Xavi regressou ao Barcelona a pedido de muitas famílias, que viam no antigo camisola “6” dos blaugrana a terceira versão de Cruyff, depois da original e da de Guardiola. Importava, ouvia-se, recuperar o ADN barcelonista. Era hora, dizia-se, de devolver a grandeza ao Barcelona e o Barcelona à grandeza. Não queriam passar mais vergonhas os adeptos culés. Liverpool e Bayern haviam deixado mossa e não havia dentro do clube quem a soubesse reparar.
Mas, no futebol catariano, havia um homem que tinha nele o sangue dos deuses que haviam tocado tantos e tantos barcelonistas. Era ele. Só podia ser ele. E ele chegou, numa segunda vinda permeada por um entusiasmo e uma ilusão como não se via há demasiado tempo na Catalunha, naquele Distrito de Les Corts que há 30 anos albergava a edificação gradual e sustentada e a cimentação de um dos maiores clubes do mundo.
A hora era chegada. Havia de novo ao leme da equipa um homem de Barcelona, do Barcelona, à Barcelona. Havia de novo um projeto. Havia de novo esperança. A reedificação do grandioso Barcelona estava prestes a começar. Eram os seis de novembro de 2021. Caíram 813 folhas do calendário, ergueram-se duas taças. Era 28 de janeiro de 2024, o Barcelona perdia na receção ao Villarreal e, findo o encontro, Xavi Hernández anunciava que o que restava da temporada era quanto restava do seu tempo na cadeira que fora de sonho, agora de pesadelo.
Foi o princípio do fim daquilo que não chegou a começar. Afinal, não havia de novo projeto. Afinal, não se reedificou o grandioso Barcelona. Afinal, não era ele a terceira versão de Cruyff. Afinal, a esperança também morre. Felizmente, também ressuscita e não tardará até surgir em Barcelona um novo Messias. Não importará. Podem vir Messias e Messis a molhes fartos. Não importará. Pode renascer a esperança com a força dos crentes mais fervorosos. Não importará.
Não importará enquanto não cair sobre Barcelona a chuva da noção, que se infiltre nos campos e inunde Las Ramblas, que faça perceber aos culés que o Barcelona não se pode reerguer sem se reconstruir quase de raiz. Venha Xavi, venha Xabi. Não importará. Não se reconstrói uma casa, com alicerces sólidos, sobre destroços. É preciso limpar as ruínas, desobstruir o chão e depois – e só depois – iniciar a reconstrução.
O primeiro passo é simples, mas muito difícil de encarar: este que vemos não é o Barcelona, são algumas das suas ruínas. Quando este facto – que o é – se impregnar na pele dos blaugrana, a reação natural de quem viu o seu clube do coração alcançar o Olimpo do futebol será querer expeli-lo, libertar-se dele. Nem que para isso seja preciso escamar e renovar a pele toda. E talvez seja. Talvez seja.