«Quando era miúdo tinha o sonho de chegar à equipa principal do Leixões. Felizmente consegui isso e muito mais» – Entrevista BnR com Bruno China

    Bruno China é um nome incontornável na história do Leixões. O médio fez parte da equipa que chegou à final da Taça de Portugal em 2001/02, conseguindo participar nas competições europeias com o emblema de Matosinhos, quando estavam no terceiro escalão do futebol português. Com uma carreira de qualidade ao nível nacional e uma experiência na La Liga, Bruno China está a dar os seus primeiros passos como técnico. O Bola na Rede teve o prazer de lhe fazer uma entrevista.

    BnR: Bruno, agradecer-te por teres aceitado o nosso convite, é uma honra estar aqui contigo. A primeira pergunta que gostaria de te fazer é mesmo de como é que te descreverias como jogador?

    Bruno China: Primeiro, obrigado eu pelo convite. É um espaço que tem crescido e dou os parabéns por isso, espero que vocês consigam continuar a crescer e a fazer este trabalho tão importante que têm feito. Como jogador, confesso que era alguém que percebia as suas limitações, bom tecnicamente, inteligente, não muito rápido, mas sobretudo inteligente.

    BnR: Representaste o Leixões na tua etapa formativa e depois por nove temporadas consecutivas, antes do teu regresso, no final da carreira. Qual dessas nove temporadas é que te marcou mais?

    Bruno China: O Leixões é o meu clube. É o clube onde eu fui formado, tenho cerca de 23 anos naquela casa. É uma vida, mais de metade da minha vida foi lá passada, desde os nove anos até aos 27, na altura em 2009 e depois tive a oportunidade de conseguir voltar, já na minha parte final da minha carreira e no Leixões tive a felicidade de passar pelos melhores momentos do Leixões nos últimos tempos, desde conseguir duas subidas de divisão uma da Segunda B para a Segunda Liga, outra da Segunda Liga para a Primeira. Conseguimos ir a uma final da Taça de Portugal quando estávamos na Segunda B, o que até hoje é um efeito inédito uma equipa de terceiro escalão. Conseguimos participar nas competições europeias e conseguimos ainda passar a primeira eliminatória frente ao Belasica. Depois fomos eliminados frente ao PAOK, na segunda eliminatória dessa Taça UEFA. Conseguimos igualmente uma das melhores classificações do clube, da história do clube, na Primeira Liga. Com o sexto lugar igualamos a melhor classificação do clube, por isso são todos momentos muito marcantes e que felizmente tive a oportunidade de passar por eles no meu clube de coração e num clube que na altura estava com uma dinâmica muito forte, com o estádio sempre cheio. Nos jogos fora tínhamos sempre um grande número a apoiar, totalmente diferente do que se encontra agora, totalmente diferente do que se encontra agora a cidade. Tive o privilégio e tive a sorte sobretudo de poder gozar desses momentos enquanto jogador de formação. Até na etapa formativa conseguimos ter algum sucesso. A minha geração seguramente será das gerações mais marcantes do Leixões, a seguir aos «bebés». Conseguimos ser vice campeões nacionais, quer em iniciados, quer em juniores, por isso acho que, num clube como o Leixões, seguramente é uma geração que marca um clube. por acaso é verdade é também uma opinião pessoal a minha acho que o Leixões ou era um clube que trabalha muito bem a formação.

    BnR: Recordo-me bem de que o Leixões tinha uma grande massa adepta, algo que notava-se igualmente nas partidas fora de casa, era um grande fenómeno. Mas voltando aqui a 2001-2002, mais precisamente à final da Taça contra o Sporting. Vocês estavam na Segunda B e eram orientados pelo Carlos Carvalhal. Tu entraste no intervalo para o lugar do Pedras, que é outro jogador que tem alguma história no Leixões, como é que tu viveste aquele momento ao nível de um jogador? Como é que o coletivo viveu esse momento?

    Bruno China: É um momento marcante, é um jogo muito especial. As pessoas quando dizem que o jogo de Jamor é especial, se calhar quem não passou por ele não compreende muito bem essa frase e não sabe realmente o porquê das pessoas o dizerem, mas realmente o jogo tem uma atmosfera diferente. O facto de ser no estádio de Jamor também faz com que o desafio seja totalmente distinto e eu sendo um jovem na altura, estava no meu primeiro ano de sénior, conseguir logo passar por todos aqueles momentos, foi algo marcante para mim e algo que nunca mais irei esquecer. Foi um orgulho muito grande, a equipa nessa contava com um misto de gente já mais experiente, com jovens que estavam a aparecer que era o meu caso, o caso do Pedras, do Barros, que na altura que era um dos laterais, também tínhamos o Antchouet. Tínhamos uma equipa de gente mais experiente como o Abílio, o Betinho, o Tozé, tínhamos o Nuno Silva também a aparecer, o Ferreira na baliza também mais experiente. Era um misto de pessoas muito interessante de gente que queria aparecer e gente da formação do clube. Tínhamos mesmo muitos jogadores que pertenciam à formação do Leixões e sinto que isso foi um feito único.

    «O jogo no Jamor tem realmente uma atmosfera diferente».

    BnR: Outro feito realmente incrível é a participação na Taça UEFA, estando na Segunda B. Como é que o balneário reagiu a esse momento, que realmente é algo raro na história do futebol mundial? Como é que uma equipa da Segunda B se prepara para jogos da Taça UEFA?

    Bruno China: Como tu disseste e bem, ninguém contava com aquilo. Nós fomos ao longo do trajeto na Taça, fomos passando de eliminatórias e fomos acreditando cada vez mais que era possível e quando surgiu a oportunidade de conseguirmos participar nas competições europeias, claro que toda a gente ficou muito satisfeita, muito contente e muito feliz pela projeção que daria ao clube à cidade e a todos os jogadores aos treinadores. Em relação à preparação, o mister sempre foi sempre igual, dava a mesma importância ou preparou os jogos da mesma forma que preparava aos jogos de campeonato, tentou sempre olhar para aquilo de uma forma mais natural possível, sabendo que o mediatismo era totalmente diferente quando jogamos um jogo de Segunda B, mas sempre tentávamos encarar de forma mais natural possível. Agora, claro que entre nós havia um entusiasmo e havia uma ânsia muito grande por poder participar na Liga Europa. Foi uma grande oportunidade para os jogadores. Eu consegui voltar a participar mais tarde, mas se calhar foi um grupo pequeno daqueles jogadores que voltou a conseguir participar, ou que já tinha participado numa Liga Europa e por isso é sempre um momento marcante.

    BnR: Imagino que os mais jovens como tu, na altura tinham mais aquele nervoso miudinho. Aí a experiência dos mais veteranos no balneário provavelmente foi muito importante para manter a calma…

    Bruno China: Sem dúvida, sem dúvida. Tínhamos gente como o Tozé, como o Abílio, como o Ferreira, como o Besirovic… tínhamos gente que já tinha já tinha passado por experiências parecidas ou mesmo em seleções.  Tínhamos pessoas que já tinham passado por um longo caminho e que já tinha feito praticamente toda a sua carreira. Passavam-nos a tranquilidade que era necessária aos mais novos.

    BnR: Passaste a primeira década deste século XXI no Leixões, que foi uma década sempre a subir do Leixões, mesmo enquanto a instituição. Como é que foi fazer parte dessa caminhada, de passar da Segunda B para a Primeira Liga e fazer boas épocas inclusive no principal escalão?

    Bruno China:  Foi o que eu te disse um bocadinho quando começámos a conversa. Para mim, o Leixões é o meu clube de coração, é o clube que eu gosto e foi um prazer e um orgulho enorme conseguir viver aqueles momentos todos, desde conseguir subir da Segunda, em que o Leixões já estava lá há alguns tempos e não conseguia sair de lá- nós conseguimos esse feito: “sair da rua escura” como o Carlos Carvalhal um dia disse. Depois com o Vítor Oliveira tivemos também a felicidade de conseguir subir da Segunda Liga para a Primeira Liga. O primeiro ano nesse escalão. Foi mais difícil, foi um ano em que lutamos pela manutenção e conseguimos apenas nos salvar da descida no último no último jogo. No segundo ano, fizemos uma temporada excelente, com o mister José Mota, andámos cerca de dois meses em primeiro, mas depois tivemos uma quebra natural nestas equipas e acabámos o campeonato em sexto lugar, igualámos o melhor registo do Leixões. O Leixões é um clube especial, na altura sentia-se muito mais que o Leixões ia jogar, arrastava as pessoas ao estádio, sentia-se muito a instituição. Hoje em dia não é bem assim.

    «O Leixões é o meu clube de coração, é o clube que eu gosto e foi um prazer e um orgulho viver todos os momentos».

    BnR: Já que estamos a seguir mais ou menos uma ordem cronológica da tua carreira, em 2009/2010 vais para o Mallorca, dada a boa temporada que o Leixões fez na temporada anterior. Nessa época a tua equipa ficou em quinto lugar com o Gregório Manzano, no entanto o técnico na altura disse que não quis a tua contratação. Como é que viste e sentiste estas palavras?

    Bruno China: É óbvio para mim, enquanto jogador, não foi um momento bom. Até hoje não sei o que é que se passou. Sou sincero, até hoje não sei realmente qual é a história verdadeira, se o mister Manzano utilizou isso para tentar trazer mais gente, se foi se foi realmente isso que aconteceu. Até hoje, não faço a mínima ideia do que aconteceu. Posso dizer que na altura até tive muitas dúvidas se queria ir para a Espanha e para o Mallorca, mas as pessoas conseguiram-me convencer e acabei por ir. Não estou arrependido, felizmente não estou arrependido. Tive uma experiência que também acho que é importante, foi muito importante na minha vida e na minha carreira e acho que quem tiver oportunidade de jogar na La Liga, acho que que deve aproveitar o que é jogar numa das melhores ligas do mundo, se calhar na altura era mesmo melhor com Ronaldo, Messi, Ibrahimovic… com todos os craques presentes na Liga Espanhola e onde encontrei um plantel que ao início era candidato para não descer e que acabou em quinto lugar. Na minha opinião era um plantel de grande qualidade, tinha jogadores extraordinários e muitos vieram-se a revelar-se mais à frente, como nos casos de Borja Valero, Mário Suárez, Aduriz… tinha uma série de jogadores que eram acima da média, claramente.

    BnR: Como tu dizes, o meio campo do Mallorca realmente era muito forte. Além do Borja Valero, do Tomás Pina e do Mário Suárez, também tinhas o Paulo Pezzolano, que hoje em dia é treinador do Valladolid, e o José Luís Martí que já era mais experiente. Sentiste que a alta competitividade que havia no meio campo te ajudou a crescer enquanto jogador?

    Bruno China: Sim, sem dúvida. Tive a oportunidade de ver coisas, novas formas de jogar, de trabalhar diferente e com esses grandes jogadores, os casos do Borja Valero o Mário Suárez, o Pina ainda pertencia mais à equipa B do que à equipa A, mas também fez uma excelente carreira. O Martí era incrível, também já tinha ganho quase tudo pelo Sevilha. Aprendi muito com eles, também com o Pezzolano, que chegou na mesma altura que eu, tive a oportunidade de evoluir porque o facto de a competitividade ser muito grande também a nós jogadores obriga-nos a evoluir e tive essa oportunidade. Agradeço a oportunidade e foi um ano muito bom para mim.

    BnR: No ano seguinte voltaste a Portugal, mais concretamente para o Rio Ave. Antes de irmos ao Rio Ave, não preferias ter seguido no estrangeiro ou não recebeste qualquer oferta para ficar no estrangeiro?

    Bruno China: Eu vou ser sincero, se calhar pouca gente sabe desta história. Eu fui para Mallorca e tinha três anos de contrato, só que, entretanto, o Mallorca já antes de nós chegarmos, era um clube com problemas, com muitos problemas financeiros e naquele ano agravaram-se ainda mais. O Mallorca acabou no final do ano por entrar em concurso de credores, por isso o Mallorca foi obrigado a baixar orçamentos e foi obrigado a chegar a acordo com alguns jogadores, aqueles que lhes pareciam que podiam ser dispensáveis. Foi obrigado a reduzir o orçamento e havia a ameaça até de um despedimento coletivo e eu, e outros como fomos dos que menos utilizados e éramos se calhar os menos importantes, acabámos por levar um bocadinho por tabela. A situação financeira do Mallorca era complicada e tivemos de chegar ao melhor acordo possível e prosseguir a carreira no outro lado. É engraçado porque se o Mallorca se conseguisse qualificar para a Liga dos Campeões, o Mallorca não avançaria para concurso de credores e seguiria o curso normal. Porém, como não conseguimos a Liga dos Campeões, que acabámos por perder o acesso no último minuto, tudo isto acabou por acontecer. O Sevilha conseguiu ganhar ao Almería no último minuto. Nunca mais me esquecerei. O Mallorca foi obrigado a entrar em lei concursal não pôde participar nas competições europeias. Eles lá levam estas situações muito a sério enquanto que aqui não é tanto assim. Tu vês esses processos especiais de revitalização que alguns clubes aqui aderem por causa das dívidas, mas alguns nem cumprem. Lá não é assim, ou cumpres, ou fechas as portas.

    «Eles lá levam estas situações muito a sério enquanto que aqui não é tanto assim. Tu vês esses processos especiais de revitalização que alguns clubes aqui aderem por causa das dívidas, mas alguns nem cumprem. Lá não é assim, ou cumpres, ou fechas as portas».

    BnR: Tu acabaste por voltar, mas tiveste a oportunidade de continuar no estrangeiro? Ou a tua opção foi mesmo regressar a Portugal?

    Bruno China: Na altura tive algumas, até de Espanha. Tive situações do Chipre, inclusivamente clubes muito bons, mas acabei por voltar para Portugal. Foi por opção familiar por opção familiar acabamos por acabei por voltar para Portugal

    BnR: Como é que foi esse choque de voltares a Portugal e não estares vestido de vermelho e branco, mas estares de verde e branco?

    Bruno China: Não fazia sentido sair da Liga Espanhola para vir para a Segunda Liga Portuguesa, nem o Leixões tinha a capacidade de me contratar. E na altura o mister Carlos Brito era quem estava no Rio Ave, já tinha trabalhado comigo no Leixões, no primeiro ano da Primeira Liga, tinha gostado muito de trabalhar com ele, e ele fez uma força muito grande para que eu voltasse a trabalhar com ele. Ainda não era o Rio Ave que é nesta altura, ainda estava a começar o seu crescimento, e ao início até, tal como disseste, me custou um pouco. Não só por essa situação no Leixões, mas também pelas condições de trabalho em que vens de uma Liga Espanhola e que não te faltam condições de trabalho, tens quatro ou cinco campos para treinar, fisioterapeutas, tens tudo, tens tudo o que precisas e não te falta nada e vens para uma realidade totalmente diferente. O Rio Ave ainda estava em crescimento, ainda não tinha campo para treinar, só tinha o estádio ainda. A estrutura ainda estava a crescer, ainda não era o que era agora, mas por estar perto de casa e pelo convite do Carlos Brito, acabei por decidir ir para a Vila do Conde.

    BnR: Na altura foste para a Espanha, levaste família contigo?

    Bruno China: Sim, a minha mulher foi comigo para a Mallorca, ainda não tinha filhos, e pronto…

    BnR: Também é mais simples, não é?

    Bruno China: Exatamente, exatamente. Acabou por ser mais fácil. Depois acabamos também por vir um bocadinho a pensar nisso já, a pensar que queríamos ter filhos, queríamos estar por aqui, por perto.

    BnR: No Rio Ave sofreste uma lesão grave e tiveste parado cerca de 5/6 meses. Como é que foi o período de recuperação? Sentiste que essa lesão te afetou na tua carreira a partir desse momento?

    Bruno China: Sim, sim. Infelizmente sinto que me afetou, até mesmo com a minha situação com o Rio Ave. Eu tinha dois anos de contrato com o Rio Ave. Na altura, até é engraçado, quando eu me lesiono, há a possibilidade até de sair novamente para fora, mas depois com a lesão acabou por não acontecer. E depois, como a minha recuperação demorou um pouco mais, acho que quisemos acelerar, tanto eu como as pessoas do departamento médico e responsáveis, quisemos acelerar um pouco mais a recuperação e tivemos ali alguns problemas. Depois acabei por demorar mais tempo a recuperar do que aquilo que era esperado. Ainda demorei cerca de nove a dez meses para recuperar totalmente. quando voltei na outra época, já estava no meu último ano de contrato. Acabei a época muito bem na altura, mas depois o Rio Ave já tinha decidido que o mister Carlos Brito ia sair e pronto… Queriam fazer uma reformulação no plantel e eu também acabei por sair.

    Bruno China Varzim SC
    Fonte: Varzim SC

    BnR: Qual era a equipa que estava interessada, no momento da lesão? Se se pode saber, claro…

    Bruno China: Sim, na altura tinha a situação do Rapid Bucareste. A Roménia acolheu vários jogadores portugueses nesses anos, agora já nem tanto. Ainda bem que não fui porque o Rapid também entrou em falência uns tempos depois, também por isso, ainda bem que acabou por não dar em nada.

    BnR: Em 2013 vais para a Académica Coimbra, voltas a somar bastantes partidas e voltaste a participar na Liga Europa. Como é que foi voltar a participar em jogos europeus, desta vez já na Liga Europa com este nome e numa fase de grupos?

    Bruno China: A Académica é um clube também muito especial também. É um clube que me marcou bastante. Gostei muito de lá estar. É um clube também diferente. Sei que és de Viseu e que há aí alguma rivalidade, não é?

    BnR: Como estão em divisões distintas, já se sentiu mais (risos)…

    Bruno China: É um clube diferente. Naquela altura estava na Primeira Liga, também havia, lá está, ainda havia muita ligação à cidade, havia muita gente no estádio. Parece-se estar a querer recuperar um bocadinho essa paisagem, não é? E pronto, a Académica deu-me essa oportunidade de voltar e também a participação nas competições europeias foi um dos motivos pelos quais eu aceitei ir. Já sabíamos que a equipa ia jogar Liga Europa, tinha acabado de vencer a Taça de Portugal e ia voltar a ter essa experiência. E pronto, agradeço à Académica por isso, porque foi mais uma excelente experiência. Acabámos por defrontar o Atlético de Madrid e conseguimos ganhar, em Coimbra, à equipa de Simeone na altura. Depois foi a vitória de Plzen e o apoio de Israel. Foi mais uma experiência muito interessante e que agradeço à Briosa a oportunidade que me deu.

    BnR: Como dizes, participaste na vitória contra o Atlético de Madrid, entraste na segunda parte, numa partida que ficou 2-0. Excluindo o jogo da final da Taça contra o Sporting, sentes que foi a partida mais marcante ou a mais importante em que participaste ou tens outras na tua memória?

    Bruno China: Não, tenho outras. Tenho a vitória por exemplo com o Leixões no Dragão, por 3-2, em que acabo por marcar um golo. O Leixões também conseguiu ganhar em Alvalade, na altura, estivemos muito tempo em primeiro, conseguimos ganhar 1-0 em Alvalade. Tenho jogos com o Benfica, tivemos um jogo com eles quem que os eliminámos nas grandes penalidades, também nesse ano, de 2008-2009. Passámos, acho que foi para os quartos de final e perdemos com o Porto. E, claro, que esse jogo com o Atlético também é um jogo que, para mim, é memorável, é marcante. Não é todos os dias que se consegue ganhar o Atlético de Madrid.

    BnR: Tu, em Coimbra, foste orientado pelo Sérgio Conceição. Tens alguma história curiosa com ele, ou sobre ele? Como eram os treinos?

    Bruno China: O mister Sérgio Conceição é, como toda a gente sabe, muito exigente. Tão simples quanto isso. A palavra que o define melhor é a exigência. Quem não cumprir com a exigência claro que parte atrás dos outros, parece-me ser esse o grande lema dele. Tive o privilégio de trabalhar com ele e aprendi muito. Ainda bem que isso me aconteceu durante a carreira, pois ajudou-me na minha etapa como treinador e naquilo que quero seguir.

    BnR: Em seguida vais ao Belenenses, onde me lembro de ti como uma voz muito influente nesse balneário. Eras um elemento com muita experiência. Sentes que essa liderança era um dos teus pontos fortes?

    Bruno China: Sim, sem dúvida que sinto. Felizmente por onde passei, fui sempre uma voz respeitada, que era ouvido. Agradeço por isso também. Sempre que o fiz foi com a intenção de ajudar e de que as coisas corressem bem. Tem de ser esse o objetivo de um líder e no Belenenses tive essa oportunidade. Acabei por ser capitão de equipa muito pouco tempo depois de lá chegar, o que se calhar não é normal. As pessoas, na altura o mister Lito Vidigal, via em mim um líder e acabou por tomar esse caminho. Há que o saber interpretar da melhor forma.

    BnR: Regressaste ao Leixões em 2015/16, depois de um sexto posto no Belenenses. Foi um passo que sentiste que tinhas que dar antes do final a carreira?

    Bruno China: Sempre tive o objetivo de terminar no Leixões. Na altura, como disseste e bem, tínhamos acabado de ficar no sexto posto, tínhamos conseguido a classificação para as competições europeias. Eu até tinha mais um ano de contrato, mas entrou gente nova, entrou o treinador novo, na altura o Sá Pinto. Optaram por seguir outro caminho, que não estava nos planos dele. Tive de encontrar a melhor solução possível. Ainda tive outras soluções, mas que o Belenenses inviabilizou, por um motivo ou por outro. Até que surgiu o Leixões e aquela oportunidade de querer terminar aqui, de voltar novamente para casa e isso falou mais alto e acabei por voltar. Na altura até tinha situações de Primeira Liga, mas o Belenenses, por um motivo ou por outro, ou até eu mesmo, acabámos por dizer que não, e o destino acabou por me levar ao Leixões.

    BnR: Encontraste um Leixões bem diferente…

    Bruno China: Sim, sim. Tenho que o dizer. O Leixões estava totalmente diferente, a comparar com aquele que eu representei antes. Quer em termos de infraestruturas, em que o Leixões quando saí tinha um campo relvado para treinar, tinha todas as condições de treino para os jogadores, quer em termos de estrutura também. Era um Leixões totalmente diferente, em termos de corpo técnico e outras áreas, gabinetes que fazem parte de uma estrutura de um clube de futebol. Para além da dinâmica de clube com a cidade, que estava claramente em queda.

    Bruno China a treinar o Trofense
    Fonte: Instagram Bruno China

    BnR: Apesar de já teres encerrado a tua carreira de profissional, ainda atuas na equipa de veteranos do Leixões. Como é que é essa experiência?

    Bruno China: Eu jogo de vez em quando (risos). Aquilo é malta da minha geração, que fez a formação comigo. Alguns deles tiveram essa iniciativa de criar essa equipa e conseguiram que muitos se juntassem a essa ideia. De vez em quando lá vamos todos treinar e jogar, mas tudo na diversão. A maior parte de nós, que está naquele grupo, como fez formação no Leixões, muitos de nós têm muitos anos de Leixões e continuamos a nutrir um sentimento muito especial pelo clube. Porém, o intuito era a nossa geração voltar a encontrar-se.

    BnR: Agora que já encerraste a tua carreira de jogador, excetuando os veteranos (risos do entrevistado), sentes-te satisfeito com a tua carreira enquanto profissional?

    Bruno China: Sinto-me, sem dúvida. Quando era miúdo tinha um sonho, que era de chegar à equipa principal do Leixões e jogar com essa camisola. Felizmente, consegui isso e consegui muito mais. Consegui ganhar títulos ao serviço do Leixões, fazer coisas importantes pela equipa. Ainda conseguir ir a uma das melhores ligas do mundo e jogar contra grandes jogadores que normalmente só vês na televisão. Ainda consegui passar por emblemas históricos a nível nacional, como a Académica e o Belenenses. Estou muito contente com a carreira que tive. Agora, se me perguntas se acho que podia fazer mais… acho que todos os jogadores pensam sempre que podem fazer mais um pouco. Mas estou feliz e terminei tranquilo e em paz.

    BnR: Qual é que foi o colega de equipa e o técnico que mais te marcaram?

    Bruno China: Apesar de ter tido muitos técnicos que me marcaram, tive o privilégio de trabalhar com treinadores que estão em grandes clubes, tenho de escolher o Vítor Oliveira. Acho que na altura foi a pessoa, que mais acreditou em nós. É o técnico mais importante com quem trabalhei. Foi naquela altura em que estávamos na Segunda Liga há algum tempo. O Vítor Oliveira acreditou realmente em mim, deu-me a confiança necessário para demonstrar todo o meu valor e poder desenvolver o trabalho que consegui desenvolver. Naquela altura via a idade a passar e não conseguia dar o passo seguinte, que seria ir para uma Primeira Liga, mas não o estava a conseguir. O mister acreditou em mim desde o primeiro momento e deu-me a confiança necessário e felizmente consegui dar-lhe o que ele queria.

    BnR: Não te esqueças do colega…

    Bruno China: De médios, acho que o triângulo do Leixões, quando ficámos em sexto, era muito forte, com o Roberto Sousa e o Hugo Morais. Em termos individuais, o melhor médio com quem já joguei, ou até mesmo o melhor jogador foi sem dúvida o Borja Valero, ele não é deste nível. É claramente de topo, nível de Champions, seleção. Foi claramente o jogador com mais capacidade com quem joguei.

    «Borja Valero foi claramente o jogador com mais capacidade com quem joguei».

    BnR: Arrancaste a tua carreira de treinador, fizeste inclusivamente parte de equipas técnicas do Leixões. Era um passo que tinhas pensado enquanto jogador?

    Bruno China: Eu sempre gostei do jogo e de perceber por que as coisas aconteciam. Pela posição que ocupava no campo, muito central, também tinha essa capacidade. Quem realmente me fez gostar do treino e das outras vertentes que um treinador tem que ter, foi o mister Filipe Coelho, que atualmente está na equipa técnica do Paulo Bento. Tive a felicidade de apanhar o mister no final da carreira, mas fez-me ver outras coisas que eu até ali não tinha reparado nelas. Se o apanhasse no começo da carreira até podia ter tido uma carreira totalmente diferente da que tive. Foi ele que me incentivou a ser treinador, achava que tinha a liderança e o carisma necessários. É um técnico muito especial, assim como o Vítor Oliveira, voltei a ter gosto em jogador futebol.

    BnR: Treinaste o Leixões Sub-23 na temporada 2019/20, que ficou marcada pelo COVID-19. Sentes que foi um passo importante para ti passar pelos Sub-23? Achas que é uma boa competição para o futebol nacional?

    Bruno China: Sem dúvida. Para mim enquanto treinador foi muito importante, porque é um espaço em que não existe muita pressão em termos de resultados e podes aí fazer um trabalho mais tranquilo, podes experimentar nuances, desenvolver o teu trabalho com qualidade. Os treinadores dos Sub-23 têm essa oportunidade e ainda bem que a têm. Passei nos Sub-23 do Leixões, havia alguma dificuldade em logística e essa dificuldade também me fez crescer enquanto treinador. Nos meus projetos a seguir, sobre tudo em Espinho, havia dificuldade em termos de logística e infraestruturas, essa experiência no Leixões ajudou-me. Quando lutas por uma subida ou uma descida, a pressão é muito maior. Em termos de jogadores, acho que é um espaço competitivo, fizeram muito bem em terem criado este escalão. Na minha ótica a federação fez muito bem. É importante para os jovens, que saltam dos Sub-19 e ainda não têm lugar nos planteis principais dos seus clubes. Nos Sub-23 podem encontrar ali mais algum tempo para desenvolver o seu trabalho e as suas capacidades. Mais tarde poderão conseguir a uma equipa principal. É importante que os clubes participem nessa competição terem melhores infraestruturas e terem logísticas e condições de trabalho, para que os jovens possam crescer. Acho que isso é muito importante. É importante para um jovem sentir que não lhe falta nada para poder desenvolver o seu trabalho.

    BnR: Como é que te descreves como treinador?

    Bruno China: Enquanto sistema, a estrutura tática gosto mais é o 4x3x3. Tem sido a que tenho utilizado a maior parte do tempo. Enquanto treinador gosto de ser sobretudo alguém equilibrado. Gosto que as minhas equipas sejam equilibradas, que saibam o que têm que fazer quanto têm a bola, quando têm a bola, quando a perdem ou quando a ganham. Têm que ser equipas equilibradas.

    Bruno China e Leixões na final da Taça de Portugal
    Fonte: Instagram Bruno China

    BnR: Passaste pelo Campeonato de Portugal e pela Liga 3. Há uma grande diferença entre os dois níveis?

    Bruno China: Quando passei no Campeonato de Portugal, ainda não havia Liga 3, mas a nossa série de Espinho era muito equilibrada, era uma mini Liga 3. Tínhamos muitas equipas que estão a participar ou já participaram na Liga 3, como a Sanjoanense, o Anadia, o Canelas… Era uma série muito competitiva, muito equilibrada. Era a série B, um pouco à imagem de hoje, a série B parece a mais equilibrada. Porém, atualmente há uma diferença muito grande entre o Campeonato de Portugal e a Liga 3.  

    BnR: Achas que a Liga 3 fez bem à estrutura do futebol português? Pelo menos criou mais um passo para chegar à Segunda Liga…

    Bruno China: Considero que sim, até porque eram muitas equipas e havia poucas vagas de subida. Algumas séries eram também muito desniveladas, não no nosso caso. Por isso se calhar durante o ano tinhas meia dúzia de jogos competitivos. Neste momento já não. Na Liga 3 todos os jogos são competitivos. Todos os duelos são disputados e não há uma diferença muito grande entre as equipas. Isso claro que foi benéfico, para todos: jogadores, treinador e clubes. Mas acho que o que foi mais benéfico a exigência da federação para permitir a entrada na competição. Os clubes beneficiaram com essa exigência da federação. Tenho pena que a Liga 3 não seja um pouco mais alargada. Acho que poderia ter um número maior de equipas por série, sinceramente. Eram mais clubes a entrar na exigência da FPF, para ter melhores infraestruturas, para pagar a tempo e horas, ter estruturas mais profissionalizadas. Isso é que faz os clubes crescerem e por consequência os jogadores e os treinadores cresçam, assim como os diretores.

    Bruno China no Felgueiras
    Fonte: Instagram Bruno China

    BnR: O teu último desafio foi no grande rival do Leixões, o Varzim, onde as coisas não correram tão bem, tendo tu próprio colocado um processo frente ao clube. Gostaria de saber se está tudo resolvido…

    Bruno China: Não está resolvido, infelizmente. O Varzim continua sem cumprir com a sua obrigação, agora é uma situação que está entregue ao meu advogado e às instâncias judiciais. Em relação à minha experiência, é o que tu dizes e bem. É um grande rival do Leixões e se calhar paguei um pouco por isso, por ser uma figura do Leixões. As coisas não estavam a correr tão bem e talvez tenhamos pagado ainda mais pela ligação ao Leixões. O que posso dizer é que tive muita pena que as coisas não tivessem corrido como todos desejávamos. Encontrei um clube com umas condições de trabalho muito boas, com uma grande organização, uma estrutura muito organizada, mas que infelizmente, com todo o respeito para quem estava anteriormente, vinha já em queda, quer na classificação, quer no rendimento enquanto equipa. Tenho a certeza que o grande obstáculo ali foi mesmo o clique mental dos jogadores. Os jogadores pareciam-me estar muito saturados, muito cansados, porque a pressão de dentro do clube e a pressão de fora era muito grande e pareceram-me estar sem energia, já muito preocupados, ansiosos… por isso já vinham em queda na classificação e no seu rendimento. Quando nós fomos para o Varzim tínhamos a esperança de dar o clique. Penso que tivemos ali dois jogos que merecíamos claramente dado esse clique e merecíamos ter ganho. Acredito que se tivéssemos ganho um desses dois jogos os jogadores iam voltar a acreditar. Se calhar os jogadores estavam muito desacreditados. Internamente havia uma pressão muito grande para que as coisas acontecessem. Os dois jogos que merecíamos foram contra o Vilaverdense em Vila Verde e contra o Canelas em casa. Fizemos mais do que o suficiente para vencer. Os nossos jogadores acreditavam em nós, mas não estavam com energia. Infelizmente não conseguimos dar esse clique e não conseguimos chegar aos quatro primeiros e partir daí ainda se notou mais a ansiedade e o desacreditar os jogadores. Houve outros fatores, não gosto de responsabilizar ninguém, nem de sacudir a água do meu capote, assumimos a responsabilidade, que também é nossa. Agora não fomos os maiores responsáveis, claramente. Não tenho a menor dúvida. Nem fomos nós que construímos o plantel, nem fomos nós que fizemos os acertos em janeiro. Apenas trabalhámos com o grupo que estava ao nosso dispor, numa fase muito complicada. Temos pena por isso. Não é normal em seis jogos, em que tivemos que jogar três ou quatro em inferioridade numérica. No caso do primeiro jogo em Guimarães, aos 50’, estávamos empatados um igual e tivemos um jogador expulso em dois minutos, com dois amarelos. Até aí se vê a fase inicial que os jogadores estavam a passar. No jogo em São João de Ver temos o Bonilha aos 15’ expulso e no jogo contra o Montalegre, aos 2’, um outro atleta expulso. Isto tudo em seis jogos. Para uma equipa que já está desconfiada e desacreditada, ainda tem mais esse obstáculo. Complicou e muito as coisas. Tive pena, porque o clube era muito bem estruturado, tínhamos muitas condições, as tais condições que falámos há pouco. Tive pena de não começar uma época e de fazermos nós o plantel, escolhermos nós o plantel, de construirmos algo à nossa imagem, ou mais próximo dela.

    BnR: Qual o futuro de Bruno China? Gostavas de ficar em Portugal ou ir ao estrangeiro?

    Bruno China: A minha prioridade é ficar em Portugal. Já demonstrámos que temos valor, fizemos três trabalhos muito bons, o Leixões, o Espinho e o Felgueiras foram trabalhos muito bons. Sentimos que quando saímos de Felgueiras havia uma curiosidade muito grande sobre o nosso trabalho e por isso é que tomámos a decisão e sair de Felgueiras, pois pensávamos que íamos dar um passo para um patamar superior (Trofense), mas infelizmente até demos esse passo, mas para um clube sem condições de trabalho, com uma estrutura muito frágil e que nos atrapalhou imensa e a nossa evolução. Mias uma vez a entrar a meio, como aconteceu com o Varzim, em que não fomos responsáveis nem pela escolha de plantel, nem pelos objetivos propostos. Aprioridade é ficar cá por Portugal. Já provámos que temos valor e queremos encontrar o melhor projeto possível, com as melhores condições possíveis para demonstrar o nosso valor. A prioridade será a Segunda Liga ou um clube de Liga 3 que nos dê condições de infraestrutura e estrutura organizada para lutar por algo mais e que nos entusiasme.

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