No início de 2013, o Stade Rennais FC, clube que também formou Yoann Gourcuff e Ousmane Dembele, mostrava já interesse em roubar o diamante em bruto ao AGL Drapeau Fougères, cujos treinadores e dirigentes retêm até hoje memórias vividas da extraordinária precocidade que Eduardo demonstrou desde logo, nos primeiros treinos.
O evento que viria a adiar a transferência dificilmente poderia ter sido mais devastador: devido a uma falha elétrica, um incêndio destruiu tudo o que tinham de mais precioso e a família Camavinga via-se subitamente sem poupanças, sem documentos, sem teto. Foi apenas em novembro de 2019 que o jogador conseguiu finalmente a nacionalidade francesa. Mas já lá vamos.
Ainda no dia da tragédia, o pai, com uma lágrima teimosa a bater insistentemente à porta que ele nunca abria, pegou-o ao colo, muito sério, e disse-lhe algo como: “Estamos a passar por mais uma grande adversidade, mas é o Futebol que nos vai levantar e és tu a esperança da família”, palavras que Eduardo Camavinga haveria de recordar com carinho aos 16 anos, aquando a assinatura do seu primeiro contrato como jogador de Futebol profissional.
A quantidade exorbitante de pressão colocada numa criança de apenas 11 anos parece quase tirânica, mas ninguém deve nunca tentar calçar botas que não são suas e também sabemos bem que é muitas vezes na adversidade que mais nos motivamos para encontrar a única solução possível: jogar à apanhada com o sol até que o agarremos com as nossas próprias mãos. Show must go on e não vale atirar a toalha ao chão.
[PROS]
👶 𝑬𝑽𝑶𝑳𝑼𝑻𝑰𝑶𝑵 🔥 @ecama10 👀
—#AllezRennes#ToutDonner 💪🔴⚫️ pic.twitter.com/U8OiKPjcAP— Stade Rennais F.C. (@staderennais) May 20, 2020
Predestinado, então, para grandes voos já desde os primeiros tempos no Fougères, o menino que falava pouco, abraçou com todas as suas forças o sonho de se tornar numa estrela e o sucesso chegou ainda mais depressa do que aquilo que a família esperava.
Segundo Landry Chauvin, antigo diretor da academia do Rennes, o jovem descrito como “la pépite“ estava sempre à frente de todos os meninos da sua idade em termos de talento, inteligência e maturidade. Antigos treinadores brincam ao recordar que mal terminavam de explicar um exercício, já Eduardo o tinha apanhado. Eram constantemente obrigados a criar novos treinos para conseguir desafiá-lo. Há duas épocas, depois de brilhar no empate contra o Olympique de Marseille, arriscaram perguntar-lhe donde vinham aquela coragem e confiança inabaláveis. Algo timidamente, respondeu que sempre tinha sido assim e que durante a sua formação subia com frequência ao escalão acima antes do tempo, pelo que defrontar jogadores maiores do que ele não era (de todo!) coisa que o assustasse.
Talentos há muitos, mas com tanta maturidade à baila, é claro que também não é de estranhar que já ande mais do que habituado a bater recordes de prematuridade. Falemos de 2019. No Rennes, Camavinga tornou-se no jogador profissional mais jovem da história do clube e, na estreia contra o Angers, a seis de abril, com 16 anos quatro meses de idade, no jogador mais jovem a jogar na equipa principal, sendo igualmente o mais jovem a marcar pelo clube. Contra o AS Monaco, em maio, tornou-se no primeiro jogador nascido depois de um de janeiro de 2002 a começar um jogo como titular numa das cinco principais ligas europeias. Em agosto, foi o mais jovem a ser nomeado como jogador do mês na Ligue 1.
Pela França, com 17 anos e nove meses, passou a ser o mais jovem internacional desde 1945 e é agora o terceiro mais jovem de sempre. A sete de outubro, contra a Ucrânia, marcou o primeiro golo com um pontapé de bicicleta, que dificilmente me sairá da memória, e, assim, tornou-se no jogador mais jovem a marcar pela França desde Maurice Gastiger em 1914. A qualidade é de tal forma vertiginosa que nunca ninguém achou necessário esperar e ele lá vai, elegantemente, correspondendo.
Appelé en Equipe de France Espoirs au lendemain de ses 17 ans, le milieu de terrain Eduardo Camavinga se livre sur son parcours et son émotion au moment de rejoindre la sélection nationale ! 🇫🇷 @ecama10 pic.twitter.com/TbBjXet9VI
— Equipe de France ⭐⭐ (@equipedefrance) November 13, 2019
E, afinal, como joga o esquerdino Camavinga? Há quem o trate como “médio defensivo”. Demasiado redutor. Quando começou, chegou a jogar como defesa central, mas também jogou como atacante. Mais do que um treinador já referiu o mesmo: quando querem manter um resultado, colocam-no na defesa; quando querem ganhar, colocam-no no ataque. Ah, a abençoada versatilidade. E assim é fácil compreender, não é?