Assim vão matar o futebol!

    Nos últimos tempos, têm-se multiplicado as críticas ao calendário do futebol e na minha modesta opinião, são tremendamente justificadas.

    Este tem sido claramente um dos grandes focos de discussão no mundo do futebol, para o qual ainda não foi encontrada uma solução que agrade a todas as partes interessadas: desde a FIFA à UEFA, dos clubes aos seus adeptos, e essencialmente uma solução que satisfaça os elementos mais importantes, que são claramente os jogadores.

    Como disse e bem Pep Guardiola (treinador do Manchester City), «Tenho quase a certeza de que, se alguma coisa vai mudar, tem de partir dos jogadores. Eles são os únicos que podem mudar alguma coisa. O negócio pode ser sem treinadores, diretores desportivos, meios de comunicação social e proprietários, mas sem jogadores não se pode jogar».

    Eu não poderia estar mais de acordo com estas declarações do técnico espanhol, que é um dos que mais “sofre” com o fato do calendário ser cada vez mais exigente.

    O futebol não se faz e não se joga sem jogadores e essa é uma verdade indesmentível.

    É legítimo e até entendível que a generalidade dos adeptos não entenda que os jogadores se insurjam com esta carga excessiva de jogos. 

    Aos olhos do adepto comum, a maioria dos jogadores de futebol são uns milionários privilegiados que treinam poucas horas por dia e que falam de barriga cheia.

    Esse adepto tem uma carga horária semanal muito superior à desses atletas e no fim do mês recebem um salário muitíssimo baixo e muitas vezes sem saber como fazer face às despesas correntes.

    Tudo isso é verdade.

    Também é verdade que o futebol já se tornou um negócio de há muitos anos a esta parte. 

    Mas serão os jogadores os maiores responsáveis e culpados disso? Eu julgo que não.

    A indústria em que eles se inserem é que dita a vida que estes levam e não deixa de ser uma realidade que a generalidade desses jogadores de futebol têm um compromisso muito grande com a sua equipa e profissão.

    Haverá exemplos de jogadores indisciplinados e que trabalham pouco ou nada, mas esses são claramente as exceções.

    E não são certamente esses jogadores que têm mais tempo de utilização, porque a esses os treinadores nem os colocam para jogar, salvo raras exceções.

    Para mim é incompreensível que Luis Enrique (técnico do PSG), não consiga ter empatia com estas queixas dos jogadores e que inclusive tenha utilizado o argumento de que na Ligue 1, os jogadores já joguem menos quatro jogos do que anteriormente.

    Primeiramente, a Ligue 1 não é de todo uma das ligas mais competitivas da Europa e essa foi a principal razão para se diminuir o número de equipas da primeira divisão.

    Em segundo lugar, o que se passa na Ligue 1 não reflete o que se passa nas ligas mais potentes do futebol mundial. Depois, porque sendo treinador, certamente que se aperceberá da falta de qualidade e intensidade cada vez mais evidente dos jogos de futebol e que em muito está relacionada com esta carga excessiva de jogos.

    A um jogador de futebol que jogue numa equipa que compita por todos os títulos, é-lhe pedido que faça mais de 60 (!) jogos por época, repartidos por liga doméstica, taças nacionais, competições europeias e jogos com as suas seleções.

    É manifestamente absurdo o número de jogos que muitos destes jogadores têm que jogar todas as épocas e é humanamente impossível que o seu rendimento não se veja afetado.

    Um desses exemplos é o de Rodri, médio do Manchester City e um dos mais fortes candidatos a vencer a Bola de Ouro (seria sem dúvida a minha escolha pela sua influência no jogo da sua equipa e seleção) este ano. Na véspera do jogo contra o Inter Milão para a Liga dos Campeões (competição que estreia novo formato e adiciona mais dois jogos à fase de grupos, passando de seis para oito jogos), Rodri considerou que os jogadores deveriam ponderar fazer uma greve, se continuassem a exigir dos mesmos que realizassem um número tão elevado de partidas.

    Nos últimos dias, surgiram várias opiniões semelhantes (Alisson, Koundé, Bernardo Silva, entre outros) às do fabuloso médio espanhol.

    Pegando no exemplo de Rodri e para que se faça uma ideia daquilo que é pedido a um jogador de alto nível, centremo-nos em fatos.

    Na época 2023-24, Rodri foi o jogador mais utilizado por Pep Guardiola. Ele jogou 4.327 minutos em 50 jogos em todas as competições de clubes (86,54 minutos por jogo). A estes dados, há que acrescentar mais seis jogos no Campeonato da Europa com a seleção nacional espanhola, dois amigáveis e cinco jogos de qualificação para o Campeonato da Europa. Por outras palavras, um total de 63 jogos e 5.456 minutos jogados.

    Caro leitor, acredito que irão concordar comigo que estes números são uma autêntica barbaridade (!).

    Não é possível exigir a um atleta com essa carga tão intensa de jogos, que se consiga exibir ao mesmo nível durante toda a época, e Rodri quase sempre o consegue, o que é digno de registo e que claramente o diferencia dos demais.

    Neste último Europeu, sobressaíram essencialmente os jogadores e as seleções que chegaram mais frescos/as à competição. Mas a qualidade futebolística da competição foi sofrível, no seu cômputo global.

    Jogadores como Phil Foden, Jude Bellingham, Harry Kane, Bruno Fernandes, Bernardo Silva, Kylian Mbappé, Griezmann, entre outros, tiveram um Europeu muito abaixo das expectativas e claramente limitados fisicamente.

    O próprio Rodri teve que ser substituído na final do Europeu de Futebol porque o seu físico cedeu e não conseguiu acompanhar a exigência de um jogo daquela intensidade.

    É este o caminho que queremos para o futebol? É este o rumo que a FIFA e a UEFA querem para o seu negócio?

    Nem tudo é dinheiro, nem tudo se justifica para que o negócio continue a crescer. Os adeptos do futebol que pagam preços cada vez mais exorbitantes para assistir aos jogos de futebol das suas equipas e seleções, querem pelo menos ser recompensados com espetáculos de altíssima qualidade e que justifiquem esse investimento.

    Rodri num jogo de futebol do City
    Fonte: Manchester City

    Ironia do destino e num dos jogos seguintes após esta declaração fatual, mas igualmente bombástica, Rodri contraiu uma lesão gravíssima (rotura de ligamentos cruzados do joelho direito) que muito provavelmente o fará ficar de fora o resto da temporada.

    Péssima notícia para o seu clube Manchester City, para a seleção espanhola e para o futebol. Rodri é um dos melhores jogadores do mundo e é sempre negativo ficarmos privados do seu talento durante uma época desportiva.

    Muitos já dizem que foi karma e que agora ele já terá o descanso necessário. Mas eu julgo que se embarcarmos nesta narrativa, estaremos a ir no caminho errado. 

    Os jogadores não são os vilões desta história.

    Quem gosta de futebol, quer ver os seus maiores executantes exibir-se a alto nível e o que é pedido ao jogador, chega a ser desumano em alguns casos, pois chegam a exigir-lhes que joguem sem uma diferença de 72 horas entre jogos.

    Nos últimos anos, a UEFA decidiu criar duas novas competições: a Liga Conferência e a Liga das Nações.

    A FIFA não se fez rogada e alargou o próximo Mundial de Futebol a 48 seleções (!). E também decidiu criar um Mundial de Clubes em 2025 no fim da época desportiva. 

    Os jogadores praticamente já não dispõem do necessário e merecido período de férias, o que faz com que muitos deles nem consigam ter uma pré-época que os prepare adequadamente para a nova temporada desportiva.

    Onde vamos parar desta forma? 

    É necessário que seja feita uma reflexão profunda e que não se entenda este pedido de greve (que acredito que seria sempre algo a ser feito pelos jogadores no último dos casos) como um capricho. 

    Eu fui e sou muito crítico dos jogadores em muitas coisas, mas neste tópico, estou totalmente de acordo com a sua posição e frustração. Os jogadores apenas querem ser ouvidos e que sejam tomadas medidas para que se evitem decisões drásticas de sua parte.

    A bola está do lado deles e é necessário que se unam para acabar com esta loucura.

    Os próprios traumatólogos, ortopedistas e cirurgiões, têm alertado para um número cada vez maior de lesões musculares e articulares, entre outras, e atribuem esse fato a um calendário totalmente desajustado à morfologia e físico de um jogador de futebol.

    Se os entendidos na matéria o dizem, como é possível que a FIFA e a UEFA continuem a assobiar para o lado e não revejam o seu calendário competitivo?

    Assim vão matar o futebol!

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