«Era o Arteta que me levava ao treino e que me trazia. Ele era uma pessoa muito respeitada» – Entrevista BnR com João Silva

    Foi muito jovem para o Everton, estreou-se na Serie A ao entrar para o lugar de Dybala e subiu à Primeira Liga com o Estrela na temporada passada. É um “menino do mundo”. Depois de ter deixado a Reboleira, João Silva procura um novo rumo para a carreira que conta com passagem por Inglaterra, Itália, Bulgária e China. Enquanto decide o futuro, o avançado de 33 anos conversou com o Bola na Rede sobre o seu percurso.

    «NO PERÍODO EM QUE ESTIVE NA CHINA, JOGÁMOS NUMA BOLHA, COMO NA NBA»

    Bola na Rede: Deixaste o Estrela no final da época. Já tens expectativas em relação a onde vais estar na próxima temporada?

    João Silva: Ainda não. Acabei por não renovar com o Estrela. Estou a treinar e a aguardar pelo próximo passo.

    Bola na Rede: Estás à procura de um clube com características específicas? Ou seja, se queres Portugal ou estrangeiro, Primeira ou Segunda Liga…

    João Silva: Quero continuar em projetos importantes. Sou um menino do mundo, porque já estive em vários lugares. Não tenho problemas em voltar ao estrangeiro, como também não tenho problemas de ficar aqui em Portugal. Tenho é que estar motivado e feliz para onde for, que as pessoas me queiram de verdade.

    Bola na Rede: Houve negociações para continuares no Estrela?

    João Silva: Até fiquei um pouco surpreendido por não ter ficado lá. Acabei por fazer uma boa época, com consistência, jogos, golos e assistências. Foi um ano muito bom. O Estrela está na Primeira Liga e quer um projeto de rentabilidade. Sou um jogador de rendimento imediato que não vou protagonizar uma futura venda. Isso pode ter pesado.

    Bola na Rede: Pegando na expressão que usaste, de seres um “menino do mundo”. Fizeste uma grande parte da carreira fora de Portugal. Sempre que regressas para jogar no nosso país detetas alguns velhos vícios, aspetos que lá fora são melhores do que cá?

    João Silva: Uma coisa é certa, lá fora, sentes-te mais valorizado. As pessoas têm mais cuidado. Sendo estrangeiro, sentes-te mais importante. Há pequenas diferenças, mas acaba por ser tudo futebol.

    Bola na Rede: Quando chegaste à China, ao Nantong Zhiyun, tinhas na equipa técnica um elemento português. Depois, no Zibo Cuju e no Hebei deixas de ter esse conforto. Como foi essa experiência no futebol asiático?

    João Silva: Foi ótima. Cheguei lá [em 2019] e eles estavam a terminar a época. O campeonato é de ano a ano, não é como na Europa. Depois, iniciou-se a Covid-19. Aí, começaram a haver problemas: paragem, adiamento de início de campeonato… Isso trouxe um pouco de instabilidade. Nós nunca sabíamos quando é que ia começar o campeonato, ao contrário da Europa, onde havia mais clareza em relação a isso. No período em que estive na China, jogámos numa bolha, como na NBA. Ficávamos na bolha e tínhamos jogos de três em três dias para resolver o campeonato o mais rapidamente possível. Apesar de tudo, na China, a uma certa altura, já se vivia com alguma normalidade enquanto que aqui na Europa estava um caos. Na parte desportiva, nunca vacilaram. Foram três anos seguidos que fizeram o campeonato na bolha. 

    Bola na Rede: Estavam todos na mesma cidade?

    João Silva: Todas as equipas estavam no mesmo hotel. Só saíam para treinar e jogar e voltavam sem contacto com ninguém. É um pouco desgastante. Inclusivamente, passei o Natal dentro do hotel sem família nem nada. Cada equipa estava num andar. Cada uma tinha o seu ginásio, cada uma tinha as suas salas de fisioterapia, médicos, empregados, tudo. Ninguém saía, ninguém entrava, só com autorização e testes feitos à entrada e à saída. A China é um mundo à parte. Tornaram possível o reatar dos campeonatos dessa maneira.  

    Bola na Rede: Houve um intercâmbio de experiências com os jogadores de outras equipas?

    João Silva: Com certeza. Cruzávamo-nos todos os dias para ir treinar, para jogarmos bilhar, para nos divertirmos nas horas vagas. No Natal, no dia 24 de dezembro, reunimo-nos com outros jogadores, como o Quintero, o Kardec ou o Oscar. Os chineses não festejam o Natal, mas, como tinham lá bastantes estrangeiros, fizeram um pequeno evento para nós. No entanto, encontrávamo-nos lá constantemente.

    Bola na Rede: Por isso é que também dizes que te sentes mais valorizado lá fora. Ainda por cima, na China há limite de estrangeiros…

    João Silva: Exatamente. Esse é o caso da China, mas estive em Itália e na Inglaterra e não há limite de estrangeiros…

    Bola na Rede: O sentimento era o mesmo? Quando há limite de estrangeiros a exigência costuma ser maior…

    João Silva: Sim, na China é diferente. Por causa do limite de estrangeiros, sentes a responsabilidade de fazer a diferença. Os chineses contam com isso. Mas a verdade é que tens que fazer a diferença em todo o lado. Estando noutro país, é diferente. Também me sinto muito bem e super importante em Portugal. Aliás, no ano passado, no Estrela, toda a gente foi muito importante.

    Bola na Rede: É inevitável reconhecer que o aspeto financeiro é o que leva muitos jogadores até ao futebol chinês. Consegues comparar a fluxo de jogadores que está a ir para a Arábia Saudita com aquele que há alguns anos foi para a China?

    João Silva: Há algumas parecenças, mas, ao mesmo tempo é diferente. Os valores que estão a pagar na Arábia Saudita são astronómicos, enquanto na China, naquela altura, eram bastante elevados, mas não tão astronómicos como são na Arábia Saudita. A Arábia Saudita está a atrair jogadores da elite do futebol europeu. Na China, não era elite, era uma segunda linha. A Arábia Saudita tem mais poder, mais organização e abertura do que tinha a China.

    «FIQUEI UM POUCO SURPREENDIDO POR NÃO TER FICADO NO ESTRELA»

    Bola na Rede: O que te fez regressar a Portugal para representares o Estrela?

    João Silva: Tinha terminado contrato na China em dezembro. Lá, o campeonato só começa em março. O Hebei queria que eu ficasse, que renovasse. O clube estava com problemas financeiros. Inclusivamente, no ano passado, o clube terminou. Fiquei aqui na Europa a ver se surgia alguma coisa. Chegou o Estrela. O projeto que me foi mostrado era muito ambicioso. 15 anos depois, decidi voltar à Segunda Liga. O meu último ano tinha sido no Aves antes de ir para o Everton. O mister [Sérgio Vieira] também mostrou muito interesse. Todas as pessoas estavam entusiasmadas. Alinhei, correu tudo bem e foi ótimo. 

    Bola na Rede: O Estrela teve uma ascensão muito rápida. Em 2020 o clube ainda estava na distrital e agora está na Primeira Liga. Sentiste dores de crescimento ou é uma estrutura que tem condições para sustentar um clube de Primeira Liga?

    João Silva: O que senti desde o primeiro dia foi que havia gente competente para fazer grandes coisas. A cada dia que passava, havia uma evolução estrutural e desportiva. Tinha tudo para dar certo. O mister foi extremamente importante para o sucesso, não nos deixava cair. A verdade é que nunca nos faltou nada. Os jogadores também ajudaram muito. Os resultados estavam a ser favoráveis. Tudo correu bem. Acho que têm uma estrutura firme e coesa para dar continuidade. 

    Bola na Rede: Apesar de tudo, no final do campeonato, há ali um conjunto de resultados menos positivos que fazem com que o clube tenha que jogar o playoff. Houve algum momento em que se uniram para que, chegando ao playoff, não vacilassem e confirmassem a subida?

    João Silva: Em termos de união, era inexplicável a coesão que havia dentro do grupo. Fomos extremamente unidos do início até ao fim. Houve ali uns percalços que nos levaram ao playoff. Não deixa de ser uma época fantástica. Claro que queríamos subir diretamente. 

    Fonte: Cláudia Figueiredo / Bola na Rede

    Bola na Rede: Deve ter sido uma gestão emocional difícil…

    João Silva: Confiámos sempre na nossa estrutura e na nossa equipa. Sabíamos que dependíamos de nós. Foi difícil. O Marítimo não é uma equipa fácil. Fizemos um grande jogo em casa, o resultado até podia ter sido mais volumoso. Sabíamos que ia ser um jogo muito difícil. Tivemos que ir a penáltis, mas correu bem.

    Bola na Rede: Encontras alguma justificação para que as equipas da Segunda Liga se tenham superiorizado às da Primeira nestes últimos três anos em que houve playoff?

    João Silva: Hoje em dia, cada vez mais, a diferença entre Primeira Liga e Segunda Liga é menor. A verdade é que a Segunda Liga também tem grandes jogadores, jogadores com experiência, de grande nível. No playoff, normalmente, a equipa de Segunda Liga vem num momento positivo, semana a semana com vitórias. A equipa de Primeira Liga é o oposto. Estando na parte de baixo da tabela, os jogadores vêm de resultados menos bons, com um pouco mais de instabilidade. Podem ter um plantel superior, mas, mentalmente, se não estás firme, as equipas de Segunda Liga, numa onda positiva, acabam por se superiorizar.

    «QUANDO O EVRA CHEGOU AO ESTRELA JÁ TÍNHAMOS DADO PROVAS DO QUE PODÍAMOS FAZER»

    Bola na Rede: Fizeste toda a formação no Aves. Não é normal um clube da Premier League ir recrutar à Vila das Aves. Tiveste noção do momento em que começaste a ser referenciado pelo Everton?

    João Silva: Fiz a formação toda no Aves, mas, quando era juvenil e júnior, tive várias sondagens para sair, para ir para o Benfica, para o Vitória SC e assim. Acontece que o Aves nunca deu essa abertura. Com idade de júnior, já era chamado aos seniores. No meu primeiro ano de sénior, era titular. Comecei a fazer golos e a jogar com regularidade. Isso ajudou-me muito. Fui sendo chamado à seleção de Sub-20 e Sub-21 e isso deu-me uma visibilidade ainda maior. Aproximaram-se outros clubes. Acabou por ser o Everton. A Premier League era um sonho. As coisas acabaram por acontecer naturalmente.

    Bola na Rede: Consideras que foi um passo seguro que deste na tua carreira uma vez que o salto de nível foi bastante grande?

    João Silva: Hoje, teria feito a mesma escolha, mas cheguei ao Everton e tive pouco espaço. Estavam lá jogadores de altíssimo nível. Queria dar continuidade a jogar. Sabia que ia ser difícil e que me ia ter que adaptar ao país e à língua. Não tive o espaço que pretendia. Havia jogadores como Louis Saha, Yakubu, Tim Cahill, Fellaini, enfim… Fiz a pré-época e estive meio ano com eles. Depois, fui emprestado à Primeira Liga portuguesa. Queria dar continuidade, queria ser convocado aos Sub-21. Na altura, o mister Pedro Caixinha pediu a minha contratação para o União de Leiria. Precisava de golos, precisava de jogar.

    Bola na Rede: Quando foste para Inglaterra, o empréstimo já era algo que estava previsto ou foi algo que foste percebendo que era necessário?

    João Silva: O Everton não me queria emprestar. Achavam que tinha que estar lá a trabalhar e esperar pela minha oportunidade. 

    Bola na Rede: Bebeste alguma coisa dos avançados do plantel do Everton, que acredito que tivesses como referência?

    João Silva: Convivia mais com estrangeiros, com um Mikel Arteta, Louis Saha, Distin, Phill Neville, jogadores desse nível, que me acolheram muito bem. Foi uma experiência incrível. Hoje, faria o mesmo, mas teria atitudes diferentes. 

    Bola na Rede: Por que é que dizes isso?

    João Silva: Era muito jovem. Se soubesse o que sei, teria agido de forma diferente, estaria mais preparado.

    Bola na Rede: Tenho particular curiosidade em relação ao Arteta que tem dado nas vistas como treinador. O que é que o diferenciava já naquela altura enquanto pensador de jogo? Transportou o que era como jogador para o que é agora como treinador?

    João Silva: Naquela altura, já era muito líder, já era capitão, em conjunto com o Phil Neville. Era muito capaz, profissional, sempre muito sério. Era um daqueles com quem convivia mais por ele falar espanhol. Era ele que me levava ao treino e que me trazia. O Arteta era uma pessoa muito respeitada, estava há muitos anos no clube. O atual adjunto dele [Steve Round] era adjunto do David Moyes na altura. 

    Bola na Rede: Exceto no Aves, é na Bulgária que realizas a melhor época (marcas 12 golos, em 2012/13, no Levski). Este rendimento corresponde ao melhor momento da tua carreira?

    João Silva: O Levski foi uma experiência fantástica também. Dei-me super bem. Vivia em Sófia, uma cidade ótima. Fazia golos, jogava e lutava para ser campeão. Não fomos campeões, porque, na última jornada, dependíamos só de nós e empatámos em casa. Isso levou-nos a perder o campeonato. Estádio cheio, foi triste. Falhámos o acesso à Liga dos Campeões. Qualificámo-nos para a Liga Europa. Foi um momento importante da minha carreira. Mas não foi o mais importante, talvez tenha sido em Itália, quando tive a passagem pelo Palermo. Também foi uma época muito positiva, muito boa.

    Bola na Rede: Ainda te lembras de quem substituíste quando te estreaste no Palermo?

    João Silva: Saiu o Dybala, entrei eu, contra o Nápoles. Empatámos 3-3. O Nápoles tinha o Higuain, o Koulibaly…

    Bola na Rede: Entrar para o lugar do Dybala… sem pressão…

    João Silva: Na altura, o Dybala teve o ano que lhe garantiu a passagem para a Juventus. Foi nesse ano que ele explodiu, que fez muitos golos. Foi aí que a Juventus se chegou à frente e comprou-o. 

    Bola na Rede: No Palermo, já se sentia a devoção que hoje se tem por ele em Itália?

    João Silva: Sim. Aquele já era o terceiro ano dele lá. 

    Bola na Rede: Consegues destacar algum jogador que te tenha marcado particularmente?

    João Silva: Podemos falar do Dybala mesmo. O Franco Vázquez, que esteve no Sevilha, também. Foram os dois que fizeram a diferença na frente do Palermo. Tinham uma qualidade acima da média. No Everton, tinha o Pienaar, o Arteta, o Fellaini, tínhamos um grupo de jogadores muito muito interessantes.

    Bola na Rede: Mantiveste contacto até hoje com algum desses nomes?

    João Silva: Claro. O Steven Pienaar mandou-me mensagem a desejar boa sorte para o playoff contra o Marítimo. Não sei se houve influência do Patrice Evra, mas mandou-me mensagem. 

    Bola na Rede: No Estrela, sentiram o impacto da chegada do Evra?

    João Silva: Ele chegou na parte final. Já tínhamos dado provas do que podíamos fazer nessa época. Teve impacto, porque movimentou o Estrela em termos de imagem, mas não afetou o nosso caminho.

    Bola na Rede: Foi ao balneário dar-vos alguma palestra?

    João Silva: Sim, esteve connosco. Deu-nos uma palavra de conforto, para continuarmos a acreditar e confiarmos no mister, porque ia correr tudo bem. 

    Bola na Rede: O que é que ainda gostavas de fazer no futebol?

    João Silva: Estive perto de participar na Champions e não participei. Talvez isso fosse uma coisa interessante e que gostaria de realizar. Ainda é possível.  

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.