«Quem vê agora o Académico de Viseu, só vê a ponta do iceberg» – Entrevista BnR com Rafael Ribeiro

    «Gostava de estar numa equipa, se for preciso como adjunto, que me permitisse ter alguém ao lado que me fizesse ver o Andebol de outra forma»

    Bola na Rede: Como se iniciou o teu percurso no Andebol?

    Rafael Ribeiro: Eu não comecei no Andebol. Grande parte da minha infância e adolescência joguei Futebol. Joguei muito tempo no Salgueiros, apesar de o meu pai que sempre esteve ligado ao andebol. Jogou em algumas das melhores equipas nacionais, mas sempre deixou-me decidir o que eu queria fazer. Só que a uma dada altura o meu pai treinava o Clube Veteranos da Senhora da Hora que subiu de divisão, mas era necessário ter camadas jovens para ser promovido. Então, eu e os meus colegas do Futebol juntámo-nos e ao fim de semana jogávamos, mas não treinávamos. Houve uma altura em que era impossível conciliar as duas modalidades e eu optei pelo Futebol. Só que, entretanto, quis parar e o meu pai convenceu-me a voltar para o Andebol, no Leça da Palmeira. Comecei a jogar muito tarde nos juvenis e cheguei a júnior já a jogar nos seniores, mas na altura já começava a dar treinos aos mais pequenos. Depois deixei de jogar muito novo e houve a possibilidade de ir para a Dragon Force começar a treinar. Considero-me melhor treinador do que jogador, mas também não era difícil.

    Bola na Rede: Como foi o teu percurso nas camadas jovens do Porto?

    Rafael Ribeiro: Eu tive três anos na Dragon Force/ FC Porto. Eu comecei com treinador dos Infantis e adjunto dos Juvenis e acabei a minha ligação ao Porto como adjunto da equipa B e ainda como treinador dos Infantis. Depois, vim para Viseu através do FC Porto.

    Bola na Rede: Como surgiu a oportunidade de vires para o Académico de Viseu?

    Rafael Ribeiro: O Académico percebeu, na altura, que para andar para a frente tinha de se associar algum projeto. O Professor José Magalhães [diretor desportivo do FC Porto], em nome do Porto, fez a ponte e entendeu que eu poderia ser uma opção válida para assumir o projeto e, em 2016, fiz esta mudança na minha vida.

    Bola na Rede: Que treinadores mais te inspiraram neste percurso?

    Rafael Ribeiro: É uma pergunta difícil. Eu estive no Porto no período de Obradovic que veio impor um andebol mais físico, mas a verdade é que foi campeão nacional sete vezes consecutivas. Independentemente do estilo de jogo e da forma de ele ser no jogo e no treino, o que importa é o que ele fez. É uma referência. Também o meu pai pela forma de lidar com a equipa. É um treinador de grupo e eu cada vez me convenço mais que, por mais boas ideias para os treinos e para o jogo, é fundamental ter uma relação incrível com os atletas porque são eles que vão jogar e sem eles o treinador não faz nada. Internacionalmente, aprecio muito a escola espanhola. O Barcelona foi agora bicampeão europeu, primeiro com o Pasqui e agora com o Ortega, dois técnicos espanhóis. A própria Seleção Espanhola, apesar de não ser a melhor em termos individuais, tem um jogo que lhes permite estar sempre nas decisões.

    Bola na Rede: Tens 29 anos de idade. Como é a relação com os jogadores, sendo alguns deles até mais velhos?

    Rafael Ribeiro: Foi difícil ao início. Eu tinha atletas bem mais velhos do que eu. Entrei com 24 anos no Académico. Cheguei a ter um atleta com 42. Eu fui sozinho para Viseu a viver pela primeira vez fora de casa. Obviamente que tive de me apoiar nos meus atletas porque eram a minha companhia. Ainda hoje são, mas naquela altura havia a relação amigo atleta e hoje isso não se confunde. Muitos dos meus jogadores são meus amigos, mas já há uma distinção bem clara. O facto de termos subido consecutivamente e de estarmos neste patamar hoje faz com que olhem para mim com outros olhos já de há algum tempo porque os resultados falam por si. Já não se faz confusão de jogar contra atletas mais velhos do que eu, no início fazia.

    Bola na Rede: Que metas traças para a tua carreira?

    Rafael Ribeiro: A curto prazo, o que me dava mais gozo era manter o Académico na primeira. Vale mais do que o título de campeão da segunda divisão. Depois, sem falsas modéstias, acho que tenho ainda muito para aprender e gostava de estar numa equipa, se for preciso como adjunto, que me permitisse ter alguém ao lado que me fizesse ver o Andebol de outra forma. Eu acho que cometo muitas falhas não só na forma de estar no jogo, mas sobretudo na forma daquilo que é o treino. Eu sei que não tenho muitas portas em Portugal em que possa viver só do Andebol. Se eu quiser continuar só a depender do Andebol, muito provavelmente terei de ir para fora. Dependendo do que possa ser o nosso desempenho na primeira divisão, pode surgir a oportunidade de aprender fora. A longo prazo, assumir uma equipa que lute por outros objetivos pelos quais o Académico vai lutar para a próxima época e por que não juntar o título da primeiro divisão ao da segunda.

    Bola na Rede: Como vês a evolução do Andebol nacional, em termos de clubes e da Seleção?

    Rafael Ribeiro: Vejo de uma forma natural. A partir do momento em que existe um desenvolvimento dos clubes, a Seleção A e as jovens só têm a ganhar. Na minha opinião, é devido a vários fatores: os clubes investem mais, mesmo com atletas estrangeiros com qualidade acabam por aumentar o nível dos jogadores portugueses. Os jogadores também estão melhor preparados, apostam-se nos atletas mais novos, começa-se a trabalhar cada vez mais cedo que resulta num desenvolvimento precoce como mostra a participação da Seleção no Mundial Sub-20. A participação e o facto de chegarem longe nas provas europeias no caso do Porto, Sporting e Benfica, acabam por trazer mais qualidade. No entanto, as equipas europeias têm um patamar grande que baixa consideravelmente ao fim de semana no campeonato. Acho que é preciso que as equipas da parte debaixo terem uma aposta maior para reduzirem as distâncias, mas isso vai demorar muito tempo. Quanto maior for o sucesso no Andebol, mais miúdos vão querer jogar, mais clubes vão surgir e a qualidade vai acabar por surgir.

    Bola na Rede: Depois da conquista da Liga Europeia pelo Benfica, é possível repetir o feito  ou chegar à Final Four da Champions esta época? A diminuição dos jogos no campeonato pode ajudar nesse sentido?

    Rafael Ribeiro: Eu estou triste pelo campeonato ter sido reduzido. Este facto leva a menos jogos e menos duelos desnivelados. Isso vai fazer as equipas com maior orçamento e de outro nível. O que o Benfica fez este ano foi incrível. Não só por ter ganho o título europeu, mas porque venceu ao campeão da Alemanha, a melhor liga do mundo. É um feito que tem de entrar para a história. A aposta que o Porto tem feito é para chegar longe na Liga dos Campeões. Os reforços já anunciados são prova disso mesmo, principalmente o dinamarquês vindo do Aaalborg que esteve no lote dos nomeados para melhor central da Liga dos Campeões [Nikolaj LÆSØ], o que há alguns anos seria impossível. Primeiro, é importante passar para os oitavos de final que já não consegue há três anos. O grupo é equilibrado, porém mais acessível do que em 2021/2022. Já o Sporting e o Benfica podem ter ambições de chegar a uma Final Four. O Belenenses e o Águas Santas não têm nada a perder, têm muito menos responsabilidade do que as outras três equipas.

    Bola na Rede: Para o final, queres deixar alguma mensagem aos adeptos do Académico de Viseu e do andebol em geral?

    Rafael Ribeiro: Aproveitem ver o Académico na primeira divisão. Vai ser um momento histórico. Para os adeptos da modalidade, sempre que o Académico jogue, devem ir ver. Prometemos ter um andebol positivo. Vamo-nos divertir. Não temos responsabilidade, os outros é que têm e isso vai-se notar dentro de campo. Em relação aos viseenses, apelámos a que toda gente nos ajude. É tudo mais: mais receitas, mas também mais despesas. Precisamos muito do apoio da região:  empresas, indústria, … Porque só assim é que podemos competir contra as outras equipas. Apelar a que todos os jogos em casas sejam mesmo jogos em casa. Às vezes, no Pavilhão do Fontelo, não tínhamos a noção se estávamos a jogar em casa ou fora. Se não fizerem barulho, pelo menos que marquem presença porque é diferente jogar com um pavilhão cheio do que vazio. É o que vou dizer aos atletas e serve também para os viseenses: aproveitem a oportunidade de uma equipa no escalão máximo!

    Artigo revisto por Joana Mendes

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Pedro Filipe Silva
    Pedro Filipe Silvahttp://www.bolanarede.pt
    Curioso em múltiplas áreas, o desporto não podia escapar do seu campo de interesses. O seu desporto favorito é o futebol, mas desde miúdo, passava as tardes de domingo a ver jogos de basquetebol, andebol, futsal e hóquei nacionais.