«Ganhei dois Euros com duas seleções diferentes» – Entrevista BnR com Zeca Rodrigues

    – Carreira no Panathinaikos –

    BnR: Verão de 2011 e dás mais um salto, mas desta vez para a Grécia. Sentias-te preparado para esse desafio, uma vez que tinhas apenas um ano de Primeira Liga? E como é chegar a uma equipa recheada de estrelas?

    ZR: De verdade, não achava que estava preparado, mas a oportunidade chegou e era bom para mim. Ia para um clube que lutava para ser campeão e ia às competições europeias, e então pensei: “Apareceu agora esta oportunidade, não sei quando pode voltar a aparecer uma igual, vamos agarrá-la com unhas e dentes e dar o máximo para conseguir ter sucesso ali”. E quando lá cheguei, é que vi realmente a qualidade do plantel era elevadíssima com grandes jogadores: jogadores que ganharam o Euro 2004, que jogavam na seleção francesa, atletas que jogaram no Liverpool, jogadores que ganharam o Mundial como o Gilberto Silva. Na altura em que cheguei, ele saiu ao fim de uma semana, mas ainda convivi com ele e só pensava: “Não acredito que estou no balneário com o Gilberto Silva que jogou no Arsenal e venceu o Mundial” (risos).

    BnR: Uma realidade totalmente nova daquela que tinhas vivenciado até então, onde o Jesualdo Ferreira também teve um papel importante certo?

    ZR: Completamente diferente, não esperava para ser sincero chegar ali e ver aquele balneário, ver aqueles jogadores que estás habituado a ver na televisão e que costumam ganhar coisas importantes. Com o passar do tempo, também com o professor Jesualdo Ferreira que apostou em mim desde o início e foi o melhor treinador que tive até hoje. Acho que posso dizer que tudo o que sei hoje no futebol e a maneira de ver o jogo foi por causa do professor Jesualdo Ferreira, e pôs-me naquela equipa e com aqueles jogadores, fui aprendendo cada vez mais, os treinos eram de um nível superior, os jogadores também e eu nesse caso só podia melhorar, e se isso não acontecesse é porque alguma coisa estava errada comigo ou não estava a fazer as coisas como deve ser. Mas tinha tudo para melhorar, os treinadores eram portugueses e falavam a minha língua, numa altura em que ainda não falava inglês, por isso foi uma grande ajuda.

    BnR: E qual foi a melhor lição que recebeste dele?

    ZR: A melhor lição que ele me deu foi a receção orientada, pois perdeu muito tempo comigo para eu fazê-las bem, já que quando recebia a bola estava sempre de costas para a baliza adversária, nunca metia o meu corpo de uma forma que pudesse tanto ir para trás ou para a frente. O meu primeiro controlo era sempre para trás e depois tentava-me virar, e ele levou muito tempo comigo, parava os treinos e ensinava-me a forma de meter o meu corpo, a forma de estar em campo e tentar sempre mexer a minha cabeça, olhava para um lado e para o outro, ver onde é que estavam os adversários, onde podia receber a bola e daí fazer o controlo orientado e isso foi das coisas que me fez melhorar muito. Hoje estou muito grato que ele me tenha ensinado isso porque vejo que esse pormenor é metade do futebol, a receção e perceção de onde estás no campo e onde estão os adversários é metade do trabalho feito. 

    Fonte: Arquivo pessoal de Zeca

    BnR: Além do Seitaridis, tinhas no meio-campo a companhia de Katsouranis e Karagounis que passaram pelo campeonato português. O que aprendeste com eles em termos de adaptação ao campeonato e perceção de jogo?

    ZR: No meu início, lembro-me que o que eles queriam fazer era que me sentisse bem e fosse aprendendo um pouco de inglês porque eles podiam dizer-me como é que se diziam as coisas em português, e foi mais nessa de me fazerem sentir bem e parte da equipa. Depois foi explicar como era o campeonato, a história do clube, a história dos dérbis contra o Olympiacos, eles também viam que eu estavam a melhorar cada vez mais e muito rápido. O que me ajudavam muito era em campo, chamavam por mim para posicionar ali, vir para aqui, ou seja, situações do jogo normal. Quando os jogos terminavam, o Katsouranis vinha falar comigo e dizia “Lembras-te daquele lance ali, ali e ali? Tens de fazer isto, fazer aquilo, fechar mais por dentro, estar mais aberto”. Quando por vezes o lateral metia a bola no Katsouranis, eu já sabia que ele ia meter de primeira nas costas do defesa, porque nessa altura jogava a extremo quando cheguei ao Panathinaikos, e ele dizia-me “De oito em dez vezes, a bola vai entrar nas costas do lateral porque sei que as defesas não estão tão orientadas e organizadas, e como tu és mais rápido que eles, os jogadores que estão na frente são mais rápidos, portanto quando a bola vier do lateral, prepara-te para correr nas costas. Não olhes para mim, não olhes para mais nada, quando a bola está no meu pé, saí a correr”. Na maioria das vezes, pegava os defesas de surpresa mesmo eles sabendo, aquilo era tão rápido…a bola chegava e já estás a fazer o movimento que depois aparecia muitas vezes em situação de golo ou de fazer a assistência. E pronto, ele puxava por mim, sentava-se ao meu lado e explicava as coisas. 

    BnR: Foi um apoio importante no início da aventura no Panathinaikos.

    ZR: Sim, e, depois disso, continua a ser. Quando tenho jogos da seleção, ele vem ter comigo ao hotel e falamos sobre a vida e de futebol, por causa da seleção, para me dizer algumas coisas, o que podia ter feito melhor, que estive bem ou que fiz um grande jogo. Até hoje, falamos muito.

    BnR: Qual era o teu estado de espírito na estreia no dérbi Olympiacos vs Panathinaikos? Ainda para mais, com um golo…melhor estreia era impossível certo?

    ZR: É engraçado falares nisso, até porque nesse dia estávamos no centro de treino, e quando estamos a ir para o autocarro para irmos para o estádio, entro no autocarro e não consigo parar de tossir. Tossia, tossia e tossia, e o Jesualdo, ao fim de 10 minutos de me ouvir tossir, sai da parte da frente do autocarro, vem ter comigo e diz assim: “O que é que se passa? Estás com medo de jogar? Com medo do jogo? É que se tiveres com medo do jogo, diz-me já que não te ponho a jogar!” – porque já sabíamos quem é que ia jogar – “Não te ponho a jogar e mudo-te já!”. E eu, meio a tossir, respondi: “Não mister, está tudo bem” (risos). “Então vê lá se bebes água e pões-te como deve ser que isto não é uma guerra, não é nada de mais, é um jogo.”. “Ok mister”. Ele começa a andar para o seu lugar, mas vira-se para mim e volta a frisar “Se não tiveres bem, diz-me que te tiro logo!” (risos).

    BnR: Os nervos a falarem mais alto (risos)

    ZR: Ali comecei a acalmar-me um pouco mais, apesar de continuar a tossir, e quando chego ao estádio e vamos para o aquecimento. Nesse momento, quando piso o relvado e vejo aquele ambiente todo, desapareceu tudo! Não sei o que me aconteceu, mas fiquei calmo, estava muito focado no jogo, aquela ansiedade toda desapareceu e estava tranquilo. E em relação ao golo, se fores ver esse lance, o golo acontece da forma como expliquei antes: vinda do lateral, o Katsouranis mete uma bola por detrás das costas da defesa para o Quincy – que foi o jogador mais rápido com quem já joguei até hoje, uma autêntica “flecha” (risos) – e quando a bola está a ir na direção do outro extremo, vejo que ele sai a correr e digo para mim “Este gajo só pode ganhar a bola, porque ele é mais rápido”. Então, eu saio da outra ponta a correr, ele mete a bola perfeita para o primeiro poste, e de carrinho faço o primeiro golo.

    (Resumo do jogo – Golo aos 0:49)

    BnR: E qual a sensação de fazer o golo ao rival?

    ZR: Foi incrível, um sentimento espetacular. O meu primeiro golo pelo Panathinaikos na casa do Olympiacos, o eterno rival, foi demais. E foi a partir desse momento que as pessoas começaram cada vez mais a gostar de mim e adorar-me mais. Passei a ter uma relação diferente com os adeptos depois desse dia e desse golo.

    BnR: No Panathinaikos, és utilizado a 6 e 8. Em qual destas posições te sentias mais confortável a atuar?

    ZR: Houve uma altura em que me sentia confortável a jogar a 8. Nos dois primeiros anos no Panathinaikos, sentia-me muito bem a jogar nessa posição. Depois veio outro treinador, colocou-me a jogar ao lado de outro colega, só que era o que tinha menos liberdade para atacar. E a partir desse momento comecei a gostar mais de estar ali atrás a criar mais jogo, pois um dos meus pontos fortes que posso dizer que tenho é na recuperação à perda da bola, acho que sou muito forte nisso, então começava a posicionar-me para saber onde é que a bola ia cair e o que é que ia acontecer, e conseguia ganhar muitas bolas, estava sempre em jogo e criava jogo, comecei a gostar cada vez mais e a tentar ser melhor nessa posição que agora só me vejo a jogar nessa posição de 6.

    BnR: Em 2013/2014, passas a usar a camisola número 10 e a braçadeira de capitão. Sentiste o peso da responsabilidade de envergar um número mítico e ser o líder do balneário?

    ZR: Por acaso, confesso que na altura não queria o número. Inclusive, quando chego ao Panathinaikos, o 10 estava disponível e lembro-me do meu empresário Carlos (Gonçalves) me perguntar: “Estão me a perguntar pelos números, qual é o que queres?”. E eu “Quais são os disponíveis?” “O 10…olha, porque não metes o 10 nas costas?!”. Disse logo “Não Carlos, o 10 é muito peso para esta altura, deixa-me estar” (risos). Havia o 17, e como no Vitória tinha usado esse número, fiquei com ele. Depois, ao fim de dois anos, quando subo a capitão de equipa, não tive escolha para o número, o treinador acabou por eleger os números da equipa, porque esteve muitos anos na Holanda e lá fazem muito colocar o onze inicial com os números de 1 a 11, e na altura, ele disse que ia ser o número 10, que não tinha hipóteses de escolha e iria jogar com esse número e ser o capitão de equipa. Foi nesse instante que pensei “Tenho aqui um osso duro de roer” (risos). Porque quando as coisas não correm bem, tens de dar a cara pela equipa.

    BnR: Assumir a responsabilidade pela equipa, como se costuma dizer.

    ZR: Sim, e não é nada fácil. Os adeptos podem ser os melhores do Mundo, mas às vezes podem ser os piores, não há ali meio-termo. Foi altura de muita pressão, o clube estava numa fase de transição em que saíram muitos jogadores, e de repente a maioria do plantel era das camadas jovens, e a equipa era completamente nova, e estava a ver que podia ser um ano difícil, mas felizmente até acabou por ser um ano positivo para nós.

    BnR: Nessa mesma época, conquistas a Taça da Grécia. Quão importante foi para ti e para o clube conquistar esse título?

    ZR: Para mim, foi muito importante pois era o meu primeiro troféu que ganho na carreira. E foi incrível a forma como ganhámos a Taça por 4-1 contra o PAOK, foi espetacular. E como capitão poder levantar a taça, acho que podes imaginar que foi uma sensação muito boa. Um sentimento único e nessa altura lembro-me de ter pensado na minha família e nos amigos que estavam em Portugal. Conquistar algo após três anos neste clube que tanto merecia, e já há quatro anos que não ganhava nada, e as pessoas, tanto do clube como os adeptos, estavam à espera de vencer algo para dar algum alento devido aos problemas financeiros que começávamos a ter. Foi uma “lufada de ar fresco” para a equipa.

    BnR: Os gregos são caraterizados pela forma apaixonada com que vivem o futebol. Tens algum episódio marcante?

    ZR: Não consigo escolher apenas uma, pois tive várias situações, boas e más, mas na realidade quero-me lembrar das positivas. Recordo-me de entrar no Estádio Olímpico de Atenas num jogo frente ao Olympiacos, e estarem 68 mil pessoas, só Panathinaikos.

    BnR: Uma sensação espetacular, imagino…

    ZR: Foi incrível, o estádio todo a puxar por nós do primeiro ao último minuto, o ambiente super fervoroso. Sinceramente, não passa pela cabeça de ninguém! Não paravam um minuto, e isso dá-te um boost enorme e uma força incrível. Também me recordo do último jogo que fiz pelo Panathinaikos contra o Athletic Bilbau, em que começaram a cantar o meu nome em todo o estádio, e ainda não sabiam da proposta, nem mesmo eu, para ir-me embora, e cantarem o meu nome foi espetacular. E outra situação foi quando ganhámos a Taça, em que fomos ter com os adeptos, saltaram das bancadas para vir festejar connosco e não criaram problema algum, só queriam era celebrar com a equipa e foi lindo. Outro episódio foi quando vencemos o Olympiacos por 0-3 na casa deles, em que se eles vencessem o jogo, eram campeões. Nós podíamos ter feito parte da festa, só que conseguimos impedir, e, na chegada ao centro de treinos, tínhamos sem exagero 1500 adeptos à nossa espera, e fomos obrigados a fazer 3,4 kms a pé para chegar ao centro de treinos.

    BnR: Loucura total (risos)

    ZR: Para tu veres, os adeptos decidiram fechar com os carros e tudo, para a equipa sair mesmo do autocarro para nos abraçarem e fazer a festa. Houve jogadores que foram levados em braços e tudo! (risos).

    BnR: Atendendo ao teu percurso no Panathinaikos, sair do clube foi a decisão mais difícil que tiveste de tomar até hoje?

    ZR: Foi sem dúvida. Sabia que tinha uma semana para me decidir até ao mercado de transferências fechar, e percebi que na altura o clube precisava de dinheiro, também não vou ser mentiroso, porque para mim era melhor financeiramente, e houve um momento em que percebi que o clube necessitava de dinheiro e tinha de me vender. Mas eu mesmo assim, continuava a dizer “Não sei se eu quero sair” e o meu coração diz-me uma coisa e a cabeça outra. A cabeça dizia “Zeca, vai que será melhor para ti e tua família”, mas o meu coração estava ali no clube. Fazia parte daquilo e já tinha idealizado não jogar por mais nenhum clube, inclusive acabar ali a minha carreira. Foi complicado e lembro-me que no dia em que assinei e fui-me despedir dos colegas, chorei o dia todo. Não me conseguia aguentar e dizer “Adeus” às pessoas do clube com quem tenho uma grande relação com elas, e vê-los chorar por mim, pedirem-me para não ir ou, se fosse, para nunca os esquecer e ir dando notícias, que eles iam fazer o mesmo. E só por isso podes perceber o nível de amizade forte que tenho. Até tenho duas pessoas no clube, uma é a Maria que digo que é a minha “mãe grega” e outra que é o senhor Gregory que chamo como “pai grego”, e sempre que lhes ligo, é uma alegria imensa. São duas pessoas importantes, falo muito com eles e sabem muita coisa da minha vida que passei e ainda hoje passo, ligo-lhes e conto tudo, então são pessoas muito importantes. Devido a tudo isso, foi muito difícil sair do clube.

    BnR: Tiveste seis épocas na Grécia, fazes 248 jogos e eras muito acarinhado pelo público. Sentes que conseguiste conquistar um lugar no Olimpo?

    ZR: Por um lado posso dizer que sim, mas por outro não e vou explicar porquê. O porquê de dizer que sim, foi pela forma como me entreguei ao clube e pelo amor e carinho que as pessoas têm por mim, e saber que consegui ser o terceiro jogador estrangeiro com mais jogos no clube, e isso quer dizer muita coisa. Mas por outro lado, digo que não por não consegui conquistar aquilo que eu queria, que era mais campeonatos e mais taças. Mas sinto que no coração dos adeptos do Panathinaikos, não sei tanto na história do clube, fiquei na história.

     

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    Guilherme Costa
    Guilherme Costahttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme é licenciado em Gestão. É um amante de qualquer modalidade desportiva, embora seja o futebol que o faz vibrar mais intensamente. Gosta bastante de rir e de fazer rir as pessoas que o rodeiam, daí acompanhar com bastante regularidade tudo o que envolve o humor.                                                                                                                                                 O Guilherme escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.