«A descida da Académica/OAF deixou-me extremamente triste» – Entrevista BnR com Pedro Duarte

    – Da formação ao alto rendimento –

    «Na China, o trabalho em quantidade é muito valorizado»

     

    Bola na Rede: O Pedro é um treinador jovem, tem 42 anos. No entanto, leva já uma carreira de 15 anos como treinador. Como é que passou a ter mais gosto pelo futebol fora das quatro linhas do que dentro delas?

    Pedro Duarte: Tive uma carreira curta como jogador. Deixei de jogar aos 24 anos. Ainda cheguei a profissional na equipa B do SC Braga. Fiz treinos com frequência na equipa A, mas nunca me cheguei a estrear. Há uma altura em que tive algumas lesões. Em dois anos fui operado quatro vezes. As minhas duas últimas épocas foram um sofrimento muito grande. Comecei a perceber que não tinha condições de ter uma carreira dentro daquilo que perspetivava. Optei por deixar de jogar. Fui convidado por uma equipa aqui de Braga, o Arsenal da Devesa, para trabalhar como treinador na formação. Entretanto, no SC Braga houve uma mudança na coordenação da formação. Fui convidado para trabalhar lá. Os sub-17 foram o único escalão que não treinei no SC Braga. A determinado ponto, convidaram-me para treinar os sub-19, já como profissional. Acaba por ser aí que percebo que era o caminho que queria seguir.  Licenciei-me em Gestão de Desporto, tirei o Mestrado de Ensino de Educação Física e fui tirando os cursos de treinador de futebol. A paixão pelo treino sempre esteve presente. Dá-me mais gozo ser treinador do que ser jogador. 

    Bola na Rede: O auge do trabalho no SC Braga terá sido a conquista do título de campeão nacional de juniores em 2013/14. Numa altura em que o SC Braga não tinha as condições que tem hoje, esse foi o primeiro passo para o clube estar hoje no patamar em que está em termos de formação e aproveitamento de jogadores na equipa profissional?

    Pedro Duarte: O SC Braga deu um salto muito grande ao nível das infraestruturas. Isso é fundamental para o trabalho de formação e para o crescimento sustentado de um clube. Na altura, tínhamos dificuldade em ter espaço de treino. O local de treino era dividido por três equipas, em horários diferentes. Estávamos muito condicionados. Hoje em dia, o SC Braga já não tem essa dificuldade. O título de campeão nacional é um marco importante, embora isso não fosse um objetivo. Acabámos por aproveitar a janela de oportunidade. Entendo que na formação também se tem que ganhar, embora não a todo o custo. É importante para transmitir valores de competitividade e de querer ser melhor aos atletas. É um marco muito importante na minha carreira e na carreira dos jogadores. Acabámos por fazer história dentro do clube. O título marca, mas depois ficam também as amizades. Dá-me um prazer muito grande encontrar na rua um jogador que tenha feito parte dessa equipa.

    Bola na Rede: O título abriu-lhe portas?

    Pedro Duarte: Abriu. A possibilidade de ter ido para a China também tem a ver com a conquista desse título.

    Pedro Duarte
    Fonte: Académica/OAF

    Bola na Rede: Como é que o Tianjin Teda levou o mister para treinar na formação?

    Pedro Duarte: A formação do SC Braga tinha um acordo com o Tianjin Teda que envolvia a troca de informações e de atletas. Conheci os responsáveis do Tianjin Teda. Tivemos uma reunião em Portugal e depois foi-me feita uma proposta. Passei uma semana em Tianjin para conhecer o clube e acabei por assinar um contrato de dois anos. Os portugueses e os europeus levaram para lá a forma como se trabalha na Europa, respeitando aquilo que é a cultura deles. Na altura, em qualquer torneio que tivéssemos, encontrávamos sempre portugueses. O facto de, quando fui para lá, o Tianjin Teda ter um treinador português, Jaime Pacheco, na equipa principal ia ao encontro dessa necessidade que eles tinham de beber um bocadinho da Europa. A Europa, no que ao futebol profissional diz respeito, está muito à frente da China.

    Bola na Rede: Na China há uma forma muito diferente de olhar para a gestão de um clube e para a forma como veem o jogo ou é algo semelhante ao que acontece em Portugal?

    Pedro Duarte: É muito diferente. Ao início é um choque. Tem a ver com a cultura. O trabalho em quantidade, para eles, é muito valorizado. Eles entendiam que o processo de treino tinha que ter um número de horas que não usamos em Portugal. Havia equipas de formação que chegavam a treinar duas horas seguidas por dia. Temos uma forma de trabalhar completamente diferente, principalmente na formação. Nós pensamos em valorizar o jogador e dar-lhe condições para ter um crescimento sustentado. Muitas vezes, não temos como orientação a carga de treino e os chineses olham muito para isso. Eles perguntaram-me como é que trabalhávamos em Portugal nos escalões de formação. Disse que nos sub-14, sub-15 se treinava três vezes por semana, com um volume de treino de 70/75 minutos e um jogo ao fim de semana. Isso para eles era muito pouco. Para eles, os jogadores tinham que treinar todos os dias. Como os jogadores vivem em regime de internato, a ideia deles é que mesmo atletas de 14/15 anos tinham que treinar todos os dias de manhã e de tarde. Fizemos-lhes ver quais eram as vantagens de ter um treino mais orientado. Tivemos que encontrar um equilíbrio dentro do que é a cultura chinesa e o que eram as minhas ideias.

    Bola na Rede: Os jogadores lidaram bem com essa mudança?

    Pedro Duarte: A aceitação dos atletas foi muito grande. No treino estava sempre presente aquilo que os jogadores mais gostam, que é a bola. Normalmente, na China, isso não acontece. Muitas vezes, dedicam 50/60 minutos à questão física e só depois entra a bola. Quando chegámos, a presença da bola foi uma constante. As lacunas que eles tinham em termos de relação com bola, coordenação e destreza eram muito grandes. Como a nossa proposta de treino tinha a bola 99% do tempo, muito através de jogos em campo reduzido, de exercícios de um contra um, dois contra dois, três contra três, os jogadores sentiam-se muito mais satisfeitos. A parte física está inerente a esse trabalho de espaços reduzidos. Em Portugal, atletas de 14 anos já têm competição há seis ou sete anos. Na China, encontrámos jogadores com 14 anos que nunca tinham feito um jogo oficial.

    Bola na Rede: A adaptação à vida quotidiana foi fácil?

    Pedro Duarte: Fácil não foi. O trânsito, por exemplo, era uma coisa infernal. Não há respeito pelo sinal vermelho. Não há respeito pela passadeira. O carro, se tiver que passar em cima do passeio, passa sem problemas nenhuns. Ao início faz alguma confusão. Na brincadeira até dizíamos “quando vamos atravessar a rua temos que olhar para a esquerda, para a direita, para trás e para o ar”, nunca sabíamos de onde é que os carros vinham. Como eles são tantos, há pouco respeito pelo ser humano. Ao início causa alguma dificuldade, mas é uma questão de nos habituarmos.

    Bola na Rede: O que é que é diferente na liderança de uma equipa de futebol de formação e numa equipa de futebol profissional?

    Pedro Duarte: A formação e o alto rendimento são mundos diferentes. Na formação, temos tempo para trabalhar uma ideia, é um processo a longo prazo. É possível fazer asneiras e corrigir essas asneiras. No alto rendimento, temos que ganhar ontem. Não há tempo para erros. Há um ponto comum quando trabalhamos na formação e no alto rendimento: a gestão de expectativas. É a maior dificuldade que temos. Um miúdo da formação tem como expectativa ser profissional de futebol e, por vezes, percebemos que o jogador vai ter poucas condições de o ser. É difícil eles perceberem que não jogam, porque não são bons. Quando chegamos ao mundo profissional também tem que haver esta gestão de expectativas. O jogador assina contrato profissional e quer ser o melhor jogador, o melhor marcador, o melhor guarda-redes, o melhor defesa… quer fazer uma boa época para, na próxima época, melhorar o contrato e ir para outro clube.

    Bola na Rede: É mais fácil gerir as expectativas de um jovem ou de um jogador mais maduro?

    Pedro Duarte: Depende da individualidade. Os jovens, normalmente, têm sonhos e percebem que o mundo do futebol lhes pode dar uma vida diferente. O jogador de alto rendimento já tem noção das dificuldades e do patamar que pode atingir ou não.

     

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.