«Os treinadores são facilmente descartados independentemente do currículo que tenham» – Entrevista BnR com José Mota

     «Vitória da Taça de Portugal foi lindo de ver e foi unânime que o Desportivo das Aves mereceu aquela conquista».

     

    Bola na Rede: É um dos treinadores com mais jogos na 1.ª Divisão portuguesa. Fala-se, muitas vezes, de um choque geracional entre treinadores – de treinadores considerados “ultrapassados”. Existe, hoje, o caso do Rúben Amorim, talvez, o treinador que melhor representa o que podemos chamar de nova geração. O José Mota tem 57 anos. Sente algum preconceito em relação aos treinadores mais jovens?

    José Mota: É claro que sim. Percebo a sua pergunta: para uns foi tudo muito fácil e para outros foi tudo muito difícil. Mas a verdade é que a vida é mesmo assim. Há um aspeto que é muito importante: os jovens treinadores têm sabido aproveitar a oportunidade, estavam preparados para aproveitá-la e, às vezes, o Futebol proporciona-nos este tipo de situações, o que é muito diferente da maioria das outras profissões onde se decide por contratar quem tem mais experiência, mais currículo… No Futebol português existe, neste momento, uma forte aposta em jovens treinadores, mas também há treinadores que continuam há muitos anos no Futebol e conseguem dar sinal do seu valor. Mas, de facto, em Portugal faz-se uma aposta muito forte nos jovens treinadores. O que tem acontecido é que alguns deles não conseguem agarrar a oportunidade e, salvo raras exceções, depois acabam por se perder pelo caminho. E isso é que é mau…

    Bola na Rede: Acha que têm havido apostas precipitadas em alguns treinadores?

    José Mota: Não vale a pena estarmos aqui a enumerá-las, mas sabemos que há muitas decisões no Futebol português que acabam por não ser benéficas para ninguém: nem para os clubes, nem para os próprios treinadores. A alguns treinadores foi-lhes dada uma oportunidade, mas, entretanto, já foram esquecidos. A verdade é que, neste momento, há muito poucos treinadores de carreira a trabalhar, principalmente nos campeonatos profissionais. E quando digo treinadores de carreira, digo treinadores com dez, 15, 20 anos de Futebol… Há muito, muito poucos… E sabemos porquê.

    Bola na Rede: Porquê?

    José Mota: Primeiro, porque é preciso ter muitas qualidades para se manter ao mais alto nível; segundo, porque os treinadores são facilmente descartados independentemente do currículo que tenham. E ainda são apelidados de estarem “ultrapassados”, quando o futebol nem sequer é isso. Em todas as outras carreiras pensa-se ao contrário, não é? Quando queremos contratar um advogado, o que fazemos? Procuramos um que seja experiente. Quando temos de ir para o hospital, para fazer uma cirurgia, queremos o cirurgião mais experiente, não é? Isso é importante, não é? No Futebol, parece que é um bocadinho ao contrário, mas pronto… Não estou a dizer que os jovens treinadores não têm valor, mas parece-me que se está à procura de novos talentos de uma forma, se calhar, desorganizada.

    Bola na Rede: Também não se instalou uma dinâmica de mercado de treinadores, que antes não existia? Os clubes, hoje, também fazem apostas que, mais tarde, permitem vender treinadores por milhões…

    José Mota: Também, também. Já começa a existir esse tipo de estratégia. Muitas vezes, a frase que os presidentes utilizam é: “Olha, pode ser que dê certo”. E, se der certo, não há problema nenhum… E, depois, há ainda uma série de fatores financeiros, porque, normalmente, estes jovens treinadores também são mais acessíveis, mais baratos. Claro que, por vezes, o barato sai caro.

    Bola na Rede: Os treinadores têm a difícil tarefa de liderar um grupo de trabalho cheio de vedetas… Lembra-se do jogador que mais “dores de cabeça” lhe deu?

    José Mota: Tive alguns jogadores difíceis… Lembro-me de um que era muito irreverente, que até acabou por fazer uma grande época comigo no Paços de Ferreira [em 2000/2001] e, por isso, no ano seguinte acabou por se transferir para o FC Porto. Era um jogador com muita qualidade, mas que não aceitava muitas vezes as regras do próprio Futebol: o Rafael. Muitas vezes, queria fazer as coisas à maneira dele e nós sabemos que o Futebol não pode ser assim. E os treinadores também não podem deixar que isso aconteça. Era um jogador que era muito irreverente, mas, naturalmente, com as lideranças exercidas, ele lá acabava por cumprir as regras.

    Bola na Rede: Ainda mantém objetivos e sonhos por cumprir?

    José Mota: Claro que sim. Tenho 57 anos, mas também sei que ainda tenho muito para dar. A minha carreira tem sido sempre alicerçada de forma sustentada. Não sou pessoa de me deslumbrar, bem pelo contrário. Sei o percurso que fiz, sei que tenho mais de 400 jogos na 1.ª Divisão, mais de 700 no futebol profissional, sei que isso é tudo importante, mas não me deixo adormecer. O que conquistei – quatro subidas à 1.ª Divisão, dois títulos de campeão nacional da 2.ª Divisão, uma Taça de Portugal, o apuramento para a Liga Europa –, faz-me olhar para trás e ter orgulho. Já houve colegas seus que fizeram essa estatística e sei que sou o treinador que deu a oportunidade a mais jogadores de atuarem na 1.ª Divisão, muitos deles jovens, que depois chegaram à seleção A. E isso dá-me muito gosto… Mas continuo a olhar em frente. A pensar no dia de amanhã, motivado como no primeiro dia de carreira.

    Bola na Rede: Teve uma experiência no estrangeiro, embora curta, ao serviço do CS Sfaxien (da Tunísia). Gostava de repetir uma aventura lá fora?

    José Mota: Gostava. E tenho esse objetivo. Gostei muito da experiência na Tunísia, o único problema é que tivemos dificuldades financeiras e comecei a ter salários em atraso. Acabei por ter de vir embora, apesar de, em termos de resultados, as coisas estarem a correr de forma muito positiva. Em meio ano, cheguei às meias-finais da Taça das Confederações da CAF e, em termos de campeonato, também estávamos muito bem. Mas as dificuldades financeiras que o clube atravessava na altura – criando muitas dificuldades não só à equipa técnica, mas também aos jogadores – acabaram por ditar o meu regresso a Portugal.

    Bola na Rede: Regressa a Portugal para fechar a época 2017/2018 no Desportivo das Aves e acaba por conquistar a Taça de Portugal de forma completamente surpreendente. É o momento alto da sua carreira?

    José Mota: Sim, claro. Se é muito difícil chegar a uma final da Taça de Portugal para um clube como o Desportivo das Aves, então vencê-la… ainda mais difícil é. Chegar à final da Taça de Portugal foi sempre um sonho de menino… Vencê-la foi simplesmente deslumbrante. É um momento único e foi o maior momento que tive na minha carreira no Futebol. Foi muito bonito. Aquela final será sempre histórica, a qualidade que demonstramos naquele jogo, tudo resolvido em 90 minutos, sem prolongamento, sem grandes penalidades, contra uma equipa com a qualidade do Sporting… Foi lindo de ver e foi unânime que o Desportivo das Aves mereceu aquela conquista.

    Bola na Rede: E como vê o que aconteceu ao Desportivo das Aves apenas um ano depois? Depois do céu, o inferno… Acredita no conceito de sucesso das SAD no futebol português?

    José Mota: Acho que sim. Aliás, por esse mundo fora vemos que muitos dos grandes clubes estão organizados dessa forma. Vamos a Inglaterra e quase todos os clubes são acompanhados por investidores… Agora, as pessoas que entram para dirigir essas SAD têm de perceber as necessidades dos clubes e aquilo que tem de ser feito. O que acontece, muitas vezes, é que os investidores são estrangeiros e entrega-se as SAD a meia dúzia de pessoas que não têm qualidades para gerir a própria casa, quanto mais um clube. E o que se passou no caso do Desportivo das Aves foi um bocado isso… Quando não sabemos gerir a nossa própria casa, como vamos gerir a casa dos outros? Temos de compreender os aspetos que fazem com que as SAD não funcionem… E o Desportivo das Aves acabou por ser isso que aconteceu. Era um clube que estava em crescimento, que se estava a cimentar e, depois, acaba por acontecer isto… Basta recordar a falta de inscrição nas competições europeias, quando ganhamos a Taça de Portugal, o que acabou por ser uma mancha naquele momento. É algo que não pode acontecer num clube que ganha a Taça de Portugal, uma situação inacreditável. Essa falta de organização acabou por ditar a queda do clube. A culpa é das pessoas que estiveram à frente da SAD do Desportivo das Aves que acabaram por fazer ruir um projeto muito interessante, que poderia ter futuro.

    Bola na Rede: O José Mota vive agora outra fase da sua carreira num clube que conhece bem: o Leixões. Quais são os objectivos neste momento?

    José Mota: O que me trouxe ao Leixões foi uma questão afetiva. Tive aqui dois anos muito bons, na altura, na 1.ª Divisão. As pessoas trataram-me sempre muito bem, foram sempre muito importantes para mim. O Henrique Calisto e o presidente André [Castro] fizeram-me vir para o Leixões para tentar ajudar. Acho que cumpri o meu papel. E, neste momento, estamos já a pensar na próxima época. Vamos ver o que é possível fazer. Temos que ser mais competitivos. Mas lutar sempre fez parte da forma de ser destas gentes de Matosinhos, que vão de certeza querer ter uma equipa forte para fazer uma melhor campanha no campeonato da próxima época.

    Artigo revisto por Gonçalo Tristão Santos

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.