«Quero estar rodeado de pessoas ambiciosas e que apresentam objetivos aliciantes» – Entrevista BnR com João Pereira

    João Pereira é treinador do Alverca e esteve à conversa com o Bola na Rede. O técnico de apenas 32 anos está a disputar a fase de subida da Liga 3 com o conjunto ribatejano e, nesta conversa, abordou a competição em que está inserido, o desenvolvimento de Geny Catamo e ainda a aposta nos treinadores jovens em Portugal. Um exclusivo Bola na Rede.

    «Nós, no Alverca, com muitas alterações que foram feitas de uma época para a outra acabámos por estar aqui ainda para a luta da fase de subida e é algo também que nos deixa bastante orgulhosos».

    João Pereira, treinador FC Alverca

    Bola na Rede: João Pereira, antes de mais obrigado pela disponibilidade para falar conosco. Queria começar exatamente pela atualidade e perguntar-lhe quais são as sensações destes primeiros seis jogos e que análise faz a este início da fase de subida e de apuramento de campeão da Liga 3.

    João Pereira: É uma fase que está a ser mais competitiva em relação à época anterior. Eu, felizmente, tive oportunidade de vivenciar a fase final também da época anterior e posso dizer factualmente, também temos isso provado a nível estatístico e acho que a tabela classificativa também acaba por refletir isso. São mais equipas, com uma mescla de equipas do Norte e do Sul que fazem com que existam identidades diferentes, ideias diferentes, treinadores diferentes, jogadores com perfis diferentes e faz com que obviamente esta fase seja competitiva.

    Bola na Rede: Estamos na 6.ª jornada e faltam ainda oito jogos para o final. Já dá para ter uma ideia de que equipas vão estar realmente na luta até ao fim? O último classificado Varzim tem quatro pontos e o líder Lusitânia de Lourosa já leva 16. Que antevisão faz ao que resta ainda da temporada?

    João Pereira: Ainda nem a meio vamos, mas podemos tirar algumas ilações. Neste momento a equipa mais forte acaba por ser o Lusitânia de Lourosa e isso acaba por se refletir não só naquilo que são os pontos conquistados mas consequentemente na consistência que conseguem apresentar jogo após jogo. Não é admiração para mim, conhecendo o treinador, a qualidade do seu plantel e as pessoas responsáveis por toda a estrutura não fico admirado. Obviamente que trabalhar sobre uma promoção que foi o que aconteceu ao Lourosa, dando continuidade a uma grande parte dos jogadores é positivo. Muita gente pensa que é um handicap uma equipa que sobe do Campeonato de Portugal. Eu penso que, para um treinador, acaba por ser uma mais valia, porque acaba por ter continuidade naquilo que é a ideia do próprio jogo e aquilo que é também a ideia em termos de gestão e liderança de balneário. E o trabalho acaba por ser facilitado nesse sentido, é tempo que é ganho. Nós no Alverca, com muitas alterações que foram feitas de uma época para a outra acabamos por estar aqui ainda para a luta da fase de subida e é algo também que nos deixa bastante orgulhosos.

    Bola na Rede: Pegando um pouco naquilo que é o percurso do João, o seu primeiro contacto ao nível do futebol sénior foi como adjunto do Luís Gonçalves na seleção nacional de Moçambique. Como surge este convite e como foi fazer parte deste projeto?

    João Pereira: A nível de Séniores já tinha tido uma experiência dos 18 aos 20 anos no futsal, também em campeonato nacional. Mas sim na prática a primeira experiência acaba por ser na seleção nacional. São experiências diferentes, tenho abordagens com jogadores diferentes, com direções diferentes, modelos de gestão diferentes e isso acaba por ser sempre uma mais valia para aquilo que é o meu crescimento, o crescimento da minha equipa técnica também e ter essa oportunidade para nós somos muito gratos de poder viver essas mesmas oportunidades.

    «Geny Catamo? O potencial já lá estava e neste momento estar a viver o que está a viver não é admiração para ninguém que teve oportunidade de conviver com ele».

    João Pereira, treinador FC Alverca

    Bola na Rede: Se tivesse que escolher um jogador com quem trabalhou nessa altura, assim menos conhecido e que acha que tenha potencial para vir a pisar os grandes palcos, que nome é que nos indicaria?

    João Pereira: Na altura era o Geny Catamo, não era tão conhecido e já não existiam dúvidas relativamente ao que seria o futuro dele e também não estou admirado em relação ao que ele conseguiu conquistar. O potencial já lá estava, o excelente profissional que era, a excelente pessoa que era e neste momento estar a viver o que está a viver não é admiração para ninguém que teve oportunidade de conviver com ele. Portanto diria o Geny Catamo porque na altura ninguém o conhecia.

    Bola na Rede: Nessa altura já dava então para ver essas caraterísticas no Geny, esta verticalidade que ele apresenta no jogo, a qualidade no um para um. Já era um jogador diferenciado na altura?

    João Pereira: Sim já era diferenciado, não tinha era a constituição física que tem ao dia de hoje e também excelente trabalho por parte do Sporting nesse sentido. Destacar o desenvolvimento físico do Geny Catamo que acaba por potenciar as capacidades que ele já tinha: essa tal capacidade de ir no um contra um, a agilidade, a capacidade de sair de lances de pressão, de atacar a profundidade e toda a explosividade e mudança de direção que ele tem e que acaba por conseguir tirar vantagens em relação ao adversário. E o Sporting acaba por usufruir também daquilo que são as caraterísticas dele com muito mérito do Rúben Amorim que olhou para o Geny e percebeu o que é que o Geny pode dar ao seu jogo e potencia o jogador nesse sentido.

    Bola na Rede: Depois segue-se o Amora. Perguntava-lhe como foi para si o virar de página de uma época que imagino que não tenha sido fácil: termina a primeira fase no primeiro lugar e depois uma fase final que não corre da melhor forma. Como foi para si, este virar de página e a mudança do Amora para o Alverca?

    João Pereira: Por um lado foi fácil pela abordagem que o Alverca teve, desde o início que senti uma grande vontade de puderem contar comigo enquanto treinador e com a minha equipa técnica, mesmo a nível de projeto, toda a ambição que foi apresentada na primeira reunião onde o objetivo era a subida de divisão. Eu quero estar rodeado de pessoas ambiciosas e que apresentam objetivos aliciantes. Mas também foi difícil por estar a desmembrar-me do Amora que tanto me deu e de um presidente como o José Maria Gallego que me deu a primeira oportunidade de ser treinador principal e me deu toda a confiança em todos os sentidos: tanto na reconstrução do clube, na reconstituição do plantel, promover departamentos, criar ligações com o futebol jovem com a academia do Amora. Tudo isso obviamente foi fruto do nosso trabalho mas o primeiro mérito parte sempre para as direções que confiam nas equipas técnicas. Tal como aqui o Alverca, que neste momento estamos numa boa posição em termos daquilo que é a tabela classificativa, nós com muito trabalho diário que temos e os jogadores a acreditarem em nós e a reproduzirem tudo aquilo que é o trabalho feito aqui diariamente no jogo a jogo. Mas o culminar disto tudo é toda a confiança que a direção tem em nós e a crença que tem em relação aquilo que é o trabalho tanto da equipa técnica como dos jogadores. E se não existisse essa confiança também não existiria esta continuidade. Nós, felizmente, podemos dizer que desde que existe Liga 3 é a primeira vez que esta direção confia única e exclusivamente numa equipa técnica. Existia o habitué do Alverca mudar de treinador todas as épocas. Até à data ainda não nos aconteceu. E se me fizerem a pergunta “Como é que isso aconteceu?” é fruto do trabalho de todos aqui e da confiança que existe entre todos porque se não existisse, obviamente nós já não estaríamos cá e estariam outros. Mas essa confiança tem se sentido desde o primeiro dia até ao dia de hoje e é mérito de todos, principalmente dos nossos diretores que trabalham aqui conosco diariamente e do nosso presidente, o Dr. Ricardo Vicintin.

    Fonte: Amora FC

    Bola na Rede: A competição também sofreu algumas alterações e em vez de quatro equipas passa a ter oito e em vez de seis jornadas passa a ter as 14. Pensa que assim o molde competitivo passa a ser mais justo?

    João Pereira: Sim, porque acaba por promover mais a regularidade e eu acho que os campeões são feitos de regularidade e consistência. E nós lutamos diariamente para construir essa consistência. Em seis jogos tivemos quatro jogos fora, algo que acaba por promover a conquista pelos meus jogadores dos pontos da tabela classificativa. O Alverca desde que está na Liga 3 nunca tinha conquistado tantos pontos à sexta jornada. Isto com um orçamento bem menor em relação a essas mesmas épocas. E isto só nos deixa altamente motivados para o resto do campeonato que nos falta e para o objetivo que é subir de divisão.

    Bola na rede: Faltam ainda oito jogos para terminar a fase final e o Alverca está neste momento em lugar de play-off, já abriu uma certa vantagem para o Felgueiras e a Académica que estão atrás. O objetivo da tão ambicionada já não está tão longe quanto isso?

    João Pereira: Não, ainda está porque faltam oito jogos. Se não formos competentes agora contra o Lourosa iremos ficar mais distantes daquilo que é o objetivo. Se não formos competentes com o Braga, iremos ficar ainda mais longe do objetivo. Portanto, aquilo que temos de ser é competentes contra o Lourosa e contra o Braga na jornada em que iniciamos a segunda volta e temos de fazer melhor do que fizemos na primeira. Esse tem de ser o objetivo, tem de ser a nossa motivação. Vamos ter mais jogos em casa do que fora e não esquecer que há equipas como o Lourosa que terá de jogar mais jogos fora do que em casa. E eu considero que esse fator é muito importante, porque acabamos por jogar na nossa zona de conforto junto dos nossos adeptos e isso para nós é muito importante.

    «Cá iremos esperar o Lourosa para com as nossas armas conseguirmos combatê-los e conquistar os três pontos junto dos nossos adeptos».

    João Pereira, treinador FC Alverca

    Bola na Rede: Nesta próxima jornada o Alverca recebe, então, o Lusitânia de Lourosa. Pergunto-lhe se por ser um jogo frente ao líder e na viragem para a segunda volta, este jogo tem uma importância acrescida ou é apenas mais um jogo?

    João Pereira: É apenas mais um jogo. É um jogo importante porque todos os jogos são importantes. O jogo mais importante é sempre o próximo, e efetivamente é. O jogo com o Lourosa é importante mas não é decisivo. E é importante esta distinção de palavras, distinguir o que é importante e o que é decisivo. Temos um longo caminho ainda pela frente, oito jogos. O próximo jogo contra o Lourosa é importante. Queremos vencer, o Lourosa também quer vencer. E cá iremos esperar o Lourosa para com as nossas armas conseguirmos combatê-los e conquistar os três pontos junto dos nossos adeptos.

    Bola na Rede: Se pudesse contar com qualquer outro jogador da Liga 3 no Alverca, qual seria?

    João Pereira: Aí a resposta é fácil, com todos aqueles que tenho neste momento. São os meus que são importantes. Obviamente que conheço os jogadores adversários mas para poder contar com um jogador há muitos critérios para dizer a uma direção que efetivamente é este jogador que eu quero. O ponto de vista técnico/tático é importante mas depois o fundamental para nós acaba por ser também o ser humano que é. Eu não conheço os jogadores adversários nesse sentido de forma aprofundada. Conheço de forma abstrata através de algum “diz que disse” mas não de uma forma vincada porque nos focamos mais em nós. Mas teria aqui uma lista significativa como primeira abordagem, porque acho que a Liga 3 está composta por jogadores que têm qualidade para estar noutros patamares. Mas depois terá de ter sempre uma análise daquilo que é o ser humano e isso para nós é fundamental.

    Bola na Rede: E se tivesse que apontar o nome de um atual jogador do plantel do Alverca que sente que pode dar o salto brevemente, que jogador indicava?

    João Pereira: Não estando a individualizar, porque é algo que não gosto de fazer. Será sempre mais fácil para aqueles jogadores que estão entre os 18 e os 26 anos. Temos vários exemplos de jogadores que já conseguiram dar o salto nesse sentido. Não é impossível jogadores acima dos 26 mas obviamente será mais fácil esses jogadores nesse intervalo de tempo. O mais importante é aquilo que eles fazem semanalmente, não interessa se o João Costa fez os golos que fez se não continuar a querer mais e mais semanalmente as pessoas acabam por esquecê-lo. Falo do João Costa mas podia falar de outros jogadores, nesse sentido de conseguirem assistências e golos ou no sentido defensivo serem os mais fortes naquilo que são os duelos pelo chão ou os duelos aéreos. Isto do ponto de vista estatístico, porque depois temos também uma triagem do ponto de vista qualitativo naquilo que são os comportamentos com bola, sem bola e aí eles têm também de tentar ser o mais eficazes possível.

    Bola na Rede: O João tem apenas 32 anos, e cada vez mais tem se visto a aposta no treinador jovem. Cá em Portugal o melhor exemplo talvez seja o de Rúben Amorim e lá fora temos também o exemplo do Julian Nagelsmann. Neste momento o Alverca tem 4/5 jogadores no plantel que são mais velho que o João, como é lidar com estes jogadores no seu dia a dia?

    João Pereira: É normal, são tratados da mesma forma. Quem me conhece e trabalhou comigo, mesmo no Amora e na seleção (Moçambique) sabe que os jogadores são todos tratados da mesma forma. Temos determinados princípios e valores que não abdicamos e todos os jogadores têm de estar envolvidos nesse ambiente. Com uma responsabilidade acrescida desses jogadores mais experientes que trazem uma bagagem já de trás com experiências que já foram tendo. Têm uma responsabilidade acrescida no sentido de transmitirem e serem melhores exemplos para os jogadores mais jovens. Eles também têm essa função e de conseguirem ajudar aqui ou ali a equipa técnica com experiências que já foram tendo. Nós não somos donos e senhores da razão, não sabemos tudo também. Temos um estilo de liderança em que gostamos de ouvir os nossos jogadores e de conversar com eles, para que eles possam ajudar naquilo que é a tomada de decisão para conseguirmos vencer seja que jogo for, e termos cada vez mais certeza naquilo que estamos a construir. Esses jogadores acabam por nos vaçidar muitas vezes ou algumas vezes temos de alterar umas nuances relativamente à abordagem do jogo.

    «Neste momento o único foco está em ir treinar amanhã, competir no fim de semana e disfrutar.»

    João Pereira, treinador FC Alverca

    Bola na Rede: Para o João, a nível pessoal, quer com subida de divisão quer com manutenção, o plano passa por continuar no Alverca na próxima época?

    João Pereira: Eu neste momento estou feliz onde estou. Aquilo que eu controlo é o dia de hoje. As pessoas confiam em mim e eu confio nas pessoas. Neste momento o único foco está em ir treinar amanhã, competir no fim de semana e disfrutar. Sem criar grandes planos, porque como eu disse anteriormente para eu ser treinador no Amora foi preciso a direção confiar e ter coragem de apostar. Aqui no Alverca igual, o projeto de subida que já vem de há vários anos e existir essa coragem da parte da direção em sair um pouco fora da caixa e apostar no treinador jovem que ainda não é regra, é exceção. Eu sou o treinador mais jovem das três divisões, mas se formos à Alemanha há treinadores mais jovens do que eu na primeira divisão. E daí eu apelidar de corajosa a decisão dar direções, porque efetivamente no nosso contexto em Portugal é uma atitude corajosa. Acho que é algo que com o tempo vai deixar de existir: esse preconceito com o treinador jovem nos seus 30 anos e acabará por ser regra, porque todos os treinadores são importantes independentemente da idade que têm ou do nível de experiência que tenham e como eu costumo dizer aquele que vença mais vezes é aquele que se adapta mais vezes. Portanto, acho que estamos numa sociedade que vive cada vez mais de evolução, de adaptabilidade e daí eu corroborar desta ideia de que os treinadores que tiverem mais capacidade de adaptação, vão ser os treinadores com mais sucesso.

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