«É melhor ter dois Mundiais do que só um» – Entrevista BnR com Jorge Braz

    Jorge Braz foi eleito a Personalidade Bola na Rede do ano de 2022 e teve a amabilidade de conceder uma entrevista exclusiva ao nosso órgão de comunicação social. O selecionador nacional de Portugal falou sobre as mais recentes conquistas da equipa das quinas, o processo de transição para a saída de Ricardinho, as vozes de comando do futuro português e o que há para melhorar no Futsal, em Portugal. Uma entrevista exclusiva que agora partilhamos contigo.

    «SEMPRE ACHEI QUE A TRANSIÇÃO COM RICARDINHO SERIA NORMAL»

    Bola na Rede: Mister, antes de mais, parabéns pelo prémio. Como é que se explica este sucesso, não só de 2022, mas também o sucesso recente? Passámos de uma fase em que os títulos não apareciam para este progresso em termos de conquistas coletivas. É um reflexo do trabalho ao longo dos anos?

    Jorge Braz: Foi muito reflexo do trabalho, da construção de todo o processo de vários anos em que fomos conseguindo consolidar e qualificar o trabalho. É a questão central. Depois, após tantas experiências e muitas fases finais em que falhámos em momentos decisivos, isso também foi um processo de aprendizagem. Foi para perceber o que nos faltava. Isso, aliado a todos estes jovens que foram aparecendo neste processo de trabalho de qualificação, foi bom para perceber ao que nos tínhamos de agarrar. Tudo para, naquele fio decisivo onde é definido o sucesso ou insucesso numa competição, termos a sorte de que caia para o nosso lado. Foi a maturidade competitiva de toda a gente. Mas até é contraditório porque há essa maturidade competitiva aliada a esta irreverência de miúdos que chegam cada vez melhor preparados à idade sénior. Isso é tudo construído ao longo dos anos, mas também tem que ver com essa maturidade e experiência por passarmos a fases finais.

    Bola na Rede: Ou seja, o errar e o falhar contribuíram para o sucesso atual.

    Jorge Braz: Como digo sempre, o errar é a principal arma de aprendizagem. Se não arriscarmos… Se não errarmos, isso não ajuda muito.

    Bola na Rede: Se olharmos para todas estas conquistas desde 2018, qual foi aquela que teve mais significado? Sei que todas tiveram, mas houve alguma que o tenha marcado mais pela forma como foi conquistada, ou pelas dificuldades que surgiram?

    Jorge Braz: Um Mundial é sempre um Mundial. O trabalho que deu e toda a preparação do Campeonato do Mundo, com todas as dificuldades que surgiram. Marcou e fez perceber que tudo é possível. Esta dificuldade, e esta adversidade não nos retira do caminho. É quase um espelho de todo o trabalho na Federação. Muitas dificuldades, muitos momentos difíceis, mas nunca nos desviámos. Tivemos muitos momentos difíceis, mas nunca fugimos do trajeto e do que queríamos. E chegámos ao fim daquela forma tão marcante.

    Bola na Rede: Vamos olhar para o seu papel, o de selecionador. Acha que é muito mais um papel de treinador ou de um gestor? Fala-se muito sobre esta questão, mas qual é a parte com mais peso: a gestão do grupo ou a questão do treino?

    Jorge Braz: O selecionador tem mais tempo para planificar e preparar. Consegue maturar melhor como se preparar para cada momento porque tem um espaço temporal enorme de observação, seleção e preparação. Enquanto num clube, o treinador não tem tanto esse tempo. É tudo muito rápido e compacto. Sais de um jogo e já estás a prepara outro. As decisões são mais intensas, mas tem todos os dias para treinar, ou seja, é algo que não temos. É como digo sempre: não há um único segundo a perder. Nem quando se está a planear e a preparar os jogos. A acompanhar os jogos, a evolução de todos os jogadores…

    Fonte: Bola na Rede

    Bola na Rede: E como é que se fomenta a relação com os jogadores em tão pouco tempo?

    Jorge Braz: Para mim é muito simples. Quando não estão num espaço de seleção, há um respeito total da minha parte. Não há interferência nenhuma. Só acompanhamento do ponto de vista pessoal num momento difícil, como numa lesão. Aí, estou lá, como é evidente. Agora, andar a solicitar algo ou a perguntar algo quando estão num clube, não. Quando chegam aqui, sabem que a dedicação tem de ser total. Temos muito tempo de planeamento, mas temos menos tempo de trabalho. É muito importante conciliar tudo.

    Bola na Rede: Há alguns anos, olhávamos para o Ricardinho como a figura máxima do Futsal em Portugal, e havia dúvidas sobre como seria o futuro da Seleção pós-Ricardinho. Hoje, essa questão parece ter sido tratada de forma relativamente tranquila. Concorda com esta perspetiva? Ou seja, Ricardinho foi um grandíssimo jogador, mas se calhar ninguém esperaria que o processo de transição fosse tão simples, mesmo falando daquele que é, para muitos, o melhor de sempre da Modalidade?

    Jorge Braz: É normal, pelo impacto e peso que o Ricardo teve no Futsal Mundial. Era normal que se pensasse isso. Mas quem analisa com alguma profundidade o que está a acontecer em termos de qualificação dos jovens jogadores portugueses e do trabalho efetuado pelos clubes, eu sempre disse que isso seria feito de forma normal. Não era por aí que a Seleção ia cair de forma drástica… Não, sempre disse isso… É normal que a opinião pública tivesse uma visão ligeiramente diferente. Porque o Ricardo tem um impacto brutal no Futsal Mundial. Deixar de ter o Ricardinho na Seleção era algo que assustava muita gente. Não ter o Ricardo, claro que é sinónimo de não ter uma super mais-valia, mas há outros miúdos que estavam e estão a aparecer. Eu sempre achei que essa transição seria normal e natural. Acho que é bem visível isso.

    Bola na Rede: E em termos das vozes de comando? Ricardinho era uma voz de comando. Hoje temos o João Matos, entre outros. Como é que vai gerindo também esta questão para a equipa não perder esse papel dos líderes?

    Jorge Braz: É tudo normal. O João já tinha esse papel quando estava o Ricardinho. O Ricardinho tinha esse papel quando estava o Arnaldo. Portanto, tudo isso foi acontecendo de forma muito natural. Há muitos líderes naturais e que geralmente é a competência que têm no jogo e a forma como sobressaem no jogo. Há vários miúdos que vão sobressaindo e depois temos os que têm mais internacionalizações… O Bruno (Coelho), o (João) Matos, o André Sousa… Uma série deles e, de certeza que quando eles saírem, haverá outros a aparecer como vozes de comando. Mas eu gosto de ter 14 capitães de equipa, todos são importantes.

    «TOMÁS PAÇÓ, ZICKY OU AFONSO JESUS TÊM CAPACIDADE PARA LIDERAR O GRUPO»

    Bola na Rede: Tocou aí num ponto importante. Esses jovens do futuro. Calculo que não queira individualizar, mas se pudermos olhar de forma mais ampla, quais é são aqueles que lhe parecem estar melhor preparados para ganharem protagonismo e capacidade para liderar o grupo?

    Jorge Braz: Basta olhar para os mais jovens.. Paçó, Zicky, Afonso… Uma série de jovens. Mas mais do que olhar para os miúdos, é olhar para a seleção de Sub-19, que foi vice-campeã. Esses que mencionei já tinham estado no Europeu anterior. Vamos entrar agora em estágio com uma seleção de Sub-17 com uma série de miúdos novos. Ou seja, é olhar para a forma como os jogadores portugueses estão cada vez mais qualificados. Depois o processo é natural e vão continuar a aparecer. Cabe-nos a nós proporcionar essas oportunidades. Há vários jovens jogadores que me parecem ter potencial, nós é que temos de os ajudar e de os colocar no contexto certo para que eles apareçam. Depois, à medida que se vão consolidando, essas vozes vão aparecer. Mais importante é perceber qual vai ser o percurso deles até ao topo. Isso é que é importante. Não é o que vemos em idades precoces. Temos muita tendência para catalogar este miúdo ou aquele porque é muito jovem, mas o que é decisivo é perceber o seu percurso até chegar até ao topo. Quais vão ser os seus treinadores, o que vai exigir o clube, o que vai fazer nas seleções, nas distritais… Isso é que é decisivo. Temos a tendência de colocar um rótulo como “Olha, este vai ser um líder e um capitão da Seleção A“. Não vai! Vamos ver é o seu trajeto e como é que vai chegar em termos de preparação aos 20, 21 ou 22 anos. O que é preciso limar para ajudar. Neste contexto de seleções nacionais estamos cá para ajudar nesse percurso, isso é que é decisivo.

    Bola na Rede: Sente que há muito mais maturidade nestes jovens de hoje, comparativamente aos do passado?

    Jorge Braz: Muito. Primeiro campeonato nacional de sub-19, já com playoffs há duas épocas. O que é que se está a proporcionar para eles em termos competitivos? Os clubes cada vez treinam melhor e preparam-nos melhor. Os contextos em que estão inseridos é fundamental e esse trabalho está a ser feito há anos pela Federação. Tem existido reestruturação e requalificar todo o processo para os nossos meninos e para as nossas meninas. E isso traz frutos. Mas demora bastante tempo a consolidar tudo isso. Por isso é que sempre acreditei e dizia: vão aparecer muitos jovens com qualidade e cada vez olho com mais confiança para a qualidade dos jogadores portugueses. Porque esse processo e contexto em que estão inseridos é que vai ajudar toda a gente e, desta forma, o Futsal português.

    Bola na Rede: Voltando atrás, sobre as conquistas e tudo o que foi feito. Perante todos estes títulos, como se redefinem objetivos e se coloca aquele gosto de querer voltar a ganhar tudo novamente? Como é que se recoloca a fasquia alta e o mind-set correto para fazer tudo de forma igual?

    Jorge Braz: Primeiro, não é de forma igual (risos). Algo que o desporto nos ensina de forma clara é que o dia mais importante é o dia do próximo treino. Quem tiver esta mentalidade, pode estar no espaço da Seleção Nacional. Quem não tiver, não pode. Temos uma responsabilidade enorme para com o Futsal português, com Portugal e com a Federação. O dia do próximo treino é o dia mais importante e nós temos de querer sempre mais. Em tom de brincadeira, digo que foram dois Europeus, mas é melhor dois Mundiais do que só um. Portanto, o próximo que vem aí é com este sentido que temos de olhar. Mas isto, para mim, é fácil porque, felizmente, o que eu tenho sentido é que isto é muito intrínseco e natural em todos eles.

    Bola na Rede: Nunca temeu que algum dos jogadores se acomodasse?

    Jorge Braz: Não, não. São os primeiros a querer mais. Este grupo e os jogadores que têm passado por aqui tem uma vontade muito grande. É só olhar para este processo de qualificação em que estamos inseridos. Toda a gente quer sempre algo mais.

    Bola na Rede: Em termos do Futsal português, já passou por diversas fases e gerações. Atualmente, o que é que há aqui a melhorar?

    Jorge Braz: Ui, tanta coisa… (risos)

    Bola na Rede: De forma mais genérica, vá. O mais importante.

    Jorge Braz: O grande foco nestes próximos anos é claramente requalificar as etapas iniciais de formação para os nossos meninos. Aquelas primeiras etapas têm de ser melhoradas e tem de existir mais intervenção. Temos de aumentar esse número e melhorar o processo de juniores, juvenis, iniciados, sub-15… Felizmente já há um enquadramento melhor nas competições nacionais, mas as etapas iniciais têm de ser melhoradas. E, especialmente, o Feminino. Aumentar o número de meninas a jogar Futsal. Proporcionar experiências positivas nas etapas iniciais. E isso tem muito que ver com quem lidera os projetos, ou seja, treinadores, monitores, professores. Quem está nessas etapas iniciais. Precisamos de qualificar todos eles. Prioritário e mais importante nesta fase é olhar para os pequeninos e para as pequeninas. Ter mais gente, especialmente no Feminino.

    Bola na Rede: E como é que se vai fazer esse processo? Como é que pretende chamar mais raparigas para a Modalidade?

    Jorge Braz: Um é sermos já campeões da Europa (risos). Ajuda a alavancar. O entusiasmo e o conhecimento, parece-me, tem aumentado. Agora, temos de conseguir criar oportunidades práticas. Temos de aumentar a oferta porque ainda não é muita. Vai-se às escolas, aos clubes, ao desporto federado… E é preciso ver que oportunidades podemos dar para eles. E, reforço, principalmente para as meninas.

    Bola na Rede: Este prémio que tem aqui à sua frente é o primeiro a ser entregue a uma pessoa fora do Futebol. Pensa que esta mudança, também aqui no Bola na Rede, é um exemplo de que as Modalidades estão a ganhar cada vez mais protagonismo em Portugal?

    Jorge Braz: Sim, porque o Desporto tem dado imensas alegrias ao país. O Futebol é um grande exemplo, mas tem havido excelentes exemplos. Agora há o Andebol a preparar mais um Mundial, o próprio Basquetebol tem feito agora esta qualificação… o Voleibol que esteve nas fases finais. O Hóquei em Patins onde somos vice-campeões do Mundo. A forma como todos temos olhado, de forma global, para o Desporto já demonstra que temos excelentes exemplos. Esta superação que existe em várias modalidades com imensos exemplos positivos e a forma como têm alcançado estas conquistas são exemplares. As pessoas revêem-se muito nisso e não é só no Futsal. Temos uma série de exemplos brutais e espetaculares. Gente campeã do Mundo e da Europa. São exemplares a definir objetivos e a alcançá-los. E estes exemplos inspiradores, numa altura tão difícil, fazem com que as pessoas se inspirem. Não fazia a mínima ideia de que o prémio tem sido entregue só a personalidades do Futebol, mas isso só me dá mais orgulho. Obrigado.

    Jorge Braz com o Prémio Personalidade Bola na Rede do ano 2022
    Fonte: Bola na Rede

    Bola na Rede: Para concluir: o que é que o Jorge Braz de hoje aconselharia ao Jorge Braz de amanhã? Quais é que são as qualidades que deve manter e a nível de trabalho, o que é que deve ser feito de diferente? No fundo, os objetivos que deve ter para o futuro.

    Jorge Braz: Ei…essa é difícil de responder, mas simultaneamente fácil. Devem ser mantidos determinados princípios e valores, nunca devemos esquecer isso. Quando comecei como selecionador nacional, disseram-me uma frase que me marcou. Usaram a expressão transmontana “Tu agora tens de te pôr fino, não podes ser brutinho”. E eu pensava nisso. Só que cheguei à conclusão de que não tinha de ser absolutamente nada diferente. Tinha de ser igual ao que fui até aqui. Foi a minha forma de ser que me ajudou a chegar aqui e, por isso, só tinha de manter e trabalhar mais. Para o futuro, não esquecer os meus princípios e valores. Vai ser preciso trabalhar mais, inventar mais, ter de ser mais criativo e estar um passo à frente dos outros. Isso só acontece com muita dedicação e trabalho. Copy-paste geralmente não funciona, mas convém que os valores sejam quase sempre os mesmos, manter os pés bem assentes no chão e continuar a trabalhar bem. O sucesso esconde muitas coisas. Não é por se ter sucesso que não se pode melhorar e trabalhar mais. Devemos trabalhar ainda mais e manter os mesmos princípios e valores bem definidos.

    Bola na Rede: Obrigado pela entrevista, Jorge.

    Jorge Braz: Eu é que agradeço.

    Artigo revisto por Gonçalo Tristão Santos

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    Mário Cagica Oliveira
    Mário Cagica Oliveirahttp://www.bolanarede.pt
    O Mário é o fundador do Bola na Rede e comentador de Desporto. Já pensou em ser treinador de futebol por causa de José Mourinho, mas, infelizmente, a coisa não avançou e preferiu dedicar-se a outras área dentro do mundo desportivo.