Vítor Pereira e Jorge Jesus: Duas realidades paralelas do “ser ou não ser, eis a questão”

    A imprensa é, sem margem para dúvidas, o grande motor, o que faz mexer, o todo-poderoso veículo de informação. No futebol, não é exceção. Bem pelo contrário. Há, inclusivamente, na gíria, a boa e má imprensa. Isto é, a imprensa que, por razões aleatórias ou não, valoriza mais uns em detrimento de outros. “Cobre” melhor os insucessos de uns e “suaviza” o sucesso de outros.

    É claro que não é só por razões externas a treinadores e jogadores que acaba por suceder o supracitado. Há uma capacidade de promoção própria de treinadores e/ou jogadores brutal, sucedendo com outros o completo inverso. Foquemos, por isso, dois casos em que, na minha ótica, a opinião generalizada está desfasada da realidade.

     

    Vítor Pereira, um caso evidente de subvalorização

    Ele próprio já o admitiu em conferências de imprensa e entrevistas. É, do ponto de vista pessoal, recatado e não gosta das luzes a bater-lhe no rosto. Todavia, faz parte do jornalismo informar e realçar factos. E, esses são indesmentíveis para o técnico português que atualmente treina na China.

    Treinador-adjunto do FC Porto de Villas-Boas em 2010/11, foi convidado, após a saída do técnico para Londres, para assumir o cargo de treinador principal do dragão na temporada seguinte.

    Deu sequência ao excelente trabalho, ainda que com menos recursos do que o seu antecessor, e superou o fortíssimo Benfica de Jesus. Em 2011/12, culminou o certame com seis pontos de vantagem na Liga. No seguinte, um ponto de diferença foi o suficiente, ultrapassando o rival na reta da meta – a tal famigerada temporada do «golo do Kelvin». Em 60 jogos na Liga NOS, Vítor Pereira apenas consentiu uma derrota (diante do agora recém-promovido Gil Vicente, na sua época de estreia – 2011/12).

    Como tal, nos famosos duelos com Jesus, empatou por duas vezes (curiosamente a duas bolas) e venceu outros dois (isto somente relativo à Liga Portuguesa). Taticamente sempre mais arguto e conseguindo sempre explorar as debilidades típicas das turmas de Jesus, provou largamente ser melhor, reinventado-se sempre e explorando melhor os detalhes (onde é fortíssimo, sendo muito provavelmente a sua característica mais saliente).

    Saiu do próprio Estádio do Dragão sem as devidas honras e seguiu para o modesto Al-Ahli Jeddah, da Arábia Saudita. Conquistou o último lugar do pódio, um lugar condizente com o clube em questão, ficando atrás dos dois de sempre: Al Nassr e Al-Hilal.

    Em janeiro de 2015, sucedeu ao espanhol Míchel no comando técnico do Olympiacos, indo a tempo de ser campeão e vencer a Taça Grega. A saborosa dobradinha não foi proporcional às condições oferecidas para iniciar a temporada seguinte e Pereira saiu ao fim de meio ano.

    Iniciou (e finalizou) 2015/16 na Turquia, ao serviço de um dos gigantes de Istambul: o Fenerbahçe. Não atingiu o título, tendo ficado na 2.ª posição, cinco pontos atrás do Besiktas. Recomeçou a temporada seguinte no conjunto turco, mas a derrota na 3.ª pré-eliminatória da Champions League precipitou a saída precoce, em claro choque com a Direção. Derrota, essa, diante do super Mónaco de Jardim (ao triunfo por 2-1 em casa seguiu-se derrota por 3-1 no Principado), que, nessa temporada, “só” atingiu a semifinal da competição e “só” conquistou a Liga Francesa.

    Numa péssima opção de carreira, nessa mesma época, decidiu assinar pelo TSV 1860 Munique, um clube a braços com uma grave crise a todos os níveis e que disputava a… 2.ª Liga Alemã. Não conseguiu tirar a equipa do buraco onde se encontrara, tendo descido de Divisão – posteriormente, o clube entrou em insolvência.

    Aí, o mundo parecia ter desabado para Vítor Pereira. Mas só parecia…

    Fonte: Shanghai SIPG FC

    Seguiu, em 2018, para os chineses do Shanghai SIPG. Um clube que nunca havia experienciado vencer uma Liga… até aparecer o técnico português. 68 pontos, cinco a mais do que o heptacampeão Guangzhou Evergrande, bastaram para quebrar longa hegemonia da equipa do Cantão. E Pereira fez, uma vez mais, história…

    Falta ao técnico um conjunto de prestações mais efetivas no âmbito das competições continentais. Poderá, quem sabe, ser já este ano, visto que a sua equipa já garantiu um lugar nos quartos-de-final da Liga dos Campeões Asiáticos. Ainda assim, Vítor Pereira já provou a sua mais-valia e do por quê de estar, a meu ver, indiscutivelmente no top 5 dos melhores treinadores portugueses da atualidade.

     

    Jorge Jesus, um caso gritante de sobrevalorização

    E no lado contrário da história temos, então, Jorge Jesus. O técnico, já acima supracitado, é dotado de um perfil egocêntrico, secando tudo em seu torno (inclusivamente os seus colaboradores mais diretos). Com isso, vem uma autopromoção ao alcance de poucos. Goste-se ou não do estilo, Jesus fá-lo como poucos. Puxa dos galões quando o vento está propício a isso e afasta responsabilidades recorrendo a argumentos mais ou menos inusitados quando as coisas não correm bem.

    Quem não se lembra, enquanto treinador do Sporting CP, das célebres palavras após a sua equipa ter sido derrotada em Madrid, diante do Real, sugerindo que até haver vantagem o mérito fora dele e, depois, com o desmoronar do resultado nos últimos minutos, havia sido a falta de experiência e de concentração dos jogadores a desequilibrar a balança? Palavras nocivas para o balneário com as consequências catastróficas sobejamente conhecidas (não mais a equipa se levantou desde aí, tendo, no jogo seguinte, sido “sentenciada” com um claro 3-0 em Vila do Conde, diante do Rio Ave).

    Jesus tem a habilidade de, com palavras diferentes, “moldar” as situações à sua medida. É raro reincidir nos mesmos vocábulos para passar a(s) ideia(s) que pretende transmitir, ainda que, no fundo, acabe(m) por ter um padrão bem definido. Isto é, a ideia é padronizada, os caminhos para o fazer é que são, sim, diferentes. De certa forma, para ludibriar.

    JJ teve seis anos na Luz. Foi campeão em três. Exceptuando em 2010/11, em que o FC Porto dispunha de um leque de jogadores superior, em todos os outros assim não foi. Fazendo um termo de comparação, Vítor Pereira, por exemplo, nos dois anos em que teve no rival azul e branco, teve à sua disposição um plantel menos valioso do que as águias. Teve que o espremer bem, ao contrário de Jesus, cujos seus plantéis eram menos solicitados (sempre foi treinador de ter 14/15 atletas da sua confiança).

    Nas competições europeias, no que concerne à Liga dos Campeões, no qual já se referiu com uma certa autoridade no Brasil, apenas por uma vez conseguiu seguir em frente na fase de grupos da competição (fez quartos-de-final com o Benfica em 2011/12). De resto, campanhas deploráveis, tanto com águias como com leões. Só na Liga Europa conseguiu algo importante: por duas vezes foi à final da competição.

    No que diz respeito à estadia de três anos em Alvalade, zero campeonatos. Apenas uma Taça da Liga e uma Supertaça para amostra. Jorge Jesus, aí, no outro lado da segunda circular, patenteou um perfil muito próprio. Consegue gerar um efeito brutal nas equipas no primeiro ano, como que um furacão, e, nas seguintes, dá-se a queda a pique. Foi assim na Luz e em Alvalade. E de forma por demais evidente…

    O culto da sua imagem vai ao ponto de omitir e, pior do que isso, desvirtuar factos. Praticamente de semana a semana o faz. Agora, no Brasil, aproveitando-se do menor conhecimento dos jornalistas sobre os detalhes da sua carreira em Portugal, aproveita para «estender a manta».
    Fonte: Sporting Clube de Portugal

    Fruto disso, e porque a generalidade das pessoas se vão olvidando de pequenos detalhes relativos a épocas desportivas anteriores, vai moldando a história à sua medida. E é assim que, de repente, um treinador se hiper valoriza, sem que a substância seja a concreta e real, mas a moldada e, por isso, mais abstrata.

    Se falarmos de Jorge Jesus e Vítor Pereira, o comum dos mortais dirá que o primeiro suplanta o segundo no que concerne à qualidade global na sua profissão. É a tal boa e má imprensa. No polígrafo, Jesus chumba muitas vezes, já em Vítor Pereira pouco ou nada se notam incongruências. Porém, a opinião generalizada é uma coisa e o polígrafo é outro. É uma questão de liberdade intelectual, que pressupõe pensamento próprio e crítico independentemente do que se vê e ouve, cuidado e reflexão analítica. A bem, tão simples e somente, da verdade. Nua e crua. Seja ela qual for. Goste-se ou não. E, quanto a mim, entre as luzes dos bastidores do futebol, só do futebol, entenda-se, Vítor Pereira é superior a Jesus. Sem espetáculos nem show-offs como termos de comparação.

     

    Artigo de opinião da autoria de André Rodrigues
    Fotos de Capa: UEFA

    artigo revisto por: Ana Ferreira

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