«Scouting é basear a paixão que temos pelo jogo com capacidade de avaliação e perceção» – Entrevista BnR com Sérgio Cecílio

    Professor Neca entrevista À BnR

    Desde 2018 que Sérgio Cecílio é scouter do Koge, clube da segunda divisão dinamarquesa, com ambição de chegar à primeira e cujo treinador fez 232 jogos pelo Liverpool. Numa conversa bem-humorada, Sérgio desvenda alguns dos seus métodos de trabalho, discute a análise de vídeo, de dados estatísticos e também ao vivo, relata as realidades diferentes que encontrou nas dezenas de países que já visitou e dá a sua opinião sobre as diferenças entre a cultura futebolística portuguesa e dinamarquesa.

    «O João Palhinha, no Alta de Lisboa, não era titular indiscutível, nos iniciados, e agora está onde está e a pessoa que jogava no lugar dele, a última vez que o vi estava a trabalhar numa loja de desporto no Colombo» 

    Bola na Rede: Olá, Sérgio, obrigado por aceitares o convite do Bola na Rede para fazermos esta entrevista. Antes de discutirmos o teu papel no scouting, quero perguntar-te qual a memória mais antiga que tens do futebol (quer seja a jogar com amigos, a ver um jogo na televisão ou a ir a um estádio)?

    Sérgio Cecílio: É engraçado, provavelmente foi os 7-1, do Sporting CP ao SL Benfica, porque, na altura, é assim, não posso dizer que tinha um clube ou outro, tinha quatro anos, portanto não posso dizer que era desta ou daquele. Lembro-me de estar com o meu pai, de ligarmos ao meu avô, da parte da minha mãe, que era benfiquista e de gozarmos com ele.

    Bola na Rede: Fala-me agora do teu percurso como scouter, começaste no Koge, em 2018; como é que chegaste a este clube que atualmente está na segunda divisão dinamarquesa?

    Sérgio Cecílio: Em Portugal, durante treze anos, trabalhei numa academia de uma Escola Academia do Sporting, e fui fazendo sempre algum trabalho de scouting para outro clubes e amigos, de género de freelancer. E depois, em 2016, 2017, se não estou em erro, juntei-me ao Moura Atlético Clube numa parceria e ajudei o Moura nessa época, não bem no scouting mas mais como consultor, por assim dizer. Sempre tive esta paixão de avaliar e de ver os jogadores, também por causa das academias e entretanto, em 2016, através de um jogador que jogou no Guimarães, Sebastian Svard, conheci o presidente do Koge. Visitei-o, ele visitou-me a mim aqui e fomos mantendo esta amizade e em dois anos, em 2018, eu visitei várias vezes a Dinamarca, ele visitou várias vezes Portugal, inclusive até numa viagem com patrocinadores do clube, eu recebo-os e ajudei-os aqui na cidade e ele dizia sempre “eu vou-te levar para trabalhares comigo”, mas nós ouvimos tanta coisa no futebol, eu dizia sempre que sim. Uma vez, ele veio com os treinadores – na Dinamarca fazem isto, por exemplo, agora no princípio da época, fazemos uma viagem só com os treinadores, eu, o presidente, e ficamos todos na mesma casa, num género de convívio – e ele trouxe os treinadores e diz “queremos falar de uma coisa séria, agora já te podemos fazer um convite oficial e ver se estás interessado ou não”. E eu “estou, quando é que é para ir, amanhã?” [risos] ele disse “calma, tenho que arranjar condições” e passado mês e meio, dois meses, fui para a Dinamarca.

    Bola na Rede: No Koge, quais é que têm sido as tuas funções, têm variado ou cingem-se muito ao mesmo?

    Sérgio Cecílio: No papel, eu sou o diretor de scouting. Durante os dois anos em que contactámos bastante, eu fui sempre mandando jogadores, fazendo um bocadinho de puxa-saco [risos], não é bem puxa-saco, ia mostrando algum trabalho, na esperança que ele cumprisse aquilo que já tinha prometido, que cumpriu. Eu fui como diretor de scouting da formação, que era onde tinha alguma experiência, mas ele já tinha visto algum do meu trabalho e falávamos muito de futebol e de jogadores, então disse “eu vou-te meter na equipa principal”. Nos primeiros meses, passei da formação para a equipa principal. Neste momento, posso dizer que sou o diretor de scouting da primeira equipa e dos sub-19, onde há uma interligação entre as duas equipas. Mas na prática, eu faço muito mais que isso porque nós não temos diretor desportivo, só sou eu e o presidente. Eu contacto os agentes, trato de questões relacionadas com os jogadores, portanto é como se fosse um género de diretor desportivo.

    Fonte: Inter Allies FC

    Bola na Rede: O que é preciso para se ser scouter?

    Sérgio Cecílio: Para já, paixão pelo futebol, isso é básico. Tens que ter mesmo paixão porque vais ver jogos de vários escalões, de várias realidades. Cada país onde fui, felizmente já foram muitos, vi futebol. Mesmo que vá de férias, acabo sempre por ver um jogo para conhecer as várias realidades. Portanto, tens de ter paixão, depois, tens de perceber o jogo, isso é muito importante. Ambas estão interligadas. Eu não vou dizer que sou suprassumo, nem sequer tenho curso de treinador. Para te dar um exemplo, às vezes, é bom ver se um jogador atingiu um potencial que tu pensavas que ele ia atingir e isto nem sempre é linear. Nessa academia do Sporting CP andou o João Palhinha, no Alta de Lisboa, e ele não era titular indiscutível, nos iniciados, e agora está onde está, e a pessoa que jogava no lugar dele, a última vez que o vi estava a trabalhar numa loja de desporto no Colombo. Isto não é uma coisa linear e nós não somos adivinhos. É basear na paixão que temos pelo jogo, na nossa capacidade de avaliação e também na perceção do jogo que temos. Claro que cometemos muitos erros de avaliação, isso é normal, com a experiência vais errando cada vez menos.

    Bola na Rede: A quantos países é que já foste e podes contar uma história caricata que tenha acontecido num deles?

    Sérgio Cecílio: Fui ao Quénia, Gana, Tunísia, Marrocos, depois Suíça, Áustria, Alemanha, é normal esses países. Irlanda, Irlanda do Norte, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil, nos Emirados Árabes Unidos. Não me lembro de mais… na Europa já fui a quase todos. França, Espanha, República Checa. Assim que cheguei ao Quénia, foram-me buscar ao aeroporto, encostámo-nos a beber um café porque aquilo era um trânsito brutal do aeroporto até à cidade, e o agente que me convidou (porque aquilo foi um torneio organizado por agentes) disse-me logo “quanto é que achas que eu te posso pagar para facilitar a ida de um jogador?”, e eu disse assim, “eu acho que tu te podes facilitar a ti próprio se tiveres bons jogadores. Eu tenho ordenado do meu clube, portanto estou à vontade, se tiveres qualidade não precisas de pagar nada”. E ele, “não leves mal, é que já liguei para uns portugueses no passado e é sempre assim”. Eu disse “pronto, ok, mas olha eu não sou assim”. Depois há histórias caricatas, como por exemplo, no Gana. Estive no Gana três semanas porque a Capelli Sport, que é a dona do meu clube, tinha lá um clube também (entretanto tirámos a nossa participação de lá), mas foi engraçado perceber porque é que os pontas de lança tinham tão má finalização. Porque não treinam finalização porque as balizas não têm redes e não querem perder as bolas. Essas coisas nós nem nos lembramos que possam acontecer.

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    Afonso Viana Santos
    Afonso Viana Santoshttp://www.bolanarede.pt
    Desde pequeno que o desporto faz parte da sua vida. Adora as táticas envolvidas no futebol europeu e americano e também é apaixonado por wrestling.