«Fui muito desrespeitado pela UD Leiria» – Entrevista BnR com Mateus

    O único bicampeão da Liga 3, conquistou o futebol nacional ao serviço de vários clubes na primeira liga há alguns anos e joga agora no Maia Lidador do Porto. Há quem se lembre dele pelo famoso “Caso Mateus”. Agora, com 39 anos, o avançado angolano Mateus Galiano falou em exclusivo ao Bola Na Rede sobre o estado atual da sua carreira.

    «Ainda me sinto com capacidades de fazer a diferença»

    Bola Na Rede: O Mateus tinha chegado à União de Leiria apenas na época passada mas agora, na atual temporada, viu a sua ligação com o clube ser terminada. Tendo isto em conta, gostaria primeiramente de lhe perguntar como correu, na sua perspetiva, essa passagem?

    Mateus: Quando estava a representar o Torreense na época passada, por volta da altura do mercado de transferências, eu tinha-me lesionado e não estava a ser aposta tão regular como desejava por isso fiquei muito feliz quando recebi o convite por parte do União de Leiria. Apesar de baixar um escalão, para a Liga 3 na altura, vi com muito bons olhos a mudança para o clube. Eles são um histórico português e tinham um bom projeto para tentar alcançar a subida, o que me motivou bastante para me mudar, eu queria lutar por esse tipo de objetivos. A experiência lá foi boa, conseguimos atingir o principal objetivo, que era a subida, e ainda conseguimos acrescentar o título de campeão. Apesar de eu não me ter destacado tanto como no ano anterior, na subida do Torreense, muito por conta da lesão com que fui, acabei mesmo por me tornar bicampeão da Liga 3, algo inédito até.

    Bola Na Rede: Mesmo depois de tudo isso, o clube colocou-o a treinar à parte dos seus colegas e forçou a sua saída. Sentiu-se desrespeitado nesse momento?

    Mateus: Sim, fui muito desrespeitado pela UD Leiria na forma como todo esse processo foi gerido e continua a ser. Quando cheguei era visto como uma boa contratação para a equipa, e mesmo tendo vindo lesionado, o clube acreditou em mim e naquilo que eu poderia fazer. Depois de voltar à minha melhor forma física e de termos conquistado os objetivos, ia entrar para nova época de forma ambiciosa, pois, visto que não tinha começado a última temporada desde início, só agora é que iria ter essa oportunidade. No entanto, foi nessa altura que me informaram que não contavam comigo. Pela forma como consegui ajudar o clube penso que merecia um tratamento diferente. Contudo, tinha mais pessoas na mesma situação do que eu. Colocavam-nos, à parte, a treinar num sintético no pico máximo do calor, não comíamos à hora que o resto da equipa o fazia, nem sequer tínhamos acesso ao mesmo tipo de alimentação. Para além disso, não tínhamos o mesmo acompanhamento, não tínhamos sequer acesso ao ginásio também, por exemplo. Muitos clubes hoje em dia usam esse tipo de ações contra os atletas quando já não contam com eles e desrespeitam a sua integridade dessa forma para tentar fazer com que abandonem o clube. Acabam por contornar a lei ao dizer que estão a dar as condições necessárias ao atleta quando na verdade protagonizam episódios desse género. Aconteceu comigo e com mais colegas, infelizmente.

    Bola Na Rede: Tendo em conta o facto de que o União ambiciona voltar ao mais alto patamar do futebol português e tem vindo a conquistar muita atenção nas últimas épocas, sente que desta forma o Leiria mancha a reputação que vai reconstruindo?

    Mateus: Eles estão a tentar construir uma boa reputação no futebol nacional, claro, mas há sempre episódios que acabam por manchar a imagem do clube. Neste momento, se alguém que vai para a UD Leiria me perguntar sobre a minha experiência eu vou dizer sempre a verdade, aquilo que aconteceu comigo. Isto tem sido um esquema recorrente em muitos clubes, infelizmente. *

    *A UD Leiria refere, após contacto com o Bola na Rede, que o contrato de Mateus Galiano terminava no dia 30 de junho de 2023, e que havia opção por mais uma época. No entanto, o mesmo não foi renovado.

    Bola Na Rede: Terminada a ligação com o Leiria, encontra-se agora no Maia Lidador, da Associação de Futebol do Porto. Considerando a fase atual da sua carreira, quais são as suas ambições para o futuro?

    Mateus: Eu vim para o Maia Lidador de uma forma, digamos, aleatória até. Enquanto estava a resolver o meu processo com o Leiria, e passei por todos aqueles episódios, decidi pedir uma dispensa que o clube acabou por autorizar. Nessa altura eu ia-me preparando da melhor maneira possível enquanto decorriam as negociações entre o clube e o meu advogado. Primeiro treinava sozinho, apenas a cumprir um plano que seguia, mas depois, por conta de amigos que estavam a treinar no Maia, acabei por receber convites para me juntar aos treinos deles de forma a não treinar sozinho. Aceitei para ir mantendo a forma em grupo, o que é sempre melhor do que manter a forma individualmente. Os dias foram passando, eu andava sempre a treinar bem, e como é natural as pessoas não são cegas. Viam-me a treinar ali, acabado de sair da Segunda Divisão, a fazer coisas muito boas nos treinos e foram sempre falando comigo de forma a que eu ficasse efetivamente lá. O tempo foi passando e eu fui pensando também, nos prós e contras, naquilo que poderia fazer ali num nível mais amador, e acabei mesmo por aceitar a proposta. Agora vou ajudar o clube a fazer uma boa época, a tentar subir de divisão, e vou mantendo a forma de uma maneira competitiva também. Já levo uns golos nos jogos que fizemos, a estrutura acredita em mim por isso está tudo a correr de forma positiva. Por outro lado, também já conclui o primeiro nível de treinador e já vou começando a dar uns treinos aos mais pequenos, por isso, quem sabe, daqui a um tempo posso vir a seguir esses caminhos.

    Fonte: FC Maia Lidador

    Bola Na Rede: A realidade é que já fez épocas muito boas depois dos trinta anos. Acha que seria uma peça útil em escalões superiores?

    Mateus: Sim, eu continuo a jogar sempre na expectativa de que possa surgir um clube de um patamar superior. Ainda me sinto com capacidades de fazer a diferença e procuro inspirar-me em casos de outros colegas de outras ligas, alguns com mais idade que eu até. Neste momento não surgiram esse tipo de propostas, mas, com aquilo que tenho feito e vou fazer no Maia, se a veia goleadora continuar e conseguir sempre ajudar a equipa, sei que poderei ser abordado por outros projetos.

    Bola Na Rede: A Primeira Liga seria um cenário possível para si?

    Mateus: A Primeira Liga já não é algo que eu almeje, que esteja ainda no meu pensamento e no meu horizonte. Acho que já lá deixei a minha marca, já fiz o que tinha de fazer lá. Se surgisse essa oportunidade eu provavelmente aceitaria, mas não jogo a pensar que lá vou voltar, não é essa a minha principal motivação.

    Bola Na Rede: Qual seria o seu cenário ideal então?

    Mateus: Provavelmente a Segunda Liga numa equipa com um projeto aliciante, com que me identifique. Até a própria Liga 3 seria um cenário viável, novamente numa equipa com um projeto de subida. São coisas em que me revejo muito mais.

    Bola Na Rede: Ou seja, face a todo o envolvimento em volta da sua carreira e do seu futuro, nunca pôs em causa pendurar as botas?

    Mateus: Sinceramente, desde que cheguei à casa dos 30 anos, esse pensamento vai pairando sobre a minha cabeça. Até pelo facto de ultimamente vir assinando contratos de um ano apenas, com outro de opção em certos casos, mesmo precavendo essa possível necessidade. Não foi algo que eu pensei profundamente porque já é um pensamento que estava presente, mas, neste momento por exemplo, no Maia, sinto que gosto mesmo de jogar à bola, sinto que ainda posso divertir-me, sem a pressão das ligas profissionais e de outros patamares. Nesta fase tenho jogado mais para espairecer, aproveitar, e até ocupar o tempo enquanto me vou dedicando noutras coisas paralelamente.

    Bola Na Rede: Sendo assim olha para a carreira de treinador como o passo a seguir?

    Mateus: Sim, é uma opção viável, pode ser um caminho a seguir no futuro sem dúvida. No entanto, não fecho as portas a outras coisas também.

    Bola Na Rede: No que diz respeito à Primeira Liga portuguesa, Mateus já foi protagonista inúmeras vezes no maior palco nacional, ao serviço de clubes como Nacional, Boavista, Gil Vicente, Arouca, etc. Agora, alguns anos depois da sua última passagem, ainda segue o campeonato com muita atenção? Com que clube sente uma ligação mais forte?

    Mateus: Acompanho a primeira liga de forma atenta sim, gosto muito de ver futebol, gosto bastante de ver os jogos dos clubes por onde passei, no entanto, a equipa que sigo de forma mais afincada e que tenho uma melhor relação é sem dúvida o Boavista. Eles agora estão a fazer um início muito bom, muito promissor. Se eles conseguirem continuar desta forma, os ativos vão aumentar e vão certamente conseguir fazer boas vendas. Isto porque a realidade é que, tendo em conta o panorama atual do clube, os recursos financeiros vão ser muito importantes para que se consigam manter a um bom nível.

    Bola Na Rede: Onde é que sente que foi mais feliz em toda a sua carreira?

    Mateus: A questão da felicidade é um pouco relativa. Na Madeira, ao serviço do Nacional, passei momentos inesquecíveis, momentos fantásticos a nível desportivo e para além disso adorava viver lá, na Madeira. No Boavista, apesar de não ter conseguido feitos tão relevantes, criei uma relação emocional com as pessoas do clube, com a massa adepta, muito forte. É uma decisão complicada, escolher entre os dois. Como disse, no Nacional alcancei mais a nível desportivo mas o Boavista é aquele clube que eu sinto uma maior ligação, com que me identifico mais. É um clube de grandes valores, muito apaixonado, muito fervoroso, sinto coisas ótimas em relação ao Boavista.

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    Guilherme Terras Marques
    Guilherme Terras Marques
    Orgulhoso estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vê no futebol e na sua cultura uma paixão. É apenas mais um jovem ambicioso que sonha fazer do jornalismo desportivo a sua vida. Escreve com o novo acordo ortográfico