«Quem vê agora o Académico de Viseu, só vê a ponta do iceberg» – Entrevista BnR com Rafael Ribeiro

    «A região não consegue criar jogadores suficientes com qualidade para se apresentarem ao nível de uma segunda divisão e muito menos da primeira»

    Bola na Rede: Como descreves a forma de jogar da tua equipa?

    Rafael Ribeiro: Obviamente que na minha cabeça há uma forma de jogar e isso não quer dizer que se concretize na prática. Nós estamos muito dependentes das características dos jogadores. Nem nós nem quase ninguém da segunda divisão, e mesmo da primeira, conseguimos ter a capacidade de ir buscar os jogadores que precisa para determinado modelo de jogo. Por isso, eu tive de adaptar a minha forma de pensar o jogo com aquilo que tinha. Posso dar um exemplo: um lateral direito que deveria ser um jogador canhoto. Este ano não tivemos nenhum jogador canhoto a jogar lateral direito e ter um destro naquela posição muda completamente a nossa forma de estar sobretudo no ataque. Obviamente há alguns pontos comuns: defender bem em 6×0 flutuante, sair bem e rápido para o ataque, prolongar os ataques o máximo de tempo possível, a não ser que existam oportunidades claras de golo e também a questão da recuperação defensiva, porque sofremos poucos golos em transição e em contra ataque.

    Bola na Rede: Nos últimos quatros anos o perfil de jogador do Académico mudou, deixando de dominar o jogador com muitos anos de casa. Vai ser mais difícil na primeira divisão o lançamento de jovens formados no clube?

    Rafael Ribeiro: Completamente. As pessoas aperceberam desde o primeiro ano que nós conseguiríamos ir ao encontro dos objetivos que nos tinham proposto. No primeiro ano, não tínhamos ninguém de fora do distrito de Viseu. À medida que o tempo foi avançando, foram entrando jogadores de outros pontos do país e estrangeiros. Teve de haver um investimento por parte da direção nesse sentido, porque a região não consegue criar jogadores suficientes com qualidade para se apresentarem ao nível de uma segunda divisão e muito menos da primeira. Na região, há um clube na segunda e três na terceira divisão. Isto advém de muitos fatores: muitos atletas chegam à idade de irem para a faculdade e vão para Porto, Coimbra, Lisboa, Aveiro,… Acabamos por não dar seguimento ao trabalho que vem debaixo para a equipa sénior. Também há a questão da pandemia, sofremos e continuamos a sofrer muitas baixas, os escalões debilitados no número de atletas. Infelizmente, nos últimos dois anos, mais neste último ano, a formação não conseguiu acompanhar o desenvolvimento da equipa sénior. 

    Fonte: AC Viseu Andebol

    Bola na Rede: Que melhorias consideras mais urgentes para se fazer na formação para diminuir a diferença em relação aos seniores?

    Rafael Ribeiro: Desde logo aumentar a base, também faço aqui um mea culpa porque sou coordenador do clube. Quando digo base, falo nos escalões dos mais pequeninos, minis, bâmbis e infantis. Apesar de vir a demorar muito tempo até chegar aos seniores, é preciso começar por algum lado.

    Bola na Rede: Como é feita a análise e observação para a escolha dos reforços? O Académico tem uma equipa de olheiros ou é a própria equipa técnica?

    Rafael Ribeiro: A equipa técnica sou eu. É uma realidade completamente distinta do que é o Futebol que na segunda liga, acredito eu, têm uma equipa técnica vasta, um diretor desportivo, um ou dois olheiros. Aqui no Andebol não é assim. Sou eu que falo diretamente com os jogadores obviamente sempre com a permissão da direção. Normalmente como os jogadores que tenho trazido para Viseu têm sido apostas ganhas, a direção dá-me carta branca nesse sentido. É minha responsabilidade. No Andebol, conhecemo-nos uns aos outros. Pessoalmente, tenho maior rede de contactos no Norte porque foi lá que fiz a minha carreira enquanto jogador e treinador. Contudo, também facilmente se consegue chegar ao contacto com atletas do Sul. Depois é ouvir opiniões, falar com os atletas que já jogaram com o jogador em questão. Observação através de vídeos é feita mais para quem vem do estrangeiro. Já tivemos casos e este ano estamos a trabalhar para trazer alguém de fora. Ainda não é tão evoluído como no Futebol. Aqui não há jogos televisionados na segunda divisão. Há os vídeos que nós filmamos e que passamos uns aos outros.

    Bola na Rede: Neste momento, há maior disponibilidade dos atletas em virem jogar para o Académico?

    Rafael Ribeiro: Sem dúvida. Ao dia de hoje, chegamos a jogadores e mercados que há um ano não chegávamos. Ao mesmo tempo que se abrem novos mercados, as exigências por parte dos jogadores são outras e nós não queremos perder estabilidade. Não podemos entrar em loucuras para fazer de tudo para ficar na primeira divisão. A estabilidade do clube tem de se manter seja qual for o desfecho. Nós somos um clube e estamos a entrar agora neste circo. Alguns jogadores acabam por exagerar, na minha opinião, nas condições que pedem. No entanto, vamos ter muitos jogadores que já atuaram na primeira divisão.

    Bola na Rede: Na entrevista antes da fase final, disseste que mesmo que o Académico acabasse por ficar na II Divisão iria ter um plantel da I Divisão. A base do plantel será a do ano passado?

    Rafael Ribeiro: Não. São ciclos normais e vamos ter muitas entradas para compensar. Nessa altura, já tínhamos assegurados dois ou três jogadores fechados em posições chave independentemente onde estivéssemos na época seguinte. Foi por isso que disse isso. Depois à medida que a fase final foi decorrendo e a subida ganhou forma, fechámos mais alguns jogadores que nos podem dar garantias da primeira divisão. Eu não podia estar à espera do dia 4 de junho [data do final da temporada] para começar a construir a equipa porque provavelmente muitos jogadores já estariam fechados noutros clubes. O mercado está muito cerrado: não há oferta ou a que há não tem a qualidade que entendemos ser necessária. A redução do número de equipas também provoca mais dificuldades. Portanto, não foi um processo fácil. O plantel ainda não está fechado. Ainda estamos à procura de uma ou duas soluções que não é fácil de encontrar dentro do que são as nossas limitações.

    Bola na Rede: E na próxima temporada, o Académico vai conseguir o lateral direito canhoto que referiste que faltava nesta?

    Rafael Ribeiro: Sim, até foi um dos primeiros jogadores que se comprometeu connosco independentemente de estarmos ou não na primeira divisão. É sempre mais difícil contratar um canhoto, porque não são muitos. Ainda procurámos ter dois. Muitas equipas da primeira divisão têm dois porque primeiro têm capacidade financeira para isso e permite manter o mesmo estilo de jogo. Nós só vamos ter um lateral direito canhoto de raiz. Provavelmente vamos ter de fazer uma adaptação para ter uma alternativa, mas já está assegurado o lateral direito canhoto e isso deixa-me mais tranquilo e entusiasmado. Ao fim ao cabo, sabemos que, à partida, vamos descer porque as equipas que sobem têm sempre mais dificuldade em se manter. O campeonato vai voltar a reduzir [de 14 para 12 equipas] o que dificulta ainda mais a tarefa. Se o campeonato mantivesse as 16 equipas da última época, eu acredito piamente que nós nos manteríamos na primeira divisão. Contudo, isto ao mesmo tempo torna tu mais interessante porque a responsabilidade está do lado dos que vão lutar para não descer connosco que já têm muitos anos de primeira divisão. Se for possível não ficar nos últimos dois lugares [de descida direta] e lutar pelo playoff, ótimo. Se for possível fugir dos quatro últimos lugares, incrível seria um milagre, mas também seria fruto de muito trabalho com certeza.

    Bola na Rede: Perante os três candidatos ao título, a forma de jogar terá de ser diferente?

    Rafael Ribeiro: Eu não concordo com aqueles que dizem que os jogos contra o Porto, o Sporting ou o Benfica não é um jogo do nosso campeonato. Não é verdade porque dentro da competição não há campeonatos diferentes. Sabemos que temos 99,9% de probabilidade de não ganhar esses jogos, mas nada nos impede de deixar pelo menos desconfortável este tipo de equipa. Vai depender do contexto no momento. No Andebol não é como o Futebol em que posso ter 11 jogadores atrás da linha da bola e não rematar à baliza. Por exemplo, às vezes marcar dois golos consecutivos sem eles marcarem pode provocar algum tipo de reação.

    Bola na Rede: Para acabar este capítulo do Académico, foi notícia do jornal O Jogo a contratação de três jovens jogadores cedidos pelo Sporting CP [Benjamin João, Duarte Seixas e Eduardo Almeida]. Como vês a questão da juventude e a experiência no escalão máximo? Consideras que é necessário que a base do plantel tenha anos de experiência prévia na primeira divisão para atingir os objetivos do clube?

    Rafael Ribeiro: Primeiro, confirmo que fomos buscar três atletas ao Sporting. Segundo ponto. Vamos partir do pressuposto que os outros são melhores do que nós, porque têm mais anos, têm atletas com outras capacidades. Então a forma que temos de diminuir esta diferença é provavelmente trabalhar mais do que os outros. Esses três miúdos do Sporting vêm nesse contexto: procuramos jogadores que pudessem vir para Viseu, morarem na casa que temos para oferecer aos atletas e poderem treinar além das cinco vezes por semana à noite, fazer ginásio e treinos bi/tridiários. Apesar de serem jovens e dois deles serem ainda atletas sub20 para o ano, eles são da formação de Sporting o que acaba por ser um cartão de visita. Os três vêm de um ano de primeira divisão a jogar regulamente. O meu objetivo é inseri-los num contexto diferente com um misto de juventude e experiência. Não experiência de idade porque não vamos ter atletas dos 34 anos para cima, mas vamos ter atletas com experiência de primeira divisão. Se calhar o ano passado sentiram a diferença do que é passar da equipa B ou de uma segunda divisão do que é o escalão máximo. Eu acredito que no nosso contexto irão mostrar mais do que no ano passado e a mim não me importa temos ido buscar três atletas à equipa que ficou em último lugar no ano passado [Boa Hora].

    Fonte: AC Viseu Andebol

    Bola na Rede: Com a subida de divisão, vais contar mais com elementos na equipa técnica?

    Rafael Ribeiro: Não vai entrar ninguém de fora. Eu continuarei a ser o treinador, treinador adjunto e o treinador de guarda redes do Académico de Viseu. Provavelmente terei alguma ajuda na análise de jogo de uma pessoa de dentro do clube que também é treinador porque é muito diferente uma primeira e uma segunda divisão sobretudo nos jogos que vamos ter obrigação de lutar para ganhar. O clube não tem condições para trazer ninguém de fora. Sou profissional do clube, só vivo disto por isso também tenho obrigação de preparar os atletas da melhor forma.

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    Pedro Filipe Silva
    Pedro Filipe Silvahttp://www.bolanarede.pt
    Curioso em múltiplas áreas, o desporto não podia escapar do seu campo de interesses. O seu desporto favorito é o futebol, mas desde miúdo, passava as tardes de domingo a ver jogos de basquetebol, andebol, futsal e hóquei nacionais.