. Mas dizia, depois o meu filho foi para os juniores do Belenenses só que ele queria acabar o curso. Ainda foi para os seniores do Carcavelos mas não conseguia conciliar e por isso deu prioridade aos estudos. Hoje em dia joga só com os amigos mas tem jeito.

    BnR: Gostava que algum deles tivesse seguido as pisadas do Pai?

    CX: Não, foi por eles. Talvez pela exigência que eu punha no Gonçalo às vezes, talvez ele se retraísse um pouco. Exigia de mais, devia ter sido mais passivo, mais observador e exigi muito dele, e ele também sentiu muito isso. Mas nunca o foquei que tinha que ser jogador. O futebol hoje é muito diferente, hoje há mais condições para se chegar lá acima, há muito mais escolas, muito mais condições para um miúdo andar de um lado para o outro e tentar singrar. Mas nunca fui de exigir muito sobre isso.

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