Reflexões de um desencanto com a eleição do “The Best” – Drible de Letra #12

    Injustiça, esse verme roedor do mérito, despoleta uma constelação de sentimentos nefastos: insatisfação, raiva, tristeza. Cada um deles indesejável, mas todos inevitáveis para o cidadão de princípios e valores básicos da vida em sociedade. Talvez seja essa a razão pela qual muitos dos nomeados do “The Best” da FIFA viraram as costas ao evento. O grito de injustiça foi uníssono, e não houve quem ficasse surdo a tal clamor. Entendo.

    É um sentimento com o qual, confesso, não sei lidar. Eu também teria faltado ao chamado, pois o meu desdém pela gala e pelo que ela simboliza é profundo e antigo. Faz tempo que o espetáculo perdeu o seu brilho aos meus olhos, que a ansiedade de outrora deu lugar ao desinteresse. Agora, tomo conhecimento dos “melhores do mundo” apenas pelos ecos de desaprovação que ressoam nas conversas — críticas que se entrelaçam com a trama da injustiça.

    Este ano, a escolha para o “The Best” transbordou o cálice da paciência. Guardiola, com o seu arsenal de troféus, foi coroado o supremo comandante do futebol mundial. Mas, pergunto eu, será que os anais da história foram postos de lado? O que foi feito da memória da gesta épica de Sir Alex Ferguson, que, como maestro de uma sinfonia imprevisível, reverteu o infortúnio numa final memorável contra o Bayern Munique, em 1999?

    Como podem os louros da conquista de agora eclipsar os feitos lendários do passado? Ganhar a Premier League, a Champions, o Mundial de Clubes, a Supertaça Europeia, e a Taça da Inglaterra coloca Guardiola no Olimpo, sem mais nem menos? Parece que, no futebol moderno, a memória é curta e a vitória recente é o único Deus. Fácil, demasiado fácil.

    Um esgar de surpresa deve ter percorrido as feições de Luís Figo e Ricardo Carvalho, assistindo, talvez com um misto de orgulho e perplexidade, a entrada triunfal de Bernardo Silva e Rúben Dias no melhor onze. Haverá quem, no fervor do momento, tenha deixado escapar da memória a Bola de Ouro de Figo em 2004 ou os feitos de Ricardo Carvalho, coluna vertebral de titãs como o Chelsea ou Real Madrid. Que classe inconfundível! A credibilidade do futebol, realmente, já não é o que era.

    A cerimónia, outrora palco de lendas, parece agora lançar sombras, até, sobre o futebol feminino. Como não evocar o desconcerto ao ver a distinção de Aitana Bonmatí como a melhor do Mundo. Quem?! Uma jogadora que liderou o Barcelona na conquista do campeonato espanhol e da Liga dos Campeões e que, entretanto, também foi campeã do Mundo por Espanha merece sequer estar nomeada?! Isto quando o espectro de Marta, coroada seis vezes, ainda paira na lembrança de todos?!

    Perdoem-me, mas a estranheza é inevitável, e a revolta, uma resposta natural. A pergunta que ecoa é: terá o futebol moderno virado as costas para os seus gigantes, os que moldaram com as suas proezas o próprio panteão do desporto rei?

    No meio da miragem de justiça que se desfaz a cada gala, a eleição de Messi irradia um ténue brilho de sensatez. Não redime por completo o prestígio do “The Best”, mas confere-lhe uma ponta de dignidade. Messi, o homem das quatro Champions, dos três Mundiais, das três Supertaças Europeias e de um palmarés de Bolas de Ouro que nem a inveja ousa questionar. Quem, senão ele, poderia ostentar a coroa do “The Best”?

    Descartem-se as ilusões de que Haaland – vencedor da Liga dos Campeões, Mundial de Clubes, Supertaça Europeia, Premier League e segundo melhor marcador do Mundo-,  ou Cristiano Ronaldo – jogador com mais golos em todo o Mundo-, pudessem ofuscar o brilho do astro argentino. E Messi, consciente das falhas e farsas do espetáculo, abstém-se com a nobreza dos grandes. A sua ausência, mais eloquente do que mil palavras, é um ato de protesto que reverbera a sua grandeza.

    Pode ser que na próxima edição aprendam a lição e elejam que foi, realmente, o melhor do ano. Mas, esperem… pois é, este prémio é para os melhores do ano.

    Lionel Messi The Best
    Fonte: FIFA

    Sim, mas é o Messi. Ah, Messi está no Inter Miami, cuja posição na tabela escapa-me agora, mas certamente, Messi terá contribuído, no mínimo, com algum golo. Messi é sinónimo de génio, de golos, de magia. No entanto, à reflexão: talvez seja tempo de medir os louros com a régua do presente, não do passado.

    A sério: é preciso menos. Menos mitificação, menos pedestal para as lendas intocáveis, e mais olhos no campo, onde o jogo acontece. Que tal?

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