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Está de regresso a competição com que todos sonham. As noites que nos deixam com um arrepio na espinha. As noites que enchem o coração aos adeptos de futebol. Dois meses depois, está de regresso a Liga dos Campeões.
O tempo ganhou uma importância inesperada. A pandemia fez aumentar os dias. 24 horas parecem intermináveis e estes dois meses foram um exercício de paciência. Algo que se adensa quando nos confrontamos com a triste sina do futebol português, que tende a perder horas de discussão em torno de questões de arbitragem, que em nada prestigiam o desporto que tantos adeptos tem. Abra-se um parêntesis às «discussões aqui da paróquia» para se falar do «futebol a sério», com as melhores equipas, os melhores jogadores e treinadores.
Esta é talvez uma das Ligas dos Campeões mais imprevisíveis dos últimos tempos. E por dois aspetos em particular: a densidade dos calendários e a ausência de público. Relativamente ao primeiro tempo, esta tem sido debatida um pouco por toda a Europa. Basta fazer uma simples pesquisa e perceber-se que estamos perante 16 equipas sobrecarregadas de jogos. Não que isso seja uma novidade para a maioria, mas a grande novidade deste ano prende-se com a dificuldade de gerir tantos jogos em tão pouco tempo. Para os mais esquecidos, é importante lembrar que esta época começou mais tarde e vai acabar na mesma altura das épocas «normais». O exercício matemático é simples e leva-nos à conclusão que é preciso jogar com menos tempo de descanso.
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— UEFA Champions League (@ChampionsLeague) February 16, 2021
Posto isto, o calendário desta época deveria ou não ter sido repensado? Penso que sim. Bem sei que existem compromissos (sobretudo publicitários) que inviabilizam talvez a não existência de algumas provas (por exemplo, as Taças da Liga), mas também me parece claro que ter equipas mais cansadas é ter jogadores com menos discernimento. Por consequência, piores espetáculos.
Podem dizer-me que “na Liga dos Campeões ninguém está cansado” e que o cansaço físico é apenas um eufemismo. Podem dizer-me que o que importante é a saúde que se tem na cabeça. Talvez, mas imaginem chegar a jogos como estes e ter atletas com quase 50 jogos nas pernas. Por muita capacidade anímica, é quase impossível que isso não se reflita na qualidade do jogo.
Quanto ao segundo ponto, a situação é ainda mais interessante de ser analisada. Esta Liga dos Campeões já está completamente descaracterizada. A pandemia e as limitações impostas por alguns países levam à mudança do palco de alguns jogos. Sabe-se hoje que as eliminatórias entre RB Leipzig e Liverpool; entre Atlético de Madrid e Chelsea e entre B. Monchengladbach e Manchester City serão realizadas em campos neutros. Sem adeptos e pior, sem alma. E sim, porque as bancadas, mesmo vazias, podem transmitir sentimento. Ou alguém acha que os jogadores do Liverpool não preferem olhar para um «The Kop» vazio em detrimento de receber alguém em casa alheia?
Quando olhamos para tudo isto, percebe-se que não é fácil prever o que vem aí. Mais ainda quando toda a gente parece dependente da zaragatoa: pois, aqueles testes horas antes de um jogo são o maior filme de suspense do futebol moderno. Ter ou não ter o jogador, eis a questão. Mas calma, nem tudo é mau, gente. A Liga dos Campeões está de regresso. Que eu saiba, a música continua a ser a mesma. Os jogadores, na grande maioria, vão estar lá todos. E se nos focarmos apenas no relvado, bom, aí podemos ter um verdadeiro banquete de bom futebol.
A começar pela eliminatória que coloca frente a frente FC Porto e Juventus. A uma e outra, esta época o fato europeu parece assentar melhor do que o fato interno. O dragão chega à prova milionária atrasado no campeonato nacional e depois de jogos em que os resultados ficaram aquém, as exibições desiludiram e a carga emocional foi excessiva. Defronta uma equipa italiana comandada por um Cristiano Ronaldo insaciável e que olha para esta Liga dos Campeões como o espaço ideal para a redenção dos pecados que tem cometido. No campeonato, a hegemonia parece estar a caminho do fim. A irregularidade exibicional tem sido uma constante, mas a desilusão na Serie A pode colocar o foco da ‘Velha Senhora» numa prova que já lhe foge há mais de duas décadas. E ninguém se esqueça: foi por ela que Ronaldo foi contratado.
Nos restantes jogos, não faltam motivos de interesse. A eliminatória de maior cartaz é que vai opor Barcelona e PSG. Todos se lembram da última vez que se encontraram, com um 6-1 em Camp Nou que teve tanto de emocionante como de polémico. Neymar brilhou nessa noite e agora está na constelação adversária. Bom, seria suposto que estivesse, mas sabe-se que a mais recente lesão deve tirá-lo do duplo reencontro com a antiga equipa. Di Maria também não deve jogar na primeira mão e portanto…. «sobra» Mbappé. Sinceramente, não sei se chega ao vice-campeão europeu. Mais ainda porque vai defrontar um Barcelona no seu melhor momento da temporada. Messi está a crescer, a equipa parece mais unida e até Trincão já começa a dar cartas.
Num segundo plano, permitam-me destacar mais duas eliminatórias: o RB Leipzig vs. Liverpool e o Atalanta vs. Real Madrid. No primeiro caso, arrisco dizer que vamos ter dois dos melhores jogos da temporada. É certo que este Liverpool parece um «fantasma» face ao das últimas épocas, mas quem tem aquele tridente de luxo na frente, pode tudo. O problema para Klopp é que vai defrontar aquele que, para muitos, pode muito bem ser o seu sucessor. Falo de Nagelsmann, um «senhor treinador» que tem em mãos uma das equipas mais entusiasmantes da Europa.
Depois, o duelo italo-espanhol que também promete. Digo isto porque o Real Madrid é o clube dono da Liga dos Campeões e a Atalanta – que já tive oportunidade de narrar – é uma das equipas mais ofensivas do futebol europeu. Podem contar com golos, isso é certo. E sem Sérgio Ramos nos merengues, é caso para dizer que não me surpreenderia se o Real de Zidane tivesse um dissabor.
Nos demais confrontos, acredito que o Bayern e City não terão grande dificuldade para ultrapassar Lazio e B. Monchengladbach, respetivamente. Entre Atlético de Madrid e Chelsea, sou capaz de apostar no cinismo espanhol, apesar de Tuchel querer revitalizar esta equipa londrina. Por último, o duelo entre um Sevilha que é, salvo melhor opinião, a melhor equipa a jogar futebol em Espanha e o B. Dortmund, que tem em Erling Haaland a solução para grande parte dos problemas.
Não faltam motivos para acompanhar a fase a eliminar da Liga dos Campeões. À entrada para os oitavos de final, é difícil adiantar com grandes favoritos. Basta olhar para os principais campeonatos europeus para se perceber que os dominadores de outrora estão a sentir dificuldades. Num ano em que as liberdades têm sido tão restringidas, diria que esta edição da prova milionária tem tudo para ser uma das mais livres de sempre. Que toque a música!
Artigo de opinião de Pedro Marques Maia,
jornalista A BOLA TV e narrador ELEVEN