«Se pudesse, tinha evitado sair em litígio com o Benfica» – Entrevista BnR com Hugo Leal

    «O futebol fez, e faz, com que eu me sinta criança todos os dias»

    Bola na Rede: Lá está, saíste do PSG, foste para o FC Porto. O FC Porto estava no pós-Mourinho e pós-Champions e acabaste por não jogar muito, sendo que até foste à Académica. Noutras entrevistas, já elogiaste bastante a estrutura do FC Porto, por isso o que achas que correu mal para não teres vingado de dragão ao peito?

    Hugo Leal: Vinha de três anos em Paris, o último ano tinha sido muito mau e, animicamente, não estava forte nem tinha a confiança de outros tempos. Por outro lado, estava a disputar o lugar com jogadores que tinham a confiança no máximo, ou seja, vinham de ganhar a Liga dos Campeões e não podiam estar numa fase melhor. Portanto, mais do que ser alguma coisa a correr mal, foi a diferença entre o estado físico e o anímico que eu tinha com o daqueles com que eu estava a competir, e como nunca consegui aproximar esta distância. Depois, por iniciativa minha, peço para sair do FC Porto, porque, lá está, não me estava a sentir válido e porque na balança estava a pesar muito coisa negativa e, enquanto encontrasse jogo e jogasse, poderia diluir as dores, então, como não estava a ter isso no Porto, fui para a Coimbra. Assim, encontrei jogo, minutos e um balneário que gostava bastante e que me ajudou a recuperar em todos os sentidos.

    Bola na Rede: Nas tuas últimas nove épocas, jogaste em grandes clubes do futebol português e no Salamanca, tendo uma média 19 jogos por época. Para alguém que tinha algumas limitações físicas, por teres muitas lesões, sentes que te sacrificaste muito, jogaste e treinaste enquanto devias estar em tratamento ou sabias bem os teus limites e não os ultrapassavas?

    Hugo Leal: Acho que esse foi o meu grande problema, mas também a minha grande virtude, aos olhos dos meus colegas de equipa. Todos os que me conhecem sabem que eu fiz esforços para estar sempre disponível para a equipa e hoje pago por esses esforços, ou seja, vou ao cinema e levanto-me devagarinho quando saio da cadeira (risos). Os meus tornozelos não são o suposto para alguém com 41 anos. Sempre fui uma pessoa muito disponível para os demais. Obviamente, as pessoas não querem saber, nem sabem, se tens dores ou não e julgam-te pelo que apresentas em campo e eu estava debilitado. Prejudiquei muitas vezes a minha imagem em prol da equipa, mas não me arrependo.

    Bola na Rede: O que é que tinha o futebol que fez com que não pendurasses as chuteiras mais cedo?

    Hugo Leal: Boa pergunta… Sabes aquela paixão e aquele bichinho pelo jogo? O futebol fez, e faz, com que eu me sinta criança todos os dias. Tenho 41 anos, mas a minha idade mental são 14, sou uma criança num corpo de adulto e isso devo muito ao futebol. Na realidade, é um ambiente que te faz ser menino mais tempo e foi isso que me fez alongar mais a minha carreira, contra dores e contra todas as contrariedades que foram aparecendo, mas a criança queria continuar.

    Bola na Rede: Agora que já não és jogador profissional, podes contar algumas das propostas que recebeste e acabaste por não aceitar?

    Hugo Leal: Posso. Quando estava em Paris, fui convidado para o Zenit de São Petersburgo, mas a minha mulher disse: “Epah, para a Rússia não”. Depois, tive para ir para a Turquia, para o Besiktas. Quando estava no Setúbal, tive uma, que me fez abanar um bocadinho, para jogar na Coreia. Todas elas foram negadas por uma perspetiva de estar perto de casa e, acima de tudo, de estar perto da família.

    Bola na Rede: Depois tiveste uma experiência no Estoril como treinador-adjunto, na época 2014/15. Conta-nos como apareceu o convite, como foi a experiência e se era algo que voltavas a repetir.

    Hugo Leal: Eu era funcionário na SAD, ou seja, prestava serviço à Estoril Praia SAD e estava responsável pela parte da formação e pela intervenção que a SAD tinha na formação. Quando optaram por não dar continuidade ao treinador que estava (José Couceiro), foi-me proposto assumir o processo. Como funcionário da casa, senti-me no dever, mas admito que o desejo de experimentar o processo e de confirmar algumas dúvidas que pudesse ter, referentes à possibilidade de ter valias para ser treinador, fez com que eu aceitasse. Entretanto, o que tinha sido previsto, que era eu estar na liderança do processo, acabou por ser dito que não era bem assim e eu, como prestador de serviços ao clube, acabei por ficar neste registo. Gostei muito da experiência, sobretudo do feedback dos atletas que estiveram comigo, e isso deu-me vontade de seguir uma carreira de treinador. Fiz a formação e tirei o terceiro nível. Agora, com as minhas condições como diretor do clube, não tenho muita facilidade para entrar no quarto nível, porque não sou um candidato com prioridade. No entanto, esse bichinho do treino entusiasmou-me. Candidatei-me para ficar no ano seguinte, mas a escolha acabou por não cair sobre mim e depois, pouco a pouco, fui perdendo o processo do treino. Já tive propostas de outros clubes, inclusive clubes que, na altura, estavam na primeira divisão, mas o facto de me ter de separar da família ou ter de tirar a família daqui, fez com que tivesse negado essas propostas.

    Bola na Rede:  Como jogador, ganhaste um campeonato nacional de juniores, um bicampeonato europeu de sub-16, uma Taça de França, uma Supertaça, também estavas na equipa do FC Porto quando venceram o Mundial de Clubes e ganhaste também o prémio de melhor jogador de sempre a ganhar o Euromilhões. Conta-nos um pouco dessa história.

    Hugo Leal: (risos) Eu sou o gajo que mais vezes ganhou o Euromilhões. Já fiz uma quantidade de brincadeiras referentes ao Euromilhões. Aproveitei-me do facto que, em Espanha, o Euromilhões dava uma hora antes e cá dava depois em diferido, então já tinha os números de antemão e dizia à malta que, se acertasse, dava um milhão a cada um. Sabia que aqueles números iam sair, porque já os tinha. Depois, os meus colegas não queriam acreditar que me estava a sair o Euromilhões e até me chegaram a oferecer serviços sexuais em troca desse milhão. Portanto, já criei muita confusão nesse sentido. Não sou muito confiável nesse registo das brincadeiras. (risos)

    Bola na Rede: Partilhaste o balneário com nomes enormes do futebol mundial. Preud-Homme, Deco, Fernando Torres, Ronaldinho, etc. Qual o que mais te encantou? E qual era o mais divertido?

    Hugo Leal: Como pessoa, o que mais me encantou foi o Gabriel Heinze. Fiz uma amizade muito grande com ele. Tenho muitos e bons amigos, mas esta amizade foi realmente especial, porque me acompanhou no estrangeiro e a convivermos diariamente, isso nunca me tinha acontecido fora do ambiente de trabalho e com tanta regularidade, por isso, destacaria como “a” pessoa. Depois, a nível de qualidade e de alegria que a bola lhe trazia, era o Ronaldinho. Vês no sorriso dele que aquilo era uma alegria constante e era transmissível aos demais, aquele gosto por jogar; era um exemplo extraordinário de viver o futebol na melhor forma. Por fim, divertidos tive muitos. O Cândido Costa, por exemplo, que é divertido por natureza. O caso do Neca, do Zé Pedro, do Luís Filipe. Por norma, criava umas relações porreiríssimas com os meus colegas de quarto, ou eramos colegas de quarto porque tínhamos essa relação, por isso tenho vários colegas muito divertidos.

    Hugo Leal
    Fonte: Estoril Praia

    Bola na Rede: Depois de acabares a carreira, continuaste no Estoril, és o diretor da formação do clube e criaste a Fut4All. Conta-nos um pouco do que fazes agora e em que consiste o projeto Fut4All.

    Hugo Leal: Primeiro apareceu o Fut4All, que era para homens e mulheres, só que o grupo era só constituído por homens e as mulheres não apareciam. Depois, veio o Fut4Women, que é a mesma versão, mas restrita às senhoras. Permite que gente com mais idade, mais peso, menos jeito ou menos objetivos no desporto façam atividade física. É uma desculpa para esquecerem todas as suas responsabilidades ou problemas pessoais e virem fazer uma atividade em grupo. É um espaço para se libertarem de tudo. Depois, a mim também me traz aquele ambiente de grupo, aquelas palhaçadas, portanto, neste registo, continuo a tal criança. Ou seja, acabam por ser dois projetos que me trazem muita felicidade.

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    Alexandre Sequeira Ribeiro
    Alexandre Sequeira Ribeirohttp://www.bolanarede.pt
    Nascido e criado na ilha Terceira, nascido e criado para o futebol. Desde cedo aprendeu, viveu e vibrou com o desporto rei. Com o futebol e a escrita espero proporcionar um espetáculo fora das quatro linhas para todos aqueles que partilhem o gosto pela bola e pelos seus artistas.