Sambar o tango! – Drible de Letra #7

    É, sem dúvida, um dos maiores jogos de cintura a que a Humanidade é sujeita: o equilíbrio entre a emoção e a razão. Alguém disse um dia: “Para dançar o tango, são precisos dois”. E são. Tal como nesta dança, a emoção e a razão devem andar sempre de mãos dadas, ou, no caso, abraçados no centro do salão.

    Claro que há alturas em que a emoção deve marcar o ritmo; noutras, à razão exige-se que controle os passos. Mas não podem, nunca, separar-se. Senão, é o fim da dança.

    Diz-se muitas vezes que o futebol é um jogo de emoções, o que é verdade. Porém, nem mesmo aqui podemos esquecer a razão. E o equilíbrio, esse tal jogo de cintura,

    altera-se consoante a posição do interveniente. Um adepto deve, sim, deixar-se levar pela emoção, mas…qb. É preciso, amiúde, apelar à racionalidade, tal como se pede a um jogador, dentro das quatro linhas. Mais ainda se for um dirigente, um Presidente.

    Do outro lado do oceano, existe um país onde o samba, repleto de emoção e que não exige par para ser dançado, supera o tango. Um país, onde, para a cultura futebolística – quase sempre -, a razão é completamente encostada para fora da pista. Sim, refiro-me ao Brasil.

    Na semana passada, testemunhámos a saída de mais um treinador português, Armando Evangelista, desta vez, da liderança técnica do Goiás. Aparentemente por decisões pouco racionais da direção. O campeonato brasileiro começou, já no longínquo mês de abril, com sete treinadores portugueses. Hoje restam três, dos quais apenas dois (Abel e Caixinha) permanecem nos clubes onde iniciaram a dança desta temporada.

    Armando Evangelista
    Fonte: Goiás

    Apenas três dias após o início do Brasileirão, a 18 de abril, António Oliveira foi dispensado do Coritiba, para onde rumou por troca pelo Cuiabá que, por sua vez, contratou Ivo Vieira. No entanto, em menos de um mês, o Cuiabá despediu o técnico madeirense e recorreu novamente a Oliveira. Conclusão: o clube está fora da zona de despromoção (a chamada Z4) e, atualmente, ocupa um lugar de acesso à Copa Sul-Americana.

    Por sua vez, o Coritiba tomou, claramente, a decisão certa… para ir parar à segunda divisão. Já em Junho foi a vez de Luís Castro, destratado pela torcida do Botafogo, deixar o “Glorioso”. O técnico transmontano, a disputar uma final, teve de ouvir os “seus” adeptos, em uníssono, mandarem-no “tomar no c%”; enfrentou esperas no centro de treinos e, no jogo de despedida, em que já se começava a perceber que iria dar um outro rumo profissional à carreira, foi brindado com assobios e dizeres como: “o Botafogo não precisa de você”. Pois claro que não precisa. O Fogão estava só em primeiro lugar, embalado para o título, com sete (!) pontos de avanço sobre os principais rivais; agora, já foi ultrapassado pelo Palmeiras. É claro que não precisa.

    Luís Castro no Botafogo
    Fonte: Botafogo FR

    Difícil de entender como é que a torcida ainda se mostrou muito incrédula e indignada, depois de tudo o que escreveram e gritaram, ultrapassando linhas vermelhas, em autênticos atentados à dignidade de Luís Castro. Se calhar gostam destes impropérios, sabe-se lá. Pouco depois, em setembro, Renato Paiva seguiu o mesmo caminho. Agastado com o clima de má educação, boçal, de constante desconfiança – como é apanágio da generalidade do adepto brasileiro – deixou o Bahia, alegando não admitir “faltas de respeito”.  O emblema do Esquadrão de Aço ficou claramente melhor com esta pressão dos adeptos: depois de, com o português no comando, ter vencido o Campeonato Estadual, a descida à Série B está bem encaminhada. Um espetáculo!

    No fim de agosto, o Cruzeiro anunciou a saída de Pepa. “Não viam evolução”, justificou o Diretor Desportivo. Desde aí, já despediram outro treinador e parecem ter entrado num escorrega rumo… pois claro, ao abismo. Com Pepa, o Cabuloso estava a lutar para ir à Sul-Americana; agora luta para descer. Ronaldo, que já foi Fenómeno dentro de campo, mas, como dirigente, parece pouco dado a decisões fenomenais, já teve de vir a público pedir a “união da torcida” sob pena de não conseguirem ficar no primeiro escalão. Um pouco mais de calma, talvez, também tivesse ajudado.

    Pepa Cruzeiro
    Fonte: Cruzeiro EC

    Na passada semana, assistimos ao último (?) tango no Brasil, the last dance: Armando Evangelista deixou o Goiás, depois de muita confusão tornada publicada. O Esmeraldino, que está a lutar para sair do Z4, dispensou um técnico que, na época passada, foi apelidado pelo jornal espanhol “Marca” de “treinador milagre” pelo que fez em Arouca. Procurava agora, no Brasileirão, conseguir mais um feito histórico: salvar da despromoção o clube que tem provavelmente o pior e mais barato plantel. Veremos o que acontece. Aqui, a torcida parece ter mais racionalidade que a própria Diretoria, uma vez que, numa recente sondagem realizada na zona de Goiânia, 95 por cento dos inquiridos queriam que Armando tivesse continuado.

     Do outro lado, o da razão, mas sempre sem perder a emoção, temos o Palmeiras de Abel Ferreira: com a aposta na estabilidade e um modelo de gestão moderno – em parceria com uma marca alemã que trabalha também com equipas da NBA, NFL e Fórmula 1 -, elogiado pelos especialistas, consegue títulos e aumento de receitas. Parece simples. É uma abordagem que poderia servir de exemplo para outros clubes brasileiros.  E não está assim tão longe.

    Dançar o samba é emocionante, mas talvez o futebol brasileiro devesse considerar, ao fim de décadas e décadas ao mesmo ritmo, também o tango, que a razão e a emoção precisam estar em harmonia. No tal jogo de cintura.

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