«Eusébio, Chalana e o Ronaldo, são os três melhores jogadores portugueses» – Entrevista BnR com Álvaro Magalhães (parte 1)

    BnR: Estiveste em duas finais europeias pelo Benfica, em 1983 contra o Anderlecht na Taça UEFA e em 1988 contra o PSV Eindhoven na Taça dos Campeões Europeus. Qual das finais custou mais perder?

    AM: As duas. Na primeira mão, em Anderlecht, fizemos um grande jogo e a outra final com o PSV… Nas grandes penalidades é uma lotaria. Na Taça dos Campeões Europeus fizemos uma grande fase final e sofremos só um golo, contra o Anderlecht, de livre. Depois na final não sofremos nenhum golo, tínhamos uma defesa fantástica. Tivemos a infelicidade, temos que reconhecer isso, de perder uma das peças fundamentais para aqueles grandes jogos, o Diamantino, que fazia a diferença lá na frente. Era o melhor jogador que tínhamos no setor ofensivo, pela experiência e pela sua qualidade, e gostava destes jogos. Mas demonstrámos que em Portugal há grandes jogadores, grandes treinadores.

    BnR: Sentes que naquela altura o Benfica assumia mais a dimensão europeia do que hoje em dia?

    AM: Sim, muito. Não quero estar a fazer nenhuma crítica atual mas não há dúvida que nessa altura as noites europeias… os adeptos valorizavam muito, aquilo era uma loucura. Na altura eram 120.000 pessoas no estádio, na meia-final contra o Steaua de Bucareste foram 130.000.

    BnR: As famosas noites europeias à Benfica.

    AM: Exato, noites europeias à Benfica, isto fala-se ainda hoje… Hoje em dia vamos jogar para a Liga dos Campeões e é… o Benfica tem um carisma especial para essas noites europeias. Eu era miúdo e ouvíamos o relato do Benfica a jogar contra equipas de grande nível e a bater-se com elas olhos nos olhos. Havia noites europeias em que o Estádio da Luz era um inferno, era impressionante. As equipas quando vinham cá jogar eram massacradas pela qualidade dos jogadores e pelo público, era um ambiente… Os adeptos do Benfica, para mim, são o 12º jogador, são das peças mais importantes no clube porque são eles que levam o Benfica à vitória. Assobiam de vez em quando? Ok, é bom sinal, é a exigência do clube, é o querer ganhar e os jogadores têm que estar preparados para isso.

    BnR: Ao serviço do Benfica, enquanto jogador, conquistaste quatro Ligas, quatro Taças de Portugal e duas Supertaças. Algum destes troféus teve um sabor mais especial?

    AM: Todos os campeonatos foram importantes mas há um que me marca porque fiz os jogos todos, o de 1983/84, para além da Taça, que vencemos, e competições europeias. Até ganhei o prémio Somelos-Helanca d’A Bola, ainda eram 40 contos, na altura era dinheiro. Isto tudo combinado com o Campeonato da Europa em França, onde também jogo a grande nível. Nesse ano fui considerado o melhor lateral esquerdo de Portugal e o melhor lateral esquerdo do Campeonato da Europa.

    BnR: No Benfica foste treinado por Baroti, Eriksson, Csernai, John Mortimore e Toni. Com qual deles tiveste melhor relação?

    AM: Tirando o Csernai, dei-me bem com todos eles. Com o Csernai não houve relação nenhuma com os jogadores, ele tinha uma mentalidade diferente dos outros. Vinha do Bayern de Munique e como foi o ano da construção do terceiro anel ele pensava que o Benfica estava em obras… Facilitou demasiado. Só graças à capacidade dos jogadores, a sua inteligência e os adeptos é que ainda conseguimos ganhar a Taça de Portugal. Ele não era mau treinador mas estava naquela fase já com pouca ambição e o Benfica tem que ter treinadores com ambição. A seguir veio o Mortimore, que veio dar outra vez a tal mística e ambição, e conseguiu ter sucesso. Depois veio o Toni, que “bebeu” dos treinadores que teve enquanto jogador e depois como adjunto e isso foi muito importante na sua carreira, era muito forte taticamente.

    -Saída do SL Benfica e a longa paragem por lesão-

    BnR: Quando sais do Benfica ainda jogas pelo Estrela da Amadora e pelo Leixões. Como foi sair do clube ao fim de tantos anos?

    AM: Foi triste. Se fosse hoje se calhar eu tinha tido outra atitude. Nós somos irreverentes quando somos jovens, às vezes pensamos com os pés. Às vezes temos que ter um certo cuidado mas também isso é a irreverência da própria pessoa. Eu quis sair, não vou falar mal da pessoa, mas não entenderam que um profissional tem que ser tratado com respeito.

    BnR: O que se passou em concreto?

    AM: Um profissional de futebol muitas vezes tenta fugir do seu habitat à procura de alguém que possa ajudar e eu fui prejudicado. Quando eu tenho razão, tenho razão e vou até às últimas, quando não tenho eu peço desculpa e calo-me. Fui trabalhar com o Prof. José Neto, que era ligado ao FC Porto. Ele é um Homem com “H” grande e, para além do seu profissionalismo, era o melhor recuperador de atletas após a cirurgia. Eu procurei-o para me recuperar nas férias, disse-lhe “Professor, eu preciso de estar bem no início da época e só você é que me pode pôr bem”, porque o Benfica não tinha ninguém competente. Isto é a realidade, digo aqui e em todo o lado, não tinha ninguém competente para me recuperar. Pedi ao Prof. José Neto para me recuperar no campo, porque eu fui bem recuperado pelo António Gaspar, que agora é fisioterapeuta da seleção e nem fazia parte do Benfica mas trabalhava no Hospital dos Capuchos. E foi o médico do Benfica, o Dr. Levy Aires que me levou ao Hospital dos Capuchos para recuperar após a cirurgia. Uma coisa é a recuperação da cirurgia, outra coisa é depois no campo.

    BnR: E isso caiu mal no Benfica?

    AM: Caiu mal no Benfica, que estiveram mal e eu quis sair. Logo no início da época criei situações para sair porque era uma falta de respeito o que me estavam a fazer, eu gastei dinheiro do meu bolso para me recuperar e mostrei isso no início da época na Holanda. Chegámos cá e não me puseram a jogar na apresentação da equipa só para mostrarem às pessoas do Benfica que eu ainda não estava recuperado. Era mentira, eu era o melhor jogador na altura na minha posição e o melhor jogador em termos físicos no início da época.

    BnR: Como foi essa recuperação com o Prof. José Neto?

    AM: Antes de começar a época andei dois meses em Paços de Ferreira e no Algarve a recuperar para chegar ao início da época a 101%. Eu voava, estava muito bem fisicamente. Fui vítima de pessoas que não olharam para o Benfica, olharam para o seu ego e não olharam para o atleta. Aí fiz tudo para sair mas acabei por ficar esse ano. Passados três ou quatro meses o Eriksson veio perguntar-me porque é que eu me ia embora e na altura um jogador quando jogava um jogo ficava logo preso. Ele tentou convencer-me mas eu queria ir-me embora, até tinha convites de equipas no estrangeiro e, porque não me sentia bem, fiquei um bocado revoltado. Se fosse agora, não tomava essa atitude.

    BnR: Agora tens outra idade, outra maturidade…

    AM: Sim, devia ter tido mais calma. Eles falaram, eu não dizia nada e tinha jogado mais seis ou sete épocas no Benfica. Foi uma pena.

    BnR: Nessa altura foste abordado por algum dos grandes?

    AM: Fui. Quando eu digo que quero sair do Benfica sou logo abordado pelo Sporting e o FC Porto também estava interessado nessa altura.

    BnR: Quem te abordou?

    AM: O Sousa Cintra. Falou comigo e ofereceu dinheiro ao Benfica para me libertarem mas o Benfica não deixou. O Jorge de Brito, presidente na altura, disse “Não, não, este é um jogador à Benfica, não pode sair daqui”. Como tinha mais um ano de contrato, andei e disse ao mister que tinha de ficar porque não me deixavam sair. Eu renovei contrato antes das férias por amor aos sócios do Benfica, tinha um amor e um carinho especial pelos adeptos do Benfica. Tive convites antes de renovar do Porto e do Sporting também, mas preferi sempre o Benfica. Aliás, o Pinto da Costa chegou a dizer-me, à frente do Fernando Martins, “Álvaro, o que tu representas para o Benfica é a mesma coisa que o João Pinto representa para o Porto, pela mística, pela entrega ao jogo, portanto se quiseres vir para o Porto as portas estão abertas”. Grande homem, já respeitava o Pinto da Costa e fiquei a respeitar ainda mais.

    BnR: Como correram as coisas no Estrela e no Leixões?

    AM: No Estrela da Amadora estava a fazer uma época fantástica e tive um azar tremendo, parti o braço numa altura em que já estava convocado para a seleção.

    BnR: Foste treinado por quem?

    AM: Apanhei o início do José Mourinho ao lado do Manuel Fernandes. Eu estava no auge, como se estivesse no Benfica, tinha jogado contra o Porto para a Supertaça e ganhámos 2-1. O próprio Eriksson foi ver o jogo e vim a saber por outras pessoas que ele perguntou como é que era possível eu ter saído do Benfica. Eu ia regressar a um clube grande, até podia ser ao Benfica outra vez, porque estava numa forma fantástica.

    BnR: Como foi o Mourinho como treinador-adjunto?

    AM: O Mourinho foi um miúdo que, mesmo jovem, me acompanhou e me treinou bem, ajudou-me até na parte psicológica. Sair do Benfica para o Estrela da Amadora, depois de tantos anos, foi um desafio e eu tinha de demonstrar que estava vivo. Nós tínhamos uma equipa muito forte, eu estava a fazer uma época boa e tive um azar quando estava convocado para a seleção.

    BnR: O que se passou exatamente?

    AM: Parti o braço num jogo contra o Tirsense e estive ali cinco ou seis meses quase sem competir. Foi a partir daí que as coisas se complicaram. Se não tenho essa infelicidade… eu estava convocado para a seleção, íamos jogar contra a Holanda nas Antas, foi o Matine, analista do Artur Jorge, que me veio dizer que estava convocado.

    BnR: Como lidaste com este infortúnio?

    AM: Tenho uma história gira sobre isto.

    BnR: Vamos a ela.

    AM: Tenho uma carta que… Não sei onde é que ela está, tenho lá no meu arquivo, ela não fugiu. O Mourinho não conseguiu ir ao hotel porque estava em estágio e quem foi ao hotel foi o Manuel Fernandes e o António Bernardo, diretor do futebol, que me deu uma carta que me deixou… as lágrimas vêm-me aos olhos, até agora como vês… a carta dizia “És o melhor lateral esquerdo de Portugal e vais continuar a ser. Vais recuperar bem e nós estamos à tua espera.”. Foi uma coisa que me deixou comovidíssimo, que me marcou e deu-me força para recuperar.

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    Frederico Seruya
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