A variabilidade para escapar à vitória só com prazo de validade | Portugal rumo ao Euro 2024

    Portugal continua o seu caminho para o Europeu 2024 só com vitórias. Com Roberto Martínez ao leme, Portugal continua com um registo 100% vitorioso e sem qualquer golo sofrido.

    A dupla jornada europeia de setembro foi extremamente polarizada. Às sensações negativas da convocatória e do jogo contra a Eslováquia sucedeu-se a maior vitória da história com nove golos sem resposta ao Luxemburgo, que se tornou a presa favorita de Portugal no grupo J.

    Foi sem grandes novidades que Roberto Martínez apresentou os 24 escolhidos para continuar a caminhada de Portugal. Apenas Pedro Neto, convocado para fazer todo o corredor esquerdo, provocou alguma surpresa numa lista que confirmou a tendência do treinador espanhol: grupos maioritariamente fechados e supremacia da qualidade individual aplicada ao modelo de jogo face ao momento de forma.

    Diogo Leite, Nuno Santos, Matheus Nunes, Bruma, Pedro Gonçalves e Paulinho ficaram de fora e, a menos que tenham performances sobrenaturais ou que os intocáveis tenham quebras inesperadas (lesões ou baixas de forma extremadas), não é expectável que tenham facilidade em ganhar o seu lugar. Por outro lado, Toti Gomes, João Cancelo e João Félix integraram as escolhas do treinador da seleção, apesar da ausência de minutagem na época.

    Envolvida em desconfiança, a turma portuguesa deslocou-se à Eslováquia para o encontro mais difícil do grupo na teoria. E Portugal passou sem grande distinção, levantando um coro de dúvidas e de questões.

    Roberto Martínez surpreendeu e, pela primeira vez no ciclo, apresentou em campo a «variabilidade tática» prometida. António Silva e Rúben Dias não tiveram a companhia de um terceiro elemento e Portugal apresentou-se em campo num 4-3-3 base com Vitinha a juntar-se a João Palhinha e Bruno Fernandes.

    O que parecia promissor, tornou-se sofrível e Portugal teve muitas dificuldades em superar a pressão eslovaca. A mudança esperada pelos nomes apresentados não se traduziu dentro de campo e, com Palhinha entre os centrais, os problemas agravaram-se. O médio do Fulham FC não se sente tão confortável tão recuado sem possibilidade de procurar diagonais mais longas e abdicar de Palhinha mais à frente reduz a probabilidade de recuperações altas no terreno. Rúben Dias à esquerda procurava o pé natural e facilitava a pressão eslovaca. Vitinha e Bruno Fernandes, apesar de procurarem as costas da primeira linha de pressão, estavam demasiado longes e comprometiam um futebol mais associativo e apoiado.

    Numa segunda fase era Bruno Fernandes quem recuava para pegar no jogo e Vitinha ficava a jogar como 10. Obrigado a jogar de costas para a baliza, Vitinha fica limitado no seu jogo.

    Bruno Fernandes brilhou com a camisola de Portugal
    Fonte: Luís Batista Ferreira/Bola na Rede

    Ainda assim, e como um oásis num deserto, apareceu Bruno Fernandes que com um grande golo resolveu o jogo ainda antes do intervalo. É cada vez maior a influência do médio na seleção tanto nos jogos menos conseguidos coletivamente funcionando como impulsionador, como nos bons jogos de Portugal em que aparece como a peça perfeita para fazer a engrenagem portuguesa funcionar.

    A segunda parte trouxe algumas mudanças e a mais importante de todas com nome próprio e apelido: João Cancelo. O lateral português a jogar à esquerda torna-se mais imprevisível nas ações e na segunda parte procurou terrenos interiores com maior frequência, tornando-se uma opção mais próxima para os centrais darem seguimento com bola.

    Os primeiros 15 minutos da segunda parte portuguesa, não sendo perfeitos, foram a melhor amostra no jogo. Cancelo por dentro, Vitinha mais próximo de ver o jogo de frente e Rafael Leão com mais possibilidade de encarar os adversários no drible. Terminaram com as substituições de Roberto Martínez que tirou os três jogadores responsáveis pela subida do nível exibicional de Portugal.

    A ineficiência eslovaca no momento de remate e os argumentos portugueses sem bola permitiram a Portugal gerir o jogo, mas não encantaram nem deram mostras de qualidade. O jogo arrastou-se até ao fim com alguns calafrios junto da baliza de Diogo Costa e da garganta de Dúbravka que levou com a frustração de Cristiano Ronaldo depois de falhar um remate fácil.

    O amarelo visto por Cristiano Ronaldo tirou-o do jogo com o Luxemburgo e manteve-o em campo até ao final. O avançado português fez mais um jogo apagado e continua sem justificar o lugar cativo no onze sem ser pelo estatuto. A velocidade nas ações e nas decisões não é a mesma, tem maiores limitações técnicas – mesmo no remate – e não oferece garantias na pressão e no momento sem bola. Não é preciso uma saída abrupta da seleção, mas respeitar o legado do jogador é saber quando iniciar a transição.

    Fonte: Carlos Silva/Bola na Rede

    E a transição ficou bem evidente contra o Luxemburgo. Face à qualidade exibicional acumulada nas partidas com a Islândia e a Eslováquia, uma má exibição (mesmo com três pontos na mala) aumentaria os fantasmas e as dúvidas sobre o trabalho de Roberto Martínez.

    Nada disso se verificou e a melhor exibição de Portugal desde que o espanhol assumiu a seleção veio acompanhada do melhor resultado de sempre: 9-0. Mais do que o resultado, o jogo mostrou um crescimento coletivo de Portugal, com nuances táticas importantes, destaques individuais e uma base importante para trabalhar.

    Portugal manteve a linha de quatro no momento defensivo num 4-4-2 com Diogo Jota perto de Gonçalo Ramos e com Danilo no meio-campo. Com bola, Danilo descia (mais confortável que Palhinha nesta posição), Dalot juntava-se a Bruno Fernandes no meio-campo e Bernardo Silva aparecia por dentro com Nélson Semedo a projetar-se pela direita. À esquerda, Rafael Leão aparecia por fora.

    E, a principal conclusão que o jogo com o Luxemburgo trouxe, é a adequação dos jogadores às funções. Juntar os melhores em campo não chega se os jogadores não forem bem enquadrados em papéis que lhes permitam evidenciar as suas qualidades e camuflar as fraquezas. E, no cômputo geral, todos os jogadores que pisaram o terreno destacaram-se. A única exceção é, porventura, Diogo Costa que teve uma das noites mais tranquilas da carreira.

    Gonçalo Inácio continua a mostrar que tem de ser titular em Portugal. Especialmente em jogos em que Portugal procura assumir a posse de bola (e serão a larga maioria), ter um central esquerdino tão confortável no passe e em condução é fundamental. Rúben Dias, já à direita, também se mostrou em melhor nível.

    À esquerda, Diogo Dalot procurava terrenos interiores para receber. Ao longo dos anos, o lateral português acumulou uma multiplicidade de funções dentro de campo que se traduzem num jogador completo. Sabe jogar de costas para a baliza, compensa os colegas, aparece também por fora e é dono de uma qualidade técnica superlativa. Começou à direita contra a Eslováquia, acabou esse jogo como central pela esquerda e foi num papel híbrido de lateral esquerdo sem bola e de interior esquerdo com bola que se mostrou contra o Luxemburgo.

    Fonte: Luís Batista Ferreira/Bola na Rede

    Danilo, não sendo um jogador tão possante fisicamente e capaz de cobrir uma porção tão larga do terreno como Palhinha, e não oferecendo a mesma segurança no passe que Rúben Neves, está muito tranquilo no papel híbrido de central com bola e de médio defensivo sem bola. Deixou algumas dúvidas a estratégia de marcação individual a todo o campo de Martínez com Danilo a acompanhar Aslani e a ser atraído pelo luxemburguês que baixava no terreno e abria um buraco nas costas dos médios portugueses. Não causou problemas, mas pode ser um ponto fraco a explorar por adversários mais fortes.

    A dinâmica no corredor direito, onde Portugal se procurava concentrar preferencialmente, com Nélson Semedo projetado, Bernardo Silva por dentro e Bruno Fernandes a procurar estar perto da bola, também funcionou na perfeição e conseguiu encontrar espaços no corredor para aproveitar. Com muitas trocas posicionais entre os três jogadores, Portugal conseguiu encontrar espaço nas costas das linhas de marcação luxemburguesas para criar perigo.

    E, com a magia de Bernardo Silva – é de outro mundo a capacidade técnica com a bola no pé, a facilidade no drible curto e no passe – e de Bruno Fernandes, Portugal soube ser superior. O médio português cumpre todos os requisitos do protótipo de médio total. Joga como primeiro médio a ver o jogo de frente, lança nos dois corredores e permite apurar a saída. Consegue jogar a todo-o-terreno, transportando a bola em posse, superando adversários em condução e definindo no último terço. Chega a zonas de remate, procura estar perto da bola e tem golo. Sem bola tem muita disponibilidade física para pressionar e é inteligente a identificar o momento para passar do condicionamento ao desarme.

    Embora concentrado na direita, Portugal conseguiu utilizar os três corredores e aproveitar as características individuais, colocando-as ao serviço do coletivo. O corredor esquerdo, aparentemente esquecido, tinha pólvora para os ataques portugueses. Aproveitando os problemas na organização defensiva do Luxemburgo e os erros na basculação dos jogadores luxemburgueses, Rafael Leão foi capaz de receber várias vezes em situações de 1X1 contra os adversários. Pela mudança de velocidade, pelos recursos técnicos no drible e pela genialidade e estética em todos os movimentos, ter Rafael Leão a sorrir em campo é meio caminho andado para ter golos.

    Diogo Jota bisou no jogo entre Portugal e o Luxemburgo.
    Fonte: Luís Batista Ferreira/Bola na Rede

    Não sendo à partida a dupla titular (João Félix e Cristiano Ronaldo partem à frente), Diogo Jota e Gonçalo Ramos apresentaram a candidatura à titularidade. O perfil de Diogo Jota destoa dos restantes candidatos à posição e faz do avançado um jogador fundamental na equipa. A agressividade nas ações ofensivas, nomeadamente no ataque ao espaço por dentro, da chegada à área e nas diagonais criam espaço e permitem aos jogadores mais perfumados e criativos gozar de outra liberdade nas ações. É muito disponível na pressão alta, tal como o parceiro do ataque. A principal diferença de Gonçalo Ramos para com Cristiano Ronaldo está nos benefícios coletivos que a presença do avançado comporta ao jogo português. Permite a Portugal pressionar a todo o campo e oferece movimentações diferentes no ataque. Contra o Luxemburgo mostrou ainda que é refinado dentro da área e voltou a cimentar o estatuto de goleador na seleção. São seis golos em apenas 268 minutos.

    Marcaram Gonçalo Inácio (X2) – mostrou qualidades nas duas áreas –, Gonçalo Ramos (X2), Diogo Jota (X2), Ricardo Horta, Bruno Fernandes – um golo muito merecido para uma exibição cheia – e João Félix.

    Gonçalo Ramos bisou no Portugal Luxemburgo
    Fonte: Luís Batista Ferreira/Bola na Rede

    Com 18 pontos em seis jogos, o apuramento para o Europeu 2024 é uma mera formalidade. Neste momento, importa perceber se o nível e as dinâmicas apresentadas contra o Luxemburgo vão ser a norma ou se foram apenas um bom percalço no caminho. Importa crescer a partir deste jogo e não retroceder para os problemas demonstrados anteriores. Com esses, a vitória está condenada a um prazo de validade.

    Ainda assim os bons sinais contra o Luxemburgo – não tem o nível exigido para retirar conclusões definitivas, mas não é uma seleção da última prateleira na Europa – têm de ser confirmados. Num grupo onde a Eslováquia e a Bósnia e Herzegovina como maiores rivais, o nível individual dos jogadores portugueses resolveria sempre qualquer jogo. No Europeu os adversários terão outros argumentos e, nesse momento, importa que todas estas questões estejam resolvidas. Até porque em condições normais, Portugal é favorito ao título.

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