O Sevilha de 2023/24: a consequência de uma telenovela com direito a traições familiares

    O Sevilha FC vive um período bastante negativo na sua história, com péssimos resultados dentro de campo e uma grave crise institucional.

    O Sevilha está um caos. Apesar da vitória na Liga Europa 2022/23 ter conseguido disfarçar o mau momento do emblema andaluz por algumas semanas, é notória a ausência de um rumo para o futuro.

    Dentro de campo verificamos péssimos resultados, quer na La Liga, quer na Champions League, algo que não era tão usual no Ramón Sánchez Pizjuán. O Sevilha foi inclusivamente uma das primeiras equipas a trocar de treinador; saiu José Luis Mendilibar e entrou Diego Alonso, mas as melhorias foram nenhumas.

    Contudo, analisaremos mais tarde a crise desportiva do clube, porque essa é apenas a ponta do icebergue, já que o que está a acontecer é digno de uma telenovela capaz de levantar um Emmy. A desordem que se vive no ponto de vista diretivo é gigante, com o último episódio a ocorrer no dia 4 de dezembro de 2023.

    Para entendermos o que está a acontecer, há que compreender que existem duas correntes no Sevilha: a do presidente Pepe Castro e a do ex-presidente (2002-2013) José María Del Nido Benavente, que deseja voltar ao cargo em dezembro de 2024, de acordo com o El Confidencial.

    Estes dois elementos, claramente protagonistas da vida atual do Sevilha, foram extremamente próximos e pertenciam ao mesmo grupo. Del Nido, preso em 2013 num caso alheio ao futebol (Caso Munitis), deixou a gestão do emblema a Pepe Castro e ao seu filho, José María Del Nido Carrasco, que terá um papel muito importante daqui para a frente.

    Del Nido assumiu o erro que o levou para trás das grades, em entrevista ao El Mundo:

    «Estava errado, paguei com a prisão e quero viver sem ser perseguido pelo meu passado».

    O Caso Vitolo, que levou o extremo espanhol para o Club Atlético de Madrid, fez com que esta parceria se rompesse, ficando Pepe Castro na presidência, com o apoio de famílias importantes, como a Carrión (o Sevilha tem uma SAD, com várias famílias com percentagens relevantes, sem atingir a maioria) e da 777 Partners, a partir de um certo momento. Del Nido Carrasco deixou o conselho de administração e a sua família passou a não ter representação na gestão do Sevilha.

    Porém, todas as telenovelas têm o seu revés e alguém que fica mal na fotografia, o chamado vilão. Chegamos a novembro de 2019 e algo que ninguém imaginava termina por ocorrer. Del Nido Carrasco e Pepe Castro assinam um acordo, fazendo com que o ‘filho espetasse uma facada nas costas do pai’, que foi o obreiro do Sevilha moderno.

    A grande cláusula deste contrato é o facto de Pepe Castro garantir a presidência da instituição até 2024, sendo substituído por Del Nido Carrasco, que ocupará o cargo de 2024 até 2027. Esta movimentação gerou o caos absoluto. Del Nido Benavente viu o seu filho a tornar-se um dos seus maiores inimigos, além de ver o seu regresso à presidência do clube adiada até 2027, algo que a 777 Partners também não gostou, passando a apoiar o advogado e antigo presidente.

    Del Nido Benavente, com todos os apoios que soma, conta com a maioria da SAD, mas está proibido de demitir a direção. Ainda assim, promete não se render, tal como contou ao programa Radioestadio Noche, da Onda Cero:

    «Desistir não faz parte do meu vocabulário. Não tenham dúvidas de que voltarei a ser presidente do Sevilha. Pepe Castro diz que eu tenho sede de poder, eu tenho 27% das ações, ele tem cinco. Se eu tenho sede de poder, o que é que ele tem?».

    As assembleias de sócios têm sido marcadas por confrontos, discursos duros e acusações. A última delas foi precisamente no dia 4 de dezembro de 2023. O ato apresentou-nos o que é o Sevilha hoje em dia. Del Nido Benavente disse inclusivamente ao seu filho, numa altura em que se abordavam os salários dos dirigentes:

    «Conta, que és uma mer**», algo que negou no final da assembleia.

    A maioria dos sócios sentiu vergonha de ter estado naquele lugar, àquela hora, mesmo debatendo temas sobre o seu clube do coração. Del Nido Benavente tenta voltar à presidência desde o primeiro dia que saiu da prisão, tendo um ódio a Pepe Castro (a quem deu a presidência, em 2013) e ao seu filho (a quem passou todo o seu património). 2024 será muito importante para os sevilhanos, já que Del Nido Carrasco passará a liderar o clube, mas o seu pai também quer o poder para si, estando esta questão no tribunal. Todo este caos na direção, leva a que as outras áreas sejam igualmente afetadas.

    Na parte económica, não nos precisamos de mover do dia 4 de dezembro de 2023, com as contas a apresentarem um prejuízo de 19,3 milhões de euros (chumbadas por Del Nido Benavente, que tem uma percentagem suficiente para tal), o que explana bem o momento do Sevilha neste ponto. Já houve perdas superiores, como os 41,4 milhões de euros de 2021.

    Sempre estivemos habituados a um Sevilha que comprava barato e vendia caro, conseguindo lançar algumas pérolas da formação pelo meio (Sergio Ramos e Jesús Navas). Monchi, atual diretor-desportivo do Aston Villa FC (saiu do Sevilha por conflitos com Pepe Castro), foi o grande obreiro da ‘máquina’ em que o clube se tornou, severamente apoiado por Del Nido Benavente.

    Porém, o antigo guarda-redes perdeu influência com o passar dos anos, entrando em decadência nas últimas temporadas (necessitava de um novo projeto), sendo que a crise diretiva que se vivia/vive não ajudava na situação, havendo menos capital para investir e falta de critério.

    Os resultados que o Sevilha conseguia no passado ajudavam a “maquilhar” toda esta situação. ‘O clube está em guerra, mas mesmo assim ainda ganha’, era a conclusão que se retirava. Não se estava era à espera que o Sevilha começasse a perder. 2022/23 já nos mostrou a nova face do emblema andaluz. Ganhou a Liga Europa, mas terminou a La Liga em décimo segundo lugar, com três treinadores durante o processo: Julen Lopetegui, Jorge Sampaoli e José Luis Mendilibar.

    Este verão, já sem Monchi, optou-se por manter o técnico basco, quando o diretor-desportivo ainda não tinha chegado para dar a sua palavra. Victor Orta foi o eleito. Depois do projeto Leeds United FC, de mão dada com Marcelo Bielsa, o filho pródigo de Monchi assumiu o seu lugar, mas não pode fazer muito, pelo menos para já.

    Com os maus resultados de Mendilibar, Orta decidiu trazer Diego Alonso para treinador principal, um nome sem experiência no futebol europeu e que está a ter dificuldades (uma vitória em 10 jogos). O madrileno esclareceu a escolha, ao The Guardian:

    «A primeira página do manual do treinador de futebol é: quando as coisas não estão a correr bem, despede o treinador. É justo? Não. Não, não é justo. É o único culpado? Não. São os jogadores, a direção, os dirigentes, o treinador principal, a equipa técnica. Mas é a única forma de tentar mudar. Por vezes funciona, outras vezes não. Mas tenho a certeza de que, para este clube crescer, precisa de estabilidade com o treinador. Espero, também pelo meu futuro, que Diego (Alonso) seja a resposta, que possa estar aqui três ou quatro épocas e criar um legado, a estabilidade de que este clube precisa. Se não for assim, é muito difícil.

    Conheci-o em novembro de 2011, num churrasco em Montevideu, quando jogava no Peñarol. Fiquei muito impressionado: ele já estava a falar como um treinador. Fiquei tipo “uau”. Foi fascinante. Foi como um tique: ei, vou seguir esta pessoa. Ele saiu-se bem no Paraguai e no México. Talvez não tenha sido tão bom na MLS com o Inter Miami. Mas se ele tiver a atual equipa de Miami, ganha a liga. É engraçado: as pessoas põem-lhe a palavra fracasso por causa do Uruguai no Campeonato do Mundo; eu ponho a palavra sucesso. Ele fez com que o Uruguai passasse quando estava quase fora do Campeonato do Mundo».

    O Sevilha quis dar um passo maior que a perna, simplesmente porque esteve alguns meses em segundo lugar, a lutar pelo troféu da La Liga. Por culpa disso, está economicamente um desastre e tem um plantel sem ativos atraentes, que nem mesmo o melhor diretor-desportivo do mundo conseguiria vender.

    Ao olhar para o vizinho e rival Real Betis Balompié, a turma do Bairro de Nervión deverá sentir bastante inveja, já que acontece tudo ao contrário, para melhor. Há critério, qualidade e paz. Isco Alarcón representa bem o que acontece nos dois clubes da cidade. No Sánchez Pizjuán estava triste, não aparecia, mostrava-se desconcentrado, acabando por rescindir ainda em dezembro de 2022. No Benito Villamarín, mesmo com meio ano sem jogar, voltou a ser um cisne, assumindo-se com a estrela da companhia e estando mais próximo da seleção espanhola.

    O principal problema do clube na atualidade não é o décimo quinto posto na La Liga, nem o último lugar na fase de grupos da Champions League. É, sim, a ausência de um projeto estruturado, consequência de toda a crise diretiva existente. É difícil que o Sevilha não alcance a manutenção, já que há equipas com plantéis bem inferiores ou em graves crises, existindo um claro fosso entre o UD Almería e o Granada CF e os outros.

    Torna-se complicado decidir quem é que tem razão nesta história, mas os dois bandos pouco olham para como está o Sevilha na atualidade.

    Del Nido Benavente ergueu o clube, mas transformou-se num revolucionário disposto a ir contra tudo e contra todos (com um grupo muito duvidoso como principal apoiante) para voltar ao poder. Pepe Castro e Del Nido Carrasco quiseram subir mais um patamar, algo erróneo, mas os hispalenses ainda viveram um bom período nas mãos do seu atual presidente. No fundo, quem pode ter paz e trazer resultados com este ambiente de trabalho?

    O Curto prazo é fundamental para o futuro do Sevilha, numa batalha que começa dentro de campo, mas somente terminará nos tribunais, onde o vencedor é imprevisível, mas que marcará o destino de toda a instituição.

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