Acontece que Tucker – que partilha dados de elevado valor e qualidade – é um embaixador e conselheiro científico da… Adidas. Também o próprio não deve ter ficado imensamente chateado com a situação, uma vez que ainda no ano passado protagonizou uma das mais acesas trocas de palavras na comunidade desportiva do Twitter com Paula Radcliffe (a ex-recordista mundial), afirmando que a atleta que sempre clamou a sua inocência e transparência a alto e bom som, refugiou-se em argumentos pouco concretos e não apresentou os seus dados sanguíneos (supostamente armazenados) a cientistas independentes, como o mesmo requeria.
Recorde-se que, depois da polémica dos hackers russos “Fancy Bears”, a britânica foi uma das atletas que apareceu com valores sanguíneos bastante diferentes do normal (o maior deles registado em 2003, em Portugal), o que a própria justificou com os treinos em altitude ou com as alterações no seu corpo. No entanto, na altura, a IAAF prontamente emitiu um comunicado a ilibar Paula Radcliffe, algo que a organização nunca fez para qualquer outro atleta. A própria Paula Radcliffe estava na meta para receber Kosgei em Chicago, mas o sorriso parecia mais amarelo do que genuíno.
Outro nome com relevo, Tim Hutchings, também ele um ex-atleta britânico com bastante influência no desporto, é, por exemplo, o comentador para a Eurosport britânica – a cadeia responsável pela emissão da Diamond League, no Reino Unido – que foi destacado como comentador da IAAF para o feed internacional dos Mundiais de Doha comentou e ainda deixou no ar suspeições face às melhorias das performances de Kosgei.
Absurd to compare @paulajradcliffe with @brigidkosgei like this. PR spent yrs, (after winning the Wld Jnr CC), honing her world class ability as a distance runner, the opposite to Kosgei, who has zero track pedigree. PR’s track years were a perfect apprenticeship for the Marathon https://t.co/xx7cYhFs5H
— Tim Hutchings (@TimHutchings1) October 15, 2019
O comentador parece esquecer que a sua própria colega (e amiga) teve um resultado ainda mais anormal, um chamado outlier, e que havia (e há!) muitas atletas de pista com melhores recordes pessoais que Radcliffe, sem que isso se traduza num tempo de 2:15 na estrada. Recorde-se que mesmo até este ano – antes da marca de Kosgei – o mais próximo que uma mulher se tinha aproximado das 2:15:25 de Radcliffe, eram as 2:17:01 de Mary Keitany. E que a segunda europeia mais rápida da história está a praticamente 4 minutos (!) de Radcliffe – Irina Mikitenko (GER) com 2:19:19 – sendo estas duas as únicas europeias da história a baixar das 2:20!
DE EXPULSA DA SUA ESCOLA A RECORDISTA MUNDIAL – COM MUITA LIGAÇÃO A PORTUGAL
Mas a história de Birgid Kosgei não se escreve pelo que os outros escrevem dela. Kosgei trilhou o seu caminho como poucas e, sem saber o que o futuro nos reserva no desporto atual, meter as mãos no fogo pela integridade de um atleta é correr um elevado risco de se sair em chamas. A verdade é que a história da atleta já é uma história de sobrevivência, perseverança, coragem e luta para chegar ao patamar que chegou. Kosgei não apareceu do nada, como muitos agora parecem apregoar. A primeira prova internacional da queniana – com registos no site da IAAF – é a Maratona do Porto que fez em 2015.
Na altura, um tempo modesto (2:47:59) chegou para a vitória, que deveria ser o que mais interessava à atleta, uma vez que desde aí nunca mais correu abaixo de 2:28. Cerca de um ano depois, voltou a Portugal e foi 2.ª na Maratona de Lisboa (já depois de ter vencido em Milão), com um tempo de 2:24:45. Recorde-se que este era o culminar do seu primeiro ano completo de competições a nível internacional. 2017 foi o ano em que se começou verdadeiramente a afirmar na elite internacional, com os grandes destaques a serem o 3.º lugar na Meia de Copenhaga (uma das mais conceituadas do mundo), com uma marca de 1:06:35 e o 2.º na Maratona de Chicago, já com uma grande marca de 2:20:22.