Antevisão Giro d’Italia | João Almeida mira primeiro pódio numa grande volta

    modalidades cabeçalho

    A 106ª edição da Giro d’Italia arranca no próximo dia 6 de maio, antecipando-se como a prova que pode marcar mais um capítulo grandioso nos pergaminhos do ciclismo português. Existe um pedaço de história à espera de ser escrito, e que de forma incontestável se associa às aspirações assumidas por João Almeida na antevisão à competição transalpina.

    “Terminar nos lugares do pódio e se possível vencer. Sinto-me fisicamente melhor e mais consistente. Trabalhei mais as subidas longas e aperfeiçoei-me no contrarrelógio”, afirmou João Almeida, em declarações ao jornal A Bola.

    Ao dia de hoje, o rolo histórico lusitano retrata apenas as pedaladas de Joaquim Agostinho para o pódio de uma grande. Conseguiu-o por três vezes, mas entre França e Espanha. João Almeida, por isso, pode tornar-se o primeiro ciclista português a terminar o Giro d´Italia dentro das três melhores posições, naquela que é a sua quarta participação na prova, e num momento em que assegura estar mais consistente em relação às suas prestações anteriores no Giro.

    Maduro, frio e, acima de tudo, calculista, antever a forma de correr do líder da UAE Team Emirates torna-se, nesta fase da sua carreira, bem mais previsível, o que possibilita uma análise mais clara sobre os pontos a favor e as próprias lacunas em relação aos adversários diretos na luta pelos mesmos objetivos do português.

    A elevada quilometragem de contrarrelógio individual e a última semana repleta de dureza em altitude fazem de João Almeida um sério candidato ao pódio final, mas saber até onde pode chegar o “Duro das Caldas” no Giro 2023 é uma questão pertinente, que conjuga a necessidade de perceber como se vai portar o coletivo construído em seu redor e, desde já, discutir a real diferença com uma adição de grande valor vinda da Austrália.

    O ENIGMA COLETIVO, O PERCURSO E OS ADVERSÁRIOS

    Ler a forma como a UAE Team Emirates vai atuar em prol de João Almeida acaba por ser sempre um pequeno mistério. O bloco da equipa asiática caracteriza-se por uma sólida capacidade em terrenos inclinados, com destaque para o reforço Jay Vine, mas também para Brandon Mcnulty e Davide Formolo, que, em sintonia, poderão formar um coletivo assustador para as etapas de alta montanha.

    O que é certo é que as decisões duvidosas e pouco eficientes vindas da estrutura do médio oriente em contexto de corrida parecem marcar várias das provas em que João Almeida participa. Existe, portanto, alguma razão em específico para olhar para este Giro d´Italia como um ponto de viragem?

    Primeiro de tudo, a gestão das expectativas, que são cada vez maiores à medida que o jovem das Caldas da Rainha vai-se emancipando no pelotão internacional com a sua consistência e maneira peculiar de encarar a corrida. Para além disso, essa pressão dependerá sempre dos resultados que o ciclista luso for apresentando ao longo da prova, o que suscita ainda mais a necessidade de se manter firme no topo da classificação e, preferencialmente, desde cedo, para manter as ambições da equipa intactas quanto a terminar nas posições dianteiras da classificação geral.

    De raiz, só a presença de Pascal Ackermann e Ryan Gibbons se desvia do objetivo definido, mas não é uma surpresa visto que as cerca de cinco a seis etapas indicadas para os sprinters levam também outras equipas a apostar em velocistas para garantir vitórias de etapa. Sobra ainda a dupla italiana Alessandro Covi e Diego Ulissi, acrescentando experiência e força de trabalho.

    Associando o leque de companheiros presentes à forma de correr de João Almeida, fica a ideia que um maior apoio em relação a outras edições nas travessias montanhosas pode ser chave, e é aqui que entra a capacidade de Jay Vine, que em muito pode contribuir para o sucesso do português, que em condições normais, vai correr a ritmo (evitando bruscas mudanças de velocidade) e assim manter uma regularidade que lhe permita chegar aos momentos decisivos com algum fôlego extra para desenvolver outro tipo de andamentos num contexto favorável e com a ajuda dos seus companheiros.

    Relativamente à performance individual de João Almeida, existem também vários pontos de análise. Reconhecidamente como um dos ciclistas mais consistentes do pelotão internacional, a questão tática e coletiva parece sobrepor-se à individual no que toca ao possível resultado, isto porque o desempenho demonstrado esta época continua a confirmar a evolução positiva registada desde que apareceu em grande plano em 2020.

    As lacunas apresentadas em altitude parecem fazer parte do passado, assim como o nível no contrarrelógio individual se mantém acima de grande parte dos concorrentes diretos, faltando perceber quantos passos atrás parte dos dois grandes favoritos à vitória final: Primoz Roglic (Jumbo-Visma) e Remco Evenepoel (Soudal-Quick Step).

    A rivalidade formada na última edição da La Vuelta migra agora para terras italianas e coloca frente a frente dois ciclistas no mesmo patamar… ou talvez não. Os resquícios de incapacidade de Remco em altitude e as suspeitas da ligeira decadência de capacidade de Roglic em esforços longos deixam os dois voltistas de luxo numa luta de resistência, onde o primeiro a falhar vai ter que trabalhar muito para dar a volta por cima do adversário.

    Estes adversários que aparentam estar noutra liga foram os mesmos com quem João Almeida mediu forças na última edição da Volta à Catalunha e se demonstrou como o ciclista mais próximo desta dupla. De destacar também que no cômputo geral das competições em que foi participando ao longo desta época, o “Duro das Caldas” mostrou-se uns degraus acima da concorrência, que ainda assim exige uma menção face à qualidade que apresenta e que pode intrometer-se na luta pelo pódio final.

    Geraint Thomas e Tao Geoghegan Hart, ambos da INEOS Grenadiers, aparecem melhor cotados para terminar na posição número um do Giro, seguidos de muito perto pelo líder luso da UAE Team Emirates, que terá de se preocupar com o coletivo britânico composto por Thomas, Tao, Pavel Sivakov e Thymen Arensman e também com outro grande nome e os seus escudeiros: Aleksandr Vlasov e os companheiros Lennard Kamna e Patrick Konrad, da Bora-Hansgrohe.

    Além destes, menção obrigatória para o coletivo fortíssimo da Bahrain Victorius, que conta com Damiano Caruso, Santiago Buitrago, Gino Mader ou Jack Haig, sendo uma equipa com claras aspirações a finalizar dentro do pódio final. Não tão bem acompanhados, mas com pretensões ao top dez, seguem ciclistas num misto de experiência e de talento a despontar, como Rigoberto Urán e Hugh Carty (EF Education-EasyPost), Warren Barguil (Team Arkéa-Samsic) ou Andreas Leknessund (Team DSM).

    Sepp Kuss (Jumbo-Visma) e Ilan Van Wilder (Soudal-Quick Step) são os dois escudeiros de referência dentro dos conjuntos favoritos à vitória, isto na lógica de também eles se intrometerem na luta pelos primeiros dez lugares.

    E porque a questão das equipas é chave, o percurso deste Giro volta a exigir dos ciclistas com ambições à geral um desempenho soberbo no esforço individual: são cerca de 75 quilómetros de contrarrelógio e com direito a uma cronoescalada, levando ciclistas com capacidade na especialidade a partir em vantagem.

    As subidas italianas desta edição mantêm-se fiéis à sua elevada dificuldade e condicionantes: subidas em altitude, com pendentes agressivas e com o provável clima adverso. Tudo ingredientes para se ter em especial atenção nas etapas número sete, 16, 19 e na crono da penúltima etapa, sendo que a festa da geral começa logo com o contrarrelógio e na quarta etapa, que termina no Colle Molella.

    OS ANTÓNIMOS DA “ROSA”

    E porque a luta por terras italianas não se resume apenas à Maglia Rosa”, sobram os muitos ciclistas apostados em levar no bolso vitórias em etapa e as classificações da montanha e dos pontos, sem esquecer a classificação dos jovens, que em princípio irá pertencer a Remco Evenepoel, João Almeida ou, por exemplo, Thymen Arensman.

    Dentro das várias equipas que trazem homens rápidos para discutir a camisola dos pontos, surgem, à cabeça, nomes como Mads Pedersen (Trek-Segafredo), Kaden Groves (Alpecin-Deceuninck), Mark Cavendish (Astana Qazaqstan Team), Jonathan Milan (Bahrain Victorious), Fernando Gaviria (Movistar Team), Alberto Dainese (Team DSM), Pascal Ackerman (UAE Team Emirates) ou Michael Matthews (Team Jayco AlUla).

    As diversas etapas acidentadas, mas sem demasiado relevo para fazer descolar a totalidade dos sprinters deixa os homens com mais capacidade nas pequenas colinas transalpinas mais perto desta camisola. Se tirarmos da equação os homens da geral, temos de adicionar a Pedersen e Matthews nomes como Magnus Cort (EF Education-EasyPost) ou Jake Stewart (Groupama-FDJ), que podem levar uma vantagem dada a escassez de etapas planas para os puros sprinters.

    Outra das discussões que promete é a camisola para o rei das montanhas. Apesar de imprevisível, existem diversos escaladores de grande qualidade, e dentro das equipas com maior liberdade para estabelecer esta classificação como um objetivo, destacam-se atletas como Lorenzo Fortunato (EOLO-Kometa), Ben Healy (EF Education-EasyPost), Thibaut Pinot (Groupama-FDJ), Domenico Pozzovivo (Israel Premier-Tech) ou Einer Rubio (Movistar Team).

    Dentro deste apanhado de corredores apostado a vencer nas classificações secundárias do Giro encontram-se grandes candidatos a vencer etapas para além dos homens da geral, mas a realidade é que qualidade é coisa que não falta e muitos outros podem superiorizar-se e exibir-se a grande nível naquele que é um dos maiores palcos do ciclismo mundial.

    A Volta a Itália está lançada, naquela que será a centésima sexta vez que o Giro vai percorrer o país. A luta Remco X Roglic é cabeça de cartaz numa prova em que o sentimento patriótico aguarda com expectativa e muito apoio para com João Almeida, responsável por colocar Portugal novamente na lista.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Ricardo Rebelo
    Ricardo Rebelohttp://www.bolanarede.pt
    O Ricardo é licenciado em Comunicação Social. Natural de Amarante, percorreu praticamente todos os pelados do distrito do Porto enquanto futebolista de formação, mas o sonho de seguir esse caminho deu lugar ao objetivo de se tornar jornalista. Encara a escrita e o desporto como dois dos maiores prazeres da vida, sendo um adepto incondicional de ciclismo desde 2011.