«Não tenho dúvidas de que o Palmeiras podia ter batido o Flamengo de Jorge Jesus» – Entrevista BnR com Paulo Turra

    “O Boavista é o quarto grande”

    BnR: Entrou num Boavista treinado por Jaime Pacheco e que tinha acabado de conseguir o incrível feito de ser campeão nacional. Tal como referiu, também ia jogar a Liga dos Campeões. Que memórias guarda desse tempo?

    PT: Nesse tempo, o Boavista já jogava um futebol moderno. Era criticado, porque era um futebol muito duro e viril, de muito contacto, mas tinha grandes jogadores. Naquela época, os dois extremos do Boavista acompanhavam os dois defesas laterais do adversário. Hoje, vemos muito isso acontecer. Por exemplo, vês um Vinícius Júnior ou um Rodrygo no Real Madrid a fazer esse trabalho. O Boavista fazia isso em 2001/2002 com os extremos Duda, Martelinho… Era uma equipa que, por estar há muito tempo junta e com o mesmo treinador, tinha um padrão de jogo bem definido. Foi um modelo de jogo com muito sucesso, porque ser campeão português, num país como Portugal, com três grandes clubes, chegarmos à segunda fase da Liga dos Campeões, defrontando Borussia Dortmund, Liverpool, Manchester United, Dínamo Kiev e Nantes, não é qualquer equipa que consegue obter sucesso. Mais, no ano seguinte, chegámos às meias-finais da Taça UEFA, onde perdemos com um golo aos 79 minutos do jogo da segunda mão frente ao Celtic. O Boavista tinha jogadores extremamente técnicos, com qualidade e, acima de tudo, identificavam-se com o clube.

    BnR: Falou no acompanhamento dos laterais. É por isso que os sistemas de três centrais têm pegado tanto pela Europa fora?

    PT: É mais uma moda do futebol moderno, tal como marcar em bloco alto. Aqui, no Brasil, ainda há poucas equipas a jogar com três centrais, mas em breve isso vai acontecer. No Brasil temos um problema: tudo o que vem de fora é bom, o que é feito aqui não é bom. Temos a mania de copiar. É por isso que no Brasil não estão a aparecer tantos bons jogadores, particularmente atacantes com velocidade, com habilidade, com improviso e com discernimento, porque os treinos que são dados durante a semana são todos burocráticos. Eu e o professor Felipe (Scolari) não fizemos isso. Nós priorizamos, do meio campo para a frente, toques livres para os nossos avançados, porque eles têm que ser instigados a driblar, com responsabilidade, e a decidir. Não é simplesmente robotizar um jogador. O Brasil sempre foi conhecido pela qualidade individual, pelo improviso, pela técnica e pelo jogar bonito, mas nos últimos tempos estamos a robotizar. Voltando aos três centrais, não me surpreende. Daqui a uns anos vai ficar para trás. São momentos no nosso futebol.

    BnR: Ainda no Boavista, que histórias tem para contar desse tempo?

    PT: Muitas. Tenho guardados todos os recortes de jornais, que falavam de mim ou da minha equipa, do tempo em que estive no Boavista e no Vitória de Guimarães. Lembro-me que quando fomos jogar pelo Boavista contra o Liverpool, na estreia na Liga dos Campeões, foi a 11 de setembro de 2001… atentado terrorista… World Trade Center… Estávamos em Liverpool e a minha irmã liga-me: “Paulo, vocês estão bem? Ligue a televisão!” Depois percebi o que estava a acontecer. Empatámos esse jogo 1-1 e o nosso voo de volta teve que ter uma autorização especial do governo inglês, porque o espaço aéreo estava fechado. Lembro-me também que quando fomos jogar contra o Borussia Dortmund apanhei o Jan Koller, um ponta-de-lança com 2,13m e que calçava o 53. O Jaime Pacheco disse que os centrais iam ter que calçar saltos altos para o poderem enfrentar [risos]. Outra, durante um treino, na semana em que íamos jogar a meia-final da Taça UEFA em Glasgow, fraturei o nariz. Disse que ia jogar com o nariz partido. O doutor disse que podia fazer pior se jogasse, então fui até Lisboa e fiz uma máscara à minha medida. No dia do jogo, sou informado de que o árbitro podia não autorizar a máscara e eu disse: “Eu jogo com ou sem máscara!”. No fim, acabou por autorizar e eu joguei com ela.

     

    BnR: Em 2003/2004 é treinado por Erwin Sánchez com quem já tinha partilhado o campo. Como foi essa adaptação?

    PT: Foi uma grande surpresa. Ele era acima da média, dentro e fora de campo. Dentro de campo, deve ter sido o melhor “10” com quem joguei. Era um líder, apesar de não ser o capitão. Fora de campo era espetacular. Sendo treinado por ele, tínhamos muita intimidade. Ele ouvia muito a opinião dos jogadores.

    BnR: Jogar nos axadrezados foi o melhor momento da sua carreira?

    PT: Foi. No Palmeiras também tive bons momentos. No Caxias conquistei um título inédito. Tive vários bons momentos, mas no Boavista foi um momento especial. Identifico-me muito com o clube e, hoje em dia, ainda tenho muitos adeptos que me contactam.

    BnR: Depois, em 2004/2005, muda-se para o Vitória de Guimarães. Fale-me dessa experiência.

    PT: O Vitória de Guimarães era o maior rival do Boavista. Acabei por ir para o Vitória de Guimarães por uma situação inusitada. Quando cheguei lá, os meus companheiros (outrora adversários) disseram-me que ficaram com muita raiva quando souberam que eu ia para o clube, porque eu era muito chato quando jogava contra eles. Eu tinha a minha maneira de jogar. Gritava e entrava firme. Contra o Vitória de Guimarães, por ser um clássico, os nossos jogos eram quentes. Quando fui para lá eles achavam isso. Tínhamos um grupo muito forte, com adeptos muito apaixonados e muito fiéis, foi um grande ano.

    BnR: Tinha contrato por um ano com outro de opção. Porque não quis renovar?

    PT: Era opção do presidente. Tivemos essa grande campanha, íamos disputar a Taça UEFA no ano seguinte, mas o presidente resolveu fazer uma reformulação no plantel, incluindo o treinador. Quem acabava contrato foi dispensado. A equipa tinha provas dadas e não tinha que ser reformulada, pelo contrário, devia ter sido dada continuidade. A prova de que ele estava errado é que, no ano seguinte, o Vitória de Guimarães desceu de divisão.

    BnR: Quem é o quarto grande de Portugal?

    PT: Pelo histórico que tem, o Boavista é o quarto grande. O Vitória de Guimarães e o Braga estão numa ascensão muito boa, mas o Boavista foi campeão português, disputou a Liga dos Campeões contra grandes equipas… Por mérito, o Boavista hoje é a quarta equipa, mas não vou tirar mérito ao Vitória de Guimarães e ao Braga que têm duas massas associativas muito fortes. É bom para o futebol português ter equipas que façam frente aos três grandes e que tenham bons desempenhos nas competições europeias.

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.