«Jorge Mendes perguntou-me onde queria jogar. Dois dias depois assinei pelo Benfica» – Entrevista BnR com Fábio Faria

– Da Ribeira até à Foz –

“Quando saio do elevador estou no escritório do Luís Filipe Vieira”

BnR: Estreias-te pela equipa principal do Rio Ave por pressão de Jorge Mendes?

FF: Certo. Como já disse, assinei o primeiro contrato profissional com 16 anos e estreei-me pouco tempo depois, num jogo para a Taça, em que ganhámos 2-1 e até marquei na própria baliza. Apesar do autogolo, o jogo correu-me muito bem, mas sabia que estava a jogar porque o Rio Ave estava a passar uma situação muito difícil – estávamos com ordenados em atraso. “Se querem dinheiro, têm de pôr o Fábio Faria a jogar”, disse o Jorge Mendes à direção do clube.
Entretanto surgiu a oportunidade de ir treinar ao Chelsea de José Mourinho, mas foi numa semana complicada porque iam jogar a meia-final da Champions com o Liverpool e acabaram por ser eliminados. Ainda assim tive oportunidade de fazer dois treinos com a equipa principal que me correram muito bem; o Mourinho, que tinha sido colega do meu pai no Rio Ave falou-me dele, perguntou-me como estava a família e acabou por dizer-me que já me conhecia, que o Jorge [Mendes] já lhe tinha falado de mim, mas depois de estar comigo ficou ainda mais bem impressionado e que as coisas podiam dar certo. O Jorge Mendes também me disse que a transferência estava bem encaminhada, só que o Mourinho no final da época foi embora e a mudança não se concretizou.
O Jorge ainda conseguiu que eu fosse treinar ao Sampdoria, mas não gostei tanto. Sais de um Chelsea com aquela academia, que tem para aí uns 20 relvados, e chegas a um clube que, apesar de não ter desgostado – Génova é uma cidade muito bonita, a academia também era “engraçada” – não tem nada a ver. Por exemplo, em Londres fiquei num hotel cinco estrelas ao lado do estádio; em Itália fiquei numa pensão onde estavam os jogadores todos e comia massa todos os dias. Eles até queriam ficar comigo, mas o Rio Ave pediu um valor que o Sampdoria não quis pagar. Então continuei em Portugal e só aos 20 anos é que me mudei para o Benfica.

BnR: Antes disso, fazes três épocas pelo Rio Ave, ainda que nas duas primeiras tenhas jogado muito pouco. Aquele jantar na Foz, em casa do Jorge Mendes, mudou tudo?

FF: Sim, isso aconteceu no meu segundo ano de seniores. Fui convocado pela Seleção sub-21 para o Torneio da Lusofonia, em Lisboa, no qual fiz os jogos todos e perdemos com Cabo Verde na final. Por isto, perdi a pré-época toda e quando regresso aos treinos do Rio Ave faltavam apenas duas semanas para começar o campeonato. O treinador manteve-se – era o Carlos Brito – e eu estava um bocado triste, porque sem pré-época e com apenas uns 60 minutos jogados na época anterior achei que ia continuar sem jogar, mas não foi assim: quando cheguei, ele deu-me logo moral e disse-me que contava comigo; que era eu que ia começar o campeonato e assim foi. Os primeiros três jogos correram-me muito bem (…) espera, deixa-me voltar atrás.
O Jorge Mendes tem algumas pessoas que trabalham para ele (…) e durante esse período senti que não tive tanto apoio quanto o que precisava. Ele tinha sido o meu único empresário desde os 16 anos e o nosso contrato estava a acabar, porque os contratos com os empresários são de dois em dois anos. Foi quando apareceu outro empresário, através do Gaspar [defesa-central do Rio Ave à época], que estava interessado em representar-me. “Tenho ali um empresário que pode ajudar-te”, disse-me o Gaspar. Fui falar com ele, gostei da abordagem, disse que ia pensar, mas que à partida ia ficar com ele. Esta conversa foi num café ali na Foz e, quando estou a chegar a casa com o meu pai, liga-me o Camacho, que trabalha para o Jorge Mendes “Então vais trocar de empresário?” e eu “Fod***, como é que já sabes?”. “É que o vice-Presidente do Rio Ave ligou-me agora a dizer que a partir de agora tens outro representante”. Disse-lhe que apesar de ainda não ter assinado nada, ia assinar por ele, ao que ele me responde que dentro em breve o Jorge ia ligar-me – e não falávamos para aí há uns três anos. Passado uma hora tinha uma chamada de um número com indicativo espanhol “Então, Fábio, já assinaste pelo Artur?”, perguntou-me o Jorge. Disse-lhe que ainda não, ao que ele me respondeu “Então não assines, porque tenho umas coisas boas para ti”… aquelas abordagens normais do Jorge, que não deixa ninguém falar; [risos] mas ele é mesmo convincente! Disse-lhe que nunca se preocuparam comigo quando não jogava e que só se lembraram de mim porque ia mudar de empresário… “Então o que é que vais fazer amanhã à noite? Não marques nada porque vais jantar a minha casa e traz o teu pai”. A meio do jantar, pergunta-me “Onde é que querias jogar?”. E eu “Ó Jorge, sou do Benfica desde pequeno, mas há outros clubes na Europa que também me agradavam”. “Gostaste de estar no Chelsea? Percebes inglês? Espera aí, vou ligar a uma pessoa”. Ligou para o Peter Canyon [ex-diretor-desportivo do Chelsea] e começou a perguntar-lhe se se lembrava de mim e mais não sei quê. “Não o queres? Então vais ver para onde é que ele vai!”. Depois do jantar, trouxe-me um contrato e assinei por mais dois anos com ele.
Isto foi numa quarta-feira. No sábado íamos jogar com o SC Braga e sexta-feira, depois do treino, tenho quatro chamadas dele. Afastei-me do grupo – porque já sabia mais ou menos qual era o motivo da chamada – e quando lhe devolvo as chamadas ele diz-me “Onde é que andas? Consegues estar em Lisboa ao final da tarde?”. “Consigo, mas amanhã tenho jogo”. “Não te preocupes, está tudo resolvido”, tranquilizou-me. Falei com o meu pai, metemo-nos no carro e, quando estamos a chegar à Expo, o Camacho liga-me e pergunta-me se sou eu quem está a conduzir; disse-lhe que não, e ele perguntou-me se conseguia passar para o banco de trás para ninguém me ver. Quando chego ao local, entro por uma garagem e ele e o Jorge vêm buscar-nos. Quando saio do elevador, estou no escritório do Luís Filipe Vieira.

Fonte: Facebook Fábio Faria

BnR: Não desconfiavas da pessoa com quem ias reunir?

FF: Não, porque o Jorge tinha-me dito “Estou a sair de Madrid, mas encontramo-nos em Lisboa” e eu pensei que, como estava em Espanha, ia levar-me para uma equipa espanhola; nunca associei ao Benfica. Quando saio do elevador, percebo tudo. Fiquei mais descansado quando fomos para o escritório e já lá está o Presidente do Rio Ave; até vim com ele para cima, porque também tinha ido de Luanda diretamente para Lisboa por causa da minha transferência. No dia a seguir tinha de estar às 10:30 no treino pré-jogo, mas estava super tranquilo, apesar de nem ter dormido nessa noite.
Uma das coisas mais engraçadas é que não podia contar a ninguém, porque o contrato só podia ser revelado em dezembro; queria contar aos meus amigos, mas não podia. Até que passadas duas semanas veio nas capas dos jornais… alguém abriu a boca. A partir daí liguei ao Jorge e disse que não conseguia mentir aos meus colegas e foi quando tive autorização para dizer a verdade.

BnR: Como foi a abordagem de Luís Filipe Vieira?

FF: Espetáculo! Tirou-me logo o nervosismo todo. Para te ser sincero, só me lembrei de perguntar quanto é que ia ganhar depois de assinar.

BnR: Sei que os números eram baixos. De que valores estamos a falar?

FF: Fui ganhar duas vezes mais o que ganhava no Rio Ave – e ganhava pouco. Prefiro não falar de valores, mas se calhar o salário de um jogador de Primeira Liga das equipas com orçamentos mais baixos. Mas é normal, porque o meu contrato era por objetivos: se fizesse dez jogos a titular recebia um bónus, se fizesse vinte idem. Mas só depois de assinar é que comecei a fazer contas: ir para Lisboa, alugar casa… pouco me ia sobrar. O meu pai ainda disse ao Presidente que era muito pouco, mas a resposta foi que se começasse a jogar me aumentavam o contrato – olha, foi o mesmo contrato que fizeram ao Coentrão – e o Jorge também me deu a garantia que, se não jogasse, me arranjava outro clube. Acabei por ir para Espanha ganhar quatro vezes mais.

BnR: Havia outras propostas?

FF: Surgiu a oportunidade de ir para o FC Porto, mas não deu os valores pretendidos pelo Rio Ave… pelo menos foi o que me disseram. O Jorge disse-me que havia uma equipa de Espanha interessada em mim, mas que fui para o Benfica porque o Luís Filipe Vieira lhe disse que eu era um pedido do Jesus, que já me conhecia há muito tempo. Aliás, ainda ele estava nos Belenenses e já me queria contratar, era eu júnior. Mais uma vez, o Rio Ave pedia muito dinheiro e o negócio não avançou. O Jorge Jesus queria-me para lateral-esquerdo desde o início no Benfica, porque o Fábio [Coentrão] ainda não jogava nessa posição quando ele chegou à Luz.

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