“Não passem a bola com uma só mão”, afirmam os treinadores designados de puristas do basquetebol, para quem a modalidade estava bem melhor no passado, quando se ensinavam os fundamentos do jogo.
Embora eu não esteja em completo desacordo com o conceito anterior – já que não sou, de todo, adepto dos passes com uma mão e, inclusive, nos cursos de treinador dizia frequentemente: “não é possível jogar só com uma mão” – reconheço, contudo, que estava enganado e tenho de ter algum cuidado para não limitar o pensamento, de forma a entender o jogo atual.
O mítico Coach John Wooden, nos seus múltiplos escritos, dá um contributo que pode ajudar a entender a introdução deste passe na atualidade: “O que conta é o que tu aprendes depois de saberes tudo”, afirma. Relativamente à denominada arte de passar a bola, temos de fazer o mesmo, procurando encontrar razões que justifiquem uma ação mais arriscada com uma só mão.
Para melhorar as competências e ganhar mais confiança devemos seguir a velha regra dos treinadores: quanto mais difícil e exigente é o treino mais fácil será o jogo. Assim, todos devem treinar tal fundamento.
Se no treino os jogadores conseguem passar na sequência do drible (pass off the drible) com uma só mão e com precisão, no jogo vão conseguir passar com as duas, ou só com uma, porque estão confiantes.
O passe fundamental continua, na minha opinião, a ser efetuado com as duas mãos; mas da mesma forma que, por vezes, é necessário fazer um passe por trás das costas, ou um lançamento mais imaginativo e desequilibrado com o cesto, também algumas vezes é necessário fazer uma passe com uma mão, para fazer chegar a bola em boas condições ao lançador.
Os jogadores têm pouco espaço e um tempo curto para tomarem boas decisões. Com a linha de passe fechada, muitas vezes não é possível passar com as duas mãos. Para ganhar uma fração de segundo e ser mais rápido do que o defensor, usamos apenas uma das mãos. Os jogadores que no basquetebol atual não dominam este fundamento ficam limitados nas suas ações.
Claro está que se o passe com uma mão é apenas uma moda e apenas usado sem critério, em detrimento dos passes clássicos, o resultado são constantes perdas de bola, como é frequente acontecer.
Okafor com mãos muito grandes…
O jovem poste Jahlil Okafor (Duke), que recentemente se sagrou campeão da NCAA – e provável nº1 do Draft para a NBA – mostrou ao longo desta época uma habilidade única: quando sujeito a marcações duplas (trap) conseguiu quase sempre descobrir companheiros livres graças a sua capacidade de passar a bola com uma só mão.
“Ele pode e quer passar a bola com uma só mão”, disse o treinador Mike Krzyzewski. “Toma sempre boas decisões. Os companheiros, no exterior, só têm de ocupar os lugares certos para receberem e lançarem sem oposição”
Fonte: DraftExpress
Com mãos muito grandes, o poste de Duke, movido pelos fundamentos do basquetebol, tem múltiplas vantagens, nomeadamente no passe.
Imparável perto do cesto no jogo de 1×1, foi ao longo de toda a época sujeito a marcações cerradas por parte de todos os adversários. Quase sempre tinha uma marcação dupla (trap) quando recebia a bola e pretendia atacar o cesto.
A solução que os treinadores de Duke descobriram para contrariar a estratégia defensiva levou em linha de conta as características morfológicas do poste. Passaram mesmo a incentivar o atleta a passar a bola aos companheiros com uma só mão. O facto de não ser egoísta e ter habilidade na arte de passar facilitou em muito a tarefa e permitiu à equipa marcar muitos cestos fáceis.
Alguns treinadores, mais conservadores, criticaram este tipo de passe. O treinador adjunto de Duke, Jeff Capel, defendeu esta opção: “Com umas mãos assim tão grandes por que razão não pode passar com uma só? Ele consegue isso com muita facilidade.”
“Tudo isto em mim é natural. Agarrar a bola só com uma mão é fácil e nem tenho de treinar”, confirmou o jovem.
Com este novo argumento técnico, o double-team perdeu muito da sua eficácia. Okafor conseguiu, assim, aumentar o campo de ação e quase sempre descobrir, no lado contrário, jogadores sem oposição.
Com uma só mão Okafor consegue ver melhor o campo ao mesmo tempo que consegue manter a bola afastada do defesa direto enquanto toma a decisão de passar. Como é destro, esta ação fica ainda mais eficaz se for realizada do lado esquerdo do ataque, com o poste de costas para a linha final.
“No início estranhávamos e ficávamos todos a olhar para ele”, disse Amile Jefferson. “Ele sabia que quando o defendiam dessa forma o único passe disponível era o passe longo a atravessar a zona. Mas muitas vezes não funcionava porque não nos mexíamos e estávamos muito afastados da bola”.
A equipa teve, então, de aprender a cortar para o cesto com movimento constante dos jogadores, em vez de ficarem todos parados a ver o que fazia Okafor com uma só mão. A solução estava encontrada e os adversários já não sabiam quem defender.
Os bases de Duke ao longo da competição procuraram muitas vezes encontrar as linhas de passe para o ponto de apoio mais forte da equipa, jogando com o conceito elementar de bola dentro/bola fora.
Os números finais não mentem e mostram a eficácia do passador (com uma só mão) e dos lançadores: Duke ganhou o campeonato, Okafor conseguiu realizar um total de 49 assistências e os bases Quinn Cook (15,3 pontos por jogo), Tyus Jones (11,8) e Justise Winslow (12,6) revelaram pontaria afinada.
Gonçalo, o melhor passador…
A jogar, e bem, só com uma mão temos no nosso basquetebol nacional o Jovem Gonçalo Tomaz. Nasceu sem o braço esquerdo mas não tem problemas de integração na modalidade.
Gonçalo Tomaz, agora com 14 anos, nasceu sem o membro superior esquerdo mas tal não o impediu de ter uma vida igual a todos os outros jovens, com o desporto a ter papel de relevo.
O primo jogava basquetebol, tal como pai. Depois de ter participado numa actividade escolar nunca mais largou a modalidade, jogando atualmente na equipa de Cadetes do Desportivo da Povoa, treinada pelo meu amigo António Santos. “Ele é capaz de tudo, passa a bola por trás das costas, por entre as pernas, marca triplos, ganha ressaltos e até desarma lançamentos. No contra ataque é o melhor passador”, afirma o treinador.
Foto: MaisDesporto
“Desde que entrei para o basquetebol que a paixão foi crescendo”, revelou o jovem no momento em que contou aos pais que queria praticar esta modalidade. “Quando disse em casa que queria jogar basquetebol incentivaram-me e foram ver um jogo. Perceberam que tinha jeito e sempre me apoiaram”, confessa.