A ‘Maldição Peseiro’ e o grito de revolta de Haller

    Quis o destino que a final de uma das mais imprevisíveis competições de futebol dos últimos tempos fosse também ela um autêntico guião de Hollywood. Longe de ter sido sempre bem jogado, o último duelo do Campeonato Africano das Nações não se conteve no seu caráter dramático. Les Éléphants até começaram a perder, mas acabaram por dar a volta ao resultado graças aos golos de Frank Kessié e Sébastien Haller. Troost-Ekong apontou o golo da Nigéria. Esta é a terceira vez que a Costa do Marfim vence a CAN. A última havia sido em 2015.

    Mas permitam-me recuar um pouco atrás no tempo, até porque o tal guião de Hollywood começou a ser escrito antes sequer de Costa do Marfim e Guiné-Bissau terem disputado, no dia 13 de janeiro, o primeiro jogo da prova.

    A meados de novembro do ano passado, Nse Essien, membro do comité executivo da federação da Nigéria, a respeito do mau início da seleção nigeriana na caminhada rumo ao Mundial 2026, veio a público esclarecer que caso houvesse dinheiro para indemnizar José Peseiro, a sua demissão seria quase certa. Volvidos quase quatro meses, o técnico português conseguiu mesmo levar as Super Águias à final da mais importante prova de seleções do continente africano, depois de um início atribulado. Mudou o sistema tático, agarrou os jogadores e eliminou Camarões, Angola e África do Sul.

    Do outro lado, a Costa do Marfim, anfitriã da competição, até começou a CAN com o pé direito, mas seguiram-se duas derrotas nos dois jogos seguintes, deixando a seleção do sportinguista Diomande muito perto da eliminação. A descrença era tal que Jean-Louis Gasset acabou mesmo por ser despedido na sequência da humilhante derrota por 4-0 frente à Guiné Equatorial. Com o alto patrocínio de Moçambique (empate com o Gana na última jornada da fase de grupos), a Costa do Marfim seguiu em frente na competição como um dos terceiros melhores classificados. Na sequência do inesperado golpe de teatro, Emerson Faé, de forma interina, assumiu o comando técnico da sua seleção… e acabou campeão de África.

    Quanto ao jogo, muita luta de parte a parte é o perfeito resumo de um jogo pouco vistoso do ponto de vista técnico. As bolas paradas fizeram a diferença, com um golo para cada lado na sequência de pontapés de canto, mas a Nigéria esteve sempre mais longe da baliza adversária (acaba o jogo com um golo no único remate direcionado à baliza de Yahia Fofana). Por isso, a vitória da Costa do Marfim não sofre qualquer contestação. Embalados pelo brutal apoio nas bancadas, os marfinenses foram mais fortes e reservaram, com toda a justiça, o direito a festejar.

    José Peseiro perdeu a final com um golo de Haller já nos últimos 10 minutos
    Fonte: CAF

    Se Emerson Faé tem muitas razões para sorrir, o mesmo já não se pode dizer de José Peseiro, que pela segunda vez na sua carreira volta a perder uma grande final. A primeira experiência futebolística com contornos traumáticos aconteceu em 2005, ao serviço do Sporting, quando os leões perderam a final da Taça UEFA, em Alvalade, contra o CSKA Moscovo. Coincidência ou não, em ambos os casos, a equipa orientada pelo treinador português acabou derrotada depois de ter ido para o intervalo em vantagem. Aquele que poderia ter sido um verdadeiro conto de fadas para o técnico de 63 anos transformou-se num novo pesadelo. Agora, será interessante perceber que futuro terão os dois treinadores, sendo quase certa a saída do treinador português.

    Peseiro segue com duas Taças da Liga, uma Taça de Portugal, uma II Divisão B e uma Liga Egípcia no currículo.

    Sébastian Haller Costa do Marfim
    Fonte: CAF

    Em julho de 2022, Haller foi diagnosticado com um tumor nos testículos e foi obrigado a parar de competir. Seis meses depois – já curado – voltou aos relvados. Um ano e meio depois, o mesmo Sébastien Haller, sob olhar atento da ex-estrela do futebol marfinense Drogba, marcou o golo que deu a CAN à sua seleção. Um momento especial para o avançado do Borussia Dortmund, que não escondeu a emoção no final da partida.

    Não foi o melhor jogador da prova, nem mesmo da sua seleção, mas foi ele a grande figura desta final. Mais do que um golo, Haller protagonizou um verdadeiro grito de revolta.

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