Reportagem BnR | O regresso do CF Os Belenenses aos campeonatos profissionais

    Deixando o carro na Rua de Alcolena com a vista desafogada para a Torre de Belém, faltava uma hora para o duelo entre Belenenses e Sanjoanense, mas já se ouvia um burburinho que só aumentou a cada passada rumo ao Estádio do Restelo. Chegado ao recinto, a fila para os bilhetes já dava meia volta ao polidesportivo e outra fila de tamanho semelhante encontrava-se em frente à barraca da cerveja e das bifanas. 

    Ao falar com pessoas vestidas de azul, umas apoiavam o clube desde sempre, outras estavam lá por simpatizarem com o mesmo. Todas sabiam da possibilidade histórica que o clube podia concretizar naquele dia 6 de maio: o regresso aos campeonatos profissionais, depois do diferendo com a SAD em 2018, que levou o Belenenses a criar uma equipa para começar a competir no escalão mais baixo possível – a 3ª divisão distrital. 

    No entanto, este caminho “serviu para recuperarmos a nossa identidade”, afirma António, adepto do clube desde criança: “Poderia haver outras formas de o fazer, esta foi a nossa e é bom ver que muitas pessoas acreditaram no mesmo”.

    Foi há quase cinco anos que 2.000 espectadores assistiram ao primeiro jogo desta aventura: uma vitória por 4-0 sobre o Desportivo Parque das Nações. 

    «Ir para a distrital era a decisão que tínhamos de fazer» – acredita Diogo, que também apoia o clube desde sempre – «No início fiquei triste, o futebol da distrital não tinha muito interesse, mas a ideia de acompanhar o clube desde o zero e de ver o ambiente dos jogos fez-me querer acompanhar os jogos todos». «O clube recuperou a sua identidade, a SAD não tinha os mesmos interesses que o clube».

    Quatro subidas de divisão depois, o Belenenses tinha, no passado sábado, uma oportunidade de ouro de subir à II Liga – apenas o empate bastava. 

    O pontapé de saída já ocorrera e ainda havia filas enormes para comprar bilhetes e para as bancadas. Entrando nelas, éramos engolidos por um mar ruidoso de apoio azul.

    Adepto Belenenses
    Fonte: Luís Batista Ferreira / Bola na Rede

    A famosa claque “Fúria Azul” estava de pé em frente ao meio-campo e fazia o seu papel, mas na bancada lateral, nos setores 1 e 2, surgiu uma “claque de improviso” que animou as hostes daquela zona. 

    O jogo foi nervoso, tendo ambas as equipas hipóteses de lutar pela subida. No norte do país, o Lank Vilaverdense vencia confortavelmente o Amora. Enquanto o Belenenses lutava pelo empate, a Sanjoanense tinha de vencer por pelo menos dois golos para lutar pela subida e provocar lágrimas nos azuis da Cruz de Cristo. 

    A construção desse desfecho quase viu a luz do dia ao minuto 62, quando Danrlei cabeceou sem hipóteses para o guardião David Grilo, mas Gonçalo Maria, como que empurrado pelo rio Tejo que sempre abençoou a vista daquele estádio, fez um corte milagroso em cima da linha de golo.

    Finalmente, com 0-0 no resultado, o apito final deu o mote para a explosiva festa que se seguiu, começando com uma invasão de milhares de pessoas ao relvado – cerca de 8.000 assistiram à partida nas bancadas. A do Belenenses rapidamente se esvaziou, enquanto os adeptos parabenizavam os seus heróis num misto de selfies, abraços e saltos. 

    Os Belenenses Sanjoanense jogadores
    Fonte: Luís Batista Ferreira / Bola na Rede

    Já no balneário, a festa dos jogadores era rija, com cânticos que têm marcado este percurso do Belenenses, nomeadamente: «A nossa paixão não tem divisão». Nesse balneário, como o atleta Xavi Fernandes mostrou nas suas redes sociais, estava colado o recorte de uma notícia de ABola de 4 de fevereiro, onde José Sousa discutia as hipóteses de subida de divisão do Belenenses: «é preciso ter argumentos. Se olharmos para os plantéis de outros clubes… são muito superiores. Esta é que é a realidade».

    Em entrevista ao Canal 11, o técnico da equipa Bruno Dias destacou o papel dos jogadores: «Foram heróis, não há outra forma de o dizer. O que nós fizemos foi estratosférico. O nosso percurso foi inacreditável – no dia 1 de fevereiro estávamos em 6º lugar, e agora subimos de divisão. Mérito total dos jogadores, acreditaram desde sempre e ainda mais nos momentos difíceis».

    Quando pedido para destacar um jogo que definisse esta época do Belenenses, o treinador de 36 anos não tem dúvidas em indicar a vitória por 0-1 no terreno do Sporting B, com um golo de Flavinho aos 88 minutos. «Foi o momento da época. Aos 3 minutos o Gonçalo Maria foi expulso, jogámos 100 minutos com menos um em Alcochete, com o Sporting B a utilizar todas as suas armas (Fatawu, Mateus Fernandes) (…) nós fizemos um jogo de uma transcendência incrível e depois nos pés do Flavinho estava um mar azul que tinha que entrar na baliza do Sporting B».

    Voltando ao relvado do Estádio do Restelo, um jovem adepto resumiu assim esta época: «São cinco anos de sofrimento desde que fomos para o inferno, agora estamos na II Liga e cada vez mais perto da I. Isto ainda não acabou, mas sem um dos orçamentos mais altos da Liga 3 conseguimos chegar aqui, parece surreal ainda. Vai demorar muito a celebrar!».

    Ainda assim, o foco já está também na próxima época, como indica o mesmo adepto: «A garra dos jogadores está cá, os adeptos estão apegados à equipa, já temos as bases para fazer algo bom, temos que acreditar na direção para fazer as melhores decisões». 

    A decisão seguinte dos jogadores foi ir para um autocarro de teto aberto e descer até à Praça Afonso de Albuquerque, em Belém. Pelo caminho, as ruas enfeitaram-se de cachecóis, camisolas, bandeiras, chapéus e tochas azuis, enquanto os atletas cantavam com aqueles que sempre os apoiaram. 

    Chegados ao destino, os jogadores subiram à estátua do antigo vice-rei da Índia e, junto ao antigo Campo do Pau do Fio, a primeira “casa” de sempre do Belenenses, e ao lado do banco onde, a 23 de setembro de 1919, Artur José Pereira fundara o clube, viveram-se momentos de confraternização com os adeptos nunca vistos neste século. 

    Falta agora disputar a final da Liga 3 com a União de Leiria no próximo dia 20 no Estádio do Jamor – uma batalha final entre dois emblemas históricos que, pouco a pouco, estão a regressar aos “seus” lugares no futebol português. 

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    Afonso Viana Santos
    Afonso Viana Santoshttp://www.bolanarede.pt
    Desde pequeno que o desporto faz parte da sua vida. Adora as táticas envolvidas no futebol europeu e americano e também é apaixonado por wrestling.