«O meu objetivo é ser Selecionador Nacional» | Entrevista Bola na Rede a Acácio Santos

    Nascido em Beja, Acácio Santos cresceu com o futebol à porta de casa e fez dele a sua vida. De jogador a treinador, passou por estágios com figuras como José Mourinho e Francisco Seirul·lo, referências que moldaram o seu percurso. Liderou o União de Santarém na subida à Liga 3 e foi treinador adjunto de José Peseiro na Seleção Nigeriana, da qual resultou a ida à final da CAN 2023. Das experiências na Malásia e Grécia ao contrato cancelado no Mes Rafsanjan, do Irão, o seu grande objetivo profissional continua bem definido: ser Selecionador Português.

    «A metodologia do Barça, baseada no legado de Johan Cruyff e Rinus Michels, teve um impacto enorme em mim».

    Bola na Rede: Acácio Santos, antes de mais, obrigado por ter aceitado o nosso convite.

    Acácio Santos: Eu é que agradeço o convite. Vamos a isso.

    Bola na Rede: Como surgiu a paixão pelo futebol?

    Acácio Santos: Eu nasci e cresci em Beja, literalmente à frente do Estádio Doutor Flávio dos Santos. Desde miúdo que o futebol faz parte de mim. Quando o Desportivo de Beja estava na Segunda Divisão e na Segunda B, eu ia sempre aos jogos. Nós somos fruto dos nossos contextos, e eu não tive muita escolha. Crescer à frente de um estádio fez com que o futebol fosse uma parte natural da minha vida. Com seis anos já jogava e, muitas vezes, saía de casa para ir ver os jogos sem ninguém saber [risos]. Na formação joguei sempre no Despertar SC, apesar de ter tido convites para sair, para o Farense, Belenenses e Boavista, mas sempre fui muito ligado às minhas origens e não quis sair da cidade.

    Bola na Rede: Como se deu o processo de transição de jogador para ser treinador?

    Acácio Santos: Eu tive uma lesão grave no joelho no primeiro ano de júnior quando estava prestes a dar o salto para o Belenenses. Ainda cheguei a ir à seleção distrital de Beja, em seniores, mas percebi que seguir uma carreira como jogador profissional seria difícil. Fui para a faculdade, tirei Educação Física e Desporto e especialização em futebol, e a partir desse momento, comecei a criar um espaço de entendimento do jogo e daí surgiu a vontade em querer ser treinador.

    Bola na Rede: Havia alguma característica no seu jogo que o destacava enquanto jogador?

    Acácio Santos: Eu comecei a jogar futebol muito cedo e rapidamente comecei a ganhar algum destaque em termos de liderança. Fui capitão de equipa em todos os escalões desde os benjamins até chegar aos seniores. Mas esse pormenor de ser sempre escolhido para capitão refletia muito a minha disponibilidade para o jogo e depois a tomada de decisão para ser treinador de futebol. Mesmo eu estando na universidade e só ter a possibilidade de ir ao treino de sexta e ao jogo no domingo, eu continuava a ser capitão, o que mostra bem o meu perfil de liderança. Tu para seres treinador, deves ter essas características de liderança, características essas que obviamente diferem de treinador para treinador.

    Bola na Rede: Que passo é que toma depois de sair da universidade? Conseguiu entrar no mundo do futebol?

    Acácio Santos: Quando acabei a universidade, quis fazer a diferença na minha região. Sempre fui muito crítico do processo formativo no Despertar SC e senti que, quando tive a lesão, não fui muito protegido. Acabei por trabalhar no Benfica com treinadores como Bruno Lage, Helena Costa, João Tralhão… Com 25 anos, abri a Escola de Futebol Benfica, em Beja, e tivemos um sucesso enorme durante três anos, porque o foco estava no jogador e no seu processo formativo e não nos resultados. Fiz logo uma parceria com a Faculdade de Beja para garantir que o desenvolvimento dos jogadores era a prioridade. Para mim, um projeto em que eu abrace tem de ter um impacto social, é isso que me satisfaz. Mais tarde, iniciei um mestrado em Barcelona.

    Acácio Santos e Escola Benfica

    Bola na Rede: Nesse mestrado em Barcelona privou com pessoas como o grande diretor de metodologia do Barcelona, Francisco Seirul·lo…

    Acácio Santos: Eu sentia que precisava de receber algo diferente em relação ao meu estudo no futebol e sabia que em Portugal seria difícil ter. O programa que acabou por me interessar mais foi o do INEF Barcelona e a parceria com profissionais do FC Barcelona. Acabei por ter aulas com alguns desses profissionais como Paco Seirul·lo, Júlio Tous e Tito Vilanova e percebi que ser treinador era muito mais do que aquilo que eu achava. Acabei por ter a oportunidade de construir uma amizade grande com o Paco Seirul-lo, tanto que me convidou para fazer estágios nas equipas do FC Barcelona. Passei a acompanhar os treinos da equipa principal com o Pep Guardiola a treinador e aquele conjunto de jogadores como o Messi, Iniesta, Xavi, Puyol… Uma das lições mais marcantes que aprendi em Barcelona com o Paco Seirul·lo foi o valor do altruísmo. Sem me conhecer, abriu-me as portas de um espaço de excelência e dedicou-se a ensinar-me. Depois de cada treino, em vez de ir para casa, sentava-se comigo e explicava ao pormenor tudo o que se passava e tentava esclarecer todas as minhas dúvidas sobre o jogo.

    Acácio Santos e Francisco Seirul·lo

    Bola na Rede: Que aprendizagens é que adquiriu nesse estágio no Barcelona?

    Acácio Santos: Foi aqui que comecei a ver o futebol de outra forma. A metodologia do Barça, baseada no legado de Johan Cruyff e Rinus Michels, teve um impacto enorme em mim. A experiência em Barcelona mostrou-me que ser treinador implica muito mais do que só preparar a equipa para o jogo – é preciso perceber de nutrição, cargas de treino, gestão emocional… tudo. O meu pai é médico, e ele não pode errar porque tem a vida das pessoas nas mãos. Eu, como treinador, sinto o mesmo em relação aos jogadores. Tenho de ter um conhecimento profundo daquilo que faço porque estou a lidar com o desenvolvimento de pessoas. Foi este choque de realidade que moldou a minha forma de ver o futebol e que me fez ser o treinador que sou hoje. E a partir daí começo a minha aventura enquanto treinador principal, na equipa sénior do Vasco da Gama Vidigueira.

    «Sendo português, tenho uma ligação especial com Mourinho, que sempre foi e será uma referência para mim».

    Bola na Rede: Fez estágios em vários clubes e com vários treinadores de topo do futebol Mundial como Pep Guardiola, José Mourinho, Manuel Pellegrini… Qual foi o treinador que mais o impactou?

    Acácio Santos: Colocaria José Mourinho em primeiro e Pep Guardiola em segundo. São pessoas diferentes, mas partilham a mesma amabilidade. Sendo português, tenho uma ligação especial com Mourinho, que sempre foi e será uma referência para mim. Sou grato a quem tem um impacto positivo na minha vida, e o José Mourinho teve esse impacto. Sempre se mostrou disponível para ajudar, chegou a dizer-me: «Sempre que precisares de uma recomendação da minha parte, estás à vontade». Em termos metodológicos, sou influenciado por ambos. Mourinho tem uma capacidade incrível de tornar simples, o complexo, e estrutura os problemas do jogo como poucos. O Guardiola faz este tipo de trabalho, mas mais baseado com bola, em que essa intencionalidade do processo com a bola foi o mais forte que vi trabalhar até hoje.

    Acácio Santos e José Mourinho

    Bola na Rede: Começou a sua jornada de treinador no Vasco da Gama Vidigueira, mais tarde foi coordenador técnico da AF Beja, observador no Leiria e ainda treinador-adjunto no Rio Maior. Mas em 2013, decidiu ir para a Malásia.  Como é que surgiu o convite de ir para o Negeri Sembilan, da Malásia?

    Acácio Santos: Foi através do Divaldo Alves, meu colega na UEFA A, que me proporcionou esta oportunidade. Ele já tinha trabalhado na Indonésia e estava a dar os primeiros passos na Malásia quando me convida para ser treinador-adjunto da equipa principal do Negeri Sembilan e treinador principal da equipa B. Mais tarde, acabei também por ser coordenador da formação. Aceitei porque era uma oportunidade para conhecer uma outra cultura e ajudar o Divaldo, além de poder liderar a minha equipa B. O clube estava a passar por uma reestruturação, com melhorias na academia e um bom espaço de recrutamento, o que me permitiu deixar o meu pequeno legado. Sempre que entro num projeto, quero ter impacto, e senti que na Malásia consegui marcar a diferença nos jogadores e na estrutura. Foi a primeira equipa onde implementei as minhas ideias depois do Vasco da Gama Vidigueira e da reflexão que fiz em Barcelona. As condições eram muito boas e conseguimos criar uma identidade forte. Tanto que, quando recebo o convite para ir para a Grécia, também tinha em cima da mesa uma proposta para assumir a seleção sub-21 da Malásia. Poderia ter ficado e assumir uma grande responsabilidade no país, mas optei pela experiência na Grécia, que também foi muito positiva.

    Bola na Rede: Como se deu a saída do Negeri Sembilan?

    Acácio Santos: Na altura da saída foi complicado porque ninguém queria que eu saísse. Aumentaram-me o salário e deram-me um carro para ficar na Malásia. Num jogo em casa, indico que vou embora e começo a ficar muito emocionado e vejo os jogadores e a minha equipa técnica a chorar. Foi aí que percebi que tinha deixado a minha marca. Sempre fiz questão de valorizar toda a gente no clube. Nas refeições, sentávamo-nos todos à mesma mesa, desde jogadores a motoristas. E com isso criei algo em que cada um se sente valorizado com a sua função. Saí porque surgiu a oportunidade de treinar o Levadiakos na primeira divisão da Grécia, na Europa. Chegaram-me a propor assumir a equipa principal e trocar de lugar com o Divaldo, mas por respeito a ele, recusei.

    Acácio Santos no Negeri Sembilan, na Malásia

     Bola na Rede: Como é que surge o convite do Jasminko Velic para trabalhar com ele na Grécia?

    Acácio Santos: A minha primeira experiência na Grécia começou quando fui observar uma semana de trabalho do José Peseiro, no Panathinaikos e fiquei impressionado com o rigor e a estrutura do treino. Mais tarde, depois de ter sido analista do Pedro Caixinha no UD Leiria, o Pedro informou-me que o Jasminco Velic estava à procura de um adjunto. Tivemos uma reunião, criámos logo uma boa ligação e o Velic disse-me que, quando tivesse um projeto em mãos, queria contar comigo. Quando assumiu o Levadiakos, fez-me o convite e aceitei. A equipa precisava de ajuda, felizmente conseguimos garantir a manutenção e cumprimos os objetivos delineados.

    Bola na Rede: No Levadiakos chegou a ser analista, preparador físico e treinador-adjunto. Como é que foi essa experiência de ter tantos cargos ao mesmo tempo?

    Acácio Santos: Resultou num divórcio [risos], mas não foi só sobre isso claro. Devido às experiências que fui adquirindo ao longo dos anos, eu hoje tenho a capacidade de dominar muitas áreas. Sempre tive uma bagagem científica e de conhecimento que me permitiu gerir lesões, criar exercícios de acordo com a necessidade da equipa e fizemo-lo sem problema nenhum. Éramos só eu e o Jasminko Velic que estávamos na equipa técnica, o Velic tomava as decisões, mas tudo o resto passava pela minha responsabilidade. Mas uma das coisas que gostei mais do projeto foi ter essa responsabilidade toda e tive tantas aprendizagens que marcaram a minha carreira. Hoje em dia, enquanto treinador, consigo gerir muitas variáveis ligadas aos métodos de treino, para além da capacidade de liderança inata que tenho desde os tempos de jogador.

    Bola na Rede: Na temporada 2020/21 assumiu o União Santarém e nessa época subiu o clube à Liga 3… Foi um dos momentos mais marcantes enquanto treinador principal?

    Acácio Santos: Não vejo a subida de divisão como o momento mais marcante da minha carreira. Eu quero ganhar sempre, independentemente do contexto, mas não posso dizer que esse feito supera os outros trabalhos que fiz, estaria a ser injusto. Todos esses caminhos tiveram um impacto muito grande em mim e essa é a medição: Qual é o impacto que tiro daquelas pessoas. Agora, claro que subir de divisão deu um gozo especial. Liderar um União de Santarém onde muitos questionaram a minha escolha. Já tinha deixado o semiprofissionalismo, rejeitei clubes em processo de subida para a Segunda Liga e até uma proposta do Bahrein. Mas quis deixar o meu legado em Santarém, ainda mais na altura da pandemia. O grande ponto de expressão naquela época de União de Santarém foi mostrar aos jogadores e estrutura que, com pouco, pode-se fazer muito e os jogadores acabaram por ser espremidos ao máximo. E os atletas que passaram pelas minhas mãos enquanto treinador principal viveram muito esta exigência. Eu não queria saber se eles erravam, eu queria era saber quanto tempo é que eles demoravam a reagir depois de errar. Considero que nisso aí sou especialista. Os grandes jogadores do futebol mundial são aqueles que demoram muito pouco tempo a reagir ao erro, independentemente das circunstâncias. A realidade é que ninguém do União de Santarém pensava que era possível subir de divisão naquele ano, mas mostramos que era possível.

    Acácio Santos no União do Santarém

    Bola na Rede: Como foi a experiência de trabalhar com José Peseiro na seleção da Nigéria?

    Acácio Santos: Eu já conhecia o José Peseiro antes de trabalhar com ele na Nigéria. Sempre tive muita admiração pelo seu trabalho, especialmente no Sporting, onde vi a melhor equipa a jogar com posse de bola em Portugal, até então. Trabalhar com o José foi excelente, sempre foi uma referência para mim. Curiosamente, o último treinador que tinha colocado o União de Santarém numa divisão profissional foi o José Peseiro, há 32 anos, e depois fui eu. Quando ele saiu do cargo de Selecionador da Venezuela, ele acompanhou alguns dos meus jogos, viu o meu processo de trabalho e convidou-me para ser adjunto dele na seleção da Nigéria. A proposta desportiva e financeira era muito boa, e o desafio de treinar jogadores africanos de dimensão mundial como o Victor Osimhen, Ademola Lookman e muitos outros, fez com que eu não hesitasse. Foi, sem dúvida, uma das decisões mais importantes da minha carreira. O meu objetivo era corresponder à experiência do José Peseiro e a oportunidade que ele me deu foi incrível.

    «Trabalhar com seleções permite-nos uma abrangência maior, o que é muito interessante. Depois, também temos mais tempo para observar os jogadores e os contextos».

    Bola na Rede: Já trabalhou em contexto de clube e seleção. Quais são as maiores diferenças que encontra nesses dois contextos?

    Acácio Santos: A responsabilidade e o tempo de treino. Na seleção, a responsabilidade é muito maior, e eu gosto dessa responsabilidade. Trabalhar com seleções permite-nos uma abrangência maior, o que é muito interessante. Depois, também temos mais tempo para observar os jogadores e os contextos. Por exemplo, na Nigéria estávamos constantemente a analisar entre 50 a 70 jogadores por semana. No clube, o trabalho é diário, e a adrenalina é constante. Estás sempre a pensar no próximo jogo, o cérebro não para, e isso tem o seu valor também porque te coloca à prova todas as semanas.

    Acácio Santos e José Peseiro

    Bola na Rede: Como é feito o processo de seleção dos jogadores para uma convocatória da Seleção?

     Acácio Santos: A avaliação é feita com base em três pressupostos: o momento que o jogador atravessa (rendimento), o sistema em que estão habituados a jogar nos clubes e o tempo de jogo. São os três pressupostos essenciais na avaliação. Se um jogador está habituado a outro sistema e que não corresponda ao da Seleção, não podemos esperar o mesmo rendimento.

    Bola na Rede: Como foi a sensação de defrontar Portugal enquanto treinador da Nigéria?

    Acácio Santos: Defrontar Portugal enquanto treinador da Nigéria foi um momento muito marcante na minha carreira. Lembro-me de uma fotografia com o José Peseiro, no momento em que acaba o hino português, em que o abraço e agradeço-lhe pela oportunidade de estar na seleção da Nigéria e jogar contra Portugal em Alvalade. Foi muito simbólico para mim. A nível de futebol, foi também um momento de viragem para a seleção nigeriana. Percebemos que precisávamos de trabalhar mais e de estar mais unidos para nos aproximarmos de uma seleção como a portuguesa.

    Bola na Rede: Quais são as memórias que guarda da final da CAN 2023 frente à Costa do Marfim? Começaram a ganhar, mas na segunda parte a Costa do Marfim fez a reviravolta. O que acha que faltou para segurar a vantagem até ao final?

    Acácio Santos: Estávamos a jogar na casa deles, com uma atmosfera incrível, e sabíamos que seria um jogo difícil. Começámos bem, tanto que nos adiantamos no marcador, mas a segunda parte foi diferente. Percebemos que a equipa estava a quebrar e podíamos ter feito as substituições mais cedo. O Osimhen nesse jogo, por exemplo, pediu para sair até porque ele teve uma semana muito complicada com febre e desidratação e ele não era para sair. A realidade é que ele não acabou por sair, mas isto fez nos atrasar a tomada de decisão nas substituições depois de sofrermos o um igual. Isto em relação às sensações que o jogo nos ia dando. Em termos de estratégia, nós implementamos um 3-4-3, mas talvez devêssemos ter optado por uma proteção maior ao pivô defensivo com um 5-3-2, para tentar anular a ligação do Fofana e do Kessié, que tinham grande influência na construção do jogo. O Kessiê, por exemplo, tinha passado no Barcelona e sabíamos da importância dele no processo de construção. Depois do empate, sabíamos que a pressão do estádio e da equipa adversária seria difícil de controlar. Se tivéssemos segurado o empate por mais tempo, poderia ter sido diferente, eles podiam ter ficado mais ansiosos e aí podíamos aproveitar.

    Acácio Santos na final da CAN 2023

    Bola na Rede: Alguma história engraçada que possa contar sobre esses jogadores de dimensão mundial da Nigéria?

    Acácio Santos: Nós passamos muito tempo juntos na CAN e vivemos todos no mesmo hotel em Abidjã, na Costa do Marfim. E eu e o José Peseiro procurávamos manter o rigor nas rotinas, mas também sabíamos que era importante dar espaço para que os jogadores não entrassem em processo de saturação. Numa dessas noites, comecei a ouvir movimentações nos corredores do hotel onde a equipa estava hospedada, e eu achei aquilo estranho e decidi ir investigar, já que também não tínhamos jogo no dia a seguir. E a um certo ponto, parece que entrei num jogo em que eu era o gato e alguns dos jogadores eram os ratos. Eles não queriam que eu descobrisse que estavam acordados. E qual não foi o meu espanto quando, ao entrar no quarto, estava à espera de encontrar ou mulheres ou álcool, e estavam simplesmente a jogar PlayStation. E eles envergonhados dizem-me «Hi Coach, sorry» [risos]. E uma coisa que eu achei muita graça é que estes rapazes, apesar de todo o sucesso, continuam a ser jovens. O Lookman, o Bassey, o Awobi, o Aribo, o Osimhen… são jogadores de nível mundial, com contratos milionários, mas, no fundo, continuam a ser jovens e a ter comportamentos de pessoal jovem. A verdade é que foi engraçado ver que, para eles, jogar PlayStation fora de horas era algo assim tão anormal.

    Acácio Santos e Victor Osimhen

    Bola na Rede: Como avaliaria a estrutura da seleção nigeriana durante o período em que esteve lá?

    Acácio Santos: Em relação à estrutura da seleção nigeriana, a verdade é que houve um processo de adaptação, eram pessoas muito boas, mas acabamos por ter algumas discordâncias. Em sentido metafórico, e numa escala de 0 a 10, para eles o 10 era o copo a meio, porque eles não tinham a perceção que o mesmo copo podia levar mais água. Cheguei ao ponto de ter reuniões com o diretor do hotel e com os chefes de cozinha, para que a alimentação fosse mais variada e nutricionalmente equilibrada, porque, para eles, um prato com mais ou menos fritos ou com mais ou menos diversidade estava bem. Mas, ao longo do tempo, fizemos um trabalho exaustivo para que as pessoas de lá percebessem que dava para fazer mais. E a grande lição que tirei da CAN foi a disciplina, rigor e a máxima exigência que colocamos perante aquele contexto. A realidade é que não nos podiam apontar nada.

    Bola na Rede: Pode revelar algo que fizeram, enquanto equipa técnica, para manter essa exigência?

    Acácio Santos: Uma coisa que ninguém sabe é que eu e o José Peseiro passámos meses a percorrer a Nigéria, a ver jogos e a ter reuniões com os treinadores de clubes da primeira e até da segunda divisão, com o objetivo de perceber melhor o contexto dos jogadores, dos estádios. O nosso propósito era também recolher informações diretamente com os treinadores, para entendermos as necessidades e o paradigma do futebol nigeriano. Fizemos isso porque o José achava que era essencial conhecer todo o contexto ao pormenor.

    «Nesta proposta do Mes Rafsanja, através do Manuel Curto, agradou-me o projeto e o objetivo era ajudar o clube».

    Bola na Rede: Recentemente, aceitou um desafio no Irão, no Mes Rafsanja, mas acabou por cancelar o contrato. O que aconteceu exatamente?

    Acácio Santos: Após a CAN, eu e o José Peseiro falamos e decidi seguir o meu caminho como treinador principal. Inicialmente, recusei algumas propostas muito boas para continuar como adjunto. Nesta proposta do Mes Rafsanja, através do Manuel Curto, agradou-me o projeto e o objetivo era ajudar o clube a não descer de divisão. No entanto, a minha decisão acabou por ser influenciada por questões de segurança pessoal. Quando já tinha assinado o contrato, a Embaixada portuguesa alertou-me para a instabilidade política na região, especialmente com as questões geopolíticas relacionadas com a administração do presidente Trump, que poderiam afetar a minha segurança no Irão. Mesmo assim, decidi seguir em frente, mas depois de uma nova comunicação com a Embaixada, foi-me recomendado fortemente que não fosse. Com muita pena minha, tive de cancelar o contrato. Foi uma decisão difícil, mas com a recomendação da Embaixada, senti que não poderia deixar a minha família preocupada. O clube foi compreensivo e entendeu perfeitamente a minha decisão. Fico grato pela proposta desportiva que me foi feita e o processo foi tratado de forma impecável por todos.

    Acácio Santos e Alex Iwobi

    Bola na Rede: Sendo um treinador português e certamente atento ao nosso futebol, como vê o facto de apenas quatro treinadores da nossa liga ainda não terem sido despedidos desde o início da época? Refiro-me a Vasco Matos (Santa Clara), João Pereira (Casa Pia), Ian Cathro (Estoril) e Tiago Margarido (Nacional). Estamos a caminhar para um novo Brasileirão?

    Acácio Santos: Hoje em dia, os treinadores vivem de resultados e de contratos, contratos esses que dão estabilidade na vida do treinador, caso sejam despedidos de algum clube. Em relação aos treinadores da nossa liga, houve saídas de técnicos com as quais eu não concordei, obviamente que cada caso é um caso e nós não sabemos o que se passa no clube. Hoje em dia estamos numa sociedade que quer resultados rápidos e o futebol não foge à regra. A pressão pela vitória imediata cria uma espécie de “dopamina” que, ao fim e ao cabo, não ajuda a tomar decisões racionais. Só que essa pressão não permite o trabalho de fundo que se precisa. Criar boas ideias de jogo, trabalhar a dinâmica da equipa e a sinergia entre os jogadores precisa de tempo e, hoje em dia, é difícil ter tempo. Olha o caso do Ian Cathro, por exemplo. Foi adjunto do Nuno Espírito Santo, chegou ao Estoril, começou com dificuldades e houve muita contestação. A verdade é que depois a equipa começou a ganhar, ele acabou por ficar e agora vê-se o resultado. Para mim até podia ter sido uma oportunidade, na altura os meus agentes falaram-me da possibilidade de ir para o Estoril, mas para o clube, a decisão de manter o treinador foi muito acertada.

    Bola na Rede: Há algum objetivo concreto que queira alcançar na sua carreira?

    Acácio Santos: O meu objetivo claro e o meu sonho é ser selecionador português. Se me perguntasses se preferia ganhar a Liga dos Campeões ou ser selecionador português, a minha escolha seria ser selecionador português. A importância que teria para mim poder trabalhar na seleção portuguesa e ter um impacto significativo no meu país através do futebol é incomparável. Claro que, a nível financeiro, ganhar a Liga dos Campeões seria mais vantajoso, mas vibro muito mais com o hino nacional do que com o hino da Champions, e atenção, eu gosto muito do hino da Champions. Para além disso, tenho o desejo de um dia ser presidente de um clube. Gosto dessa parte da gestão, de tomar decisões estratégicas e criar impacto no clube a outro nível.

    Bola na Rede: Para terminar, que perspetivas tem para o futuro?

    Acácio Santos: As minhas perspetivas são muito claras. Estou disponível para novos projetos. Sou um treinador com muita experiência, tanto no futebol nacional como internacional. Já trabalhei com jogadores de topo, que valem milhões e têm um impacto enorme no jogo. Eu, Acácio Santos, estou pronto para fazer a diferença no futebol. Se aparecer o convite certo, vou trabalhar. Se não aparecer, continuo a partilhar os meus pontos de vista e a manter-me ativo. Pelo caminho que tenho feito, pelo posicionamento que tenho no mercado, acredito que em breve vou estar novamente num projeto.

    Bola na Rede: Obrigado pela entrevista Acácio.

    Acácio Santos: Foi um prazer.

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