Giro Donne: Sem Vollering, Van Vleuten esmaga a concorrência

    modalidades cabeçalho

    O Tour não foi a única grande volta a ir para a estrada em julho! Entre os dias 30 de junho (na prática 1 de julho, mas já lá vamos) e 9 de julho decorreu o Giro Donne, a Volta à Itália Feminina! A corrida é a grande volta feminina com maior número de edições e é mesmo considerada a maior corrida do ano.

    A edição deste ano tinha como favoritíssima uma Annemiek Van Vleuten que, ao contrário do que aconteceu na Vuelta, não enfrentaria Demi Vollering, com a recém-coroada campeã neerlandesa a ter olhos postos no Tour de France que começa a 24 de julho, 1 dia após o término da edição masculina.

    Mas a SD Worx não chegava sem armas, simplesmente virou-as para outra direção. A equipa dos Países Baixos levou Lorena Wiebes, campeã europeia que se tem afirmado como a melhor sprinter do Mundo nos últimos anos. Para as chegadas rápidas, o nome de Marianne Vos saltava à vista no que à concorrência para Wiebes dizia respeito.

    Duas portuguesas começaram a corrida. Maria “Tata” Martins, da Fenix- Deceuninck, a primeira portuguesa a alinhar no World Tour e sempre uma aposta para o sprint; e Beatriz Pereira, campeã nacional de sub-23 que partiu para a sua primeira grande volta com apenas 19 anos, ao serviço da Bizkaia Durango.

    UM INÍCIO INESPERADO

    A primeira jornada era a 30 de junho, um contrarrelógio de 4,4 km dentro de Chianchiano, na Toscânia. Contudo, a chuva fortíssima (a fazer lembrar o Giro masculino) levou a que a etapa fosse cancelada e em vez de enfrentarem um contrarrelógio de abertura, as corredoras foram para a estrada no mesmo dia que o Tour de France masculino começou (a 1 de julho), com a 2ª etapa de 102 km com final em Marradi.

    Esta jornada era toda plana até a menos de 30 km do fim, quando as ciclistas enfrentavam o Passo della Colla, uma 2ª categoria com 9,9 km. A fuga do dia teve apenas duas ciclistas com duas corredoras a tentar fazer a ponte do pelotão para a dianteira, mas sem sucesso. Equipas como a Jumbo-Visma, a SD Worx e a DSM iam trabalhando no pelotão, mas não tardou até a Lidl-Trek, de Gaia Realini se juntar também à ação e a 20 km do fim, a jovem de 22 anos que fez pódio na Vuelta lançou-se ao ataque com companhia de Marta Cavalli, da FDJ Suez.

    Annemiek Van Vleuten não perdoou a iniciativa, perseguiu, alcançou e ultrapassou o duo italiano para não mais ser ela alcançada. Mesmo perseguida por um grupo de 12 corredoras, ganhou 45 segundos na estrada e alcançou a vitória 100 da carreira, no seu último ano como profissional. Mas os danos de Van Vleuten estavam longe de ficar por aqui. Quem também bonificou foram Cecilie Uttrup Ludwig, da FDJ e Juliette Labous, da DSM.

    A etapa 3 era a primeira para as mulheres rápidas. Final em Modena depois de 118 km, só já na segunda metade da etapa é que se criou uma fuga que foi facilmente alcançada a pouco mais de 10 km para o fim. As estradas largas dificultavam a criação dos comboios, mas não impediram a Canyon SRAM de assumir a dianteira do pelotão nos últimos dois quilómetros.

    Mas foi Barbara Guarischi que assumiu a dianteira, lançando Lorena Wiebes para uma vitória fácil sobre Vos e Chloe Dygert. Maria Martins fechava no 14º lugar.

    VAN VLEUTEN OBLITERA A CONCORRÊNCIA

    O 4º dia era de média montanha, bastante armadilhado com chegada a Borgo Val di Taro. Começou com uma fuga de três ciclistas: Ilse Pluimers, da AG Insurance – Quick Step, Silvia Zannardi da Bepink e Amalie Dideriksen da Uno-X. A neerlandesa da AG Insurance isolou-se após a marca dos 50 km para o final. Van Vleuten ainda teve um percalço em plena subida, ao tocar na roda de outra ciclista, mas não se revelou decisivo. Veronica Ewers, da EF-TIBCO-SVB atacava a 35 km do fim, ficando isolada na frente.

    Cavalli mostrava claramente estar focada na luta pela camisola da montanha, preocupando-se em ser a primeira do pelotão a passar pelo topo do Passo Montevacà. Silvia Persico também tentava a sorte na descida, mas ninguém se conseguia afastar.

    Pelo contrário, a vantagem de Ewers continuava a aumentar, com a ciclista norte americana ter uma vantagem de cerca de 1 minuto para o grupo principal. Esta distância permitia à ciclista de 28 anos passar para a liderança virtual do Giro, uma vez que tinha chegado dentro do grupo perseguidor de Van Vleuten na jornada inicial, pelo que tinha começado o dia a 55 segundos da camisola rosa.

    E foi a líder da geral quem teve de responder a esta iniciativa na Strela, a última subida do dia. Na sua roda, seguiu apenas a campeã italiana Elisa Longo Borghini e as duas apanharam Ewers, mas mais ninguém se juntou a elas. A vantagem passava para mais de 40 segundos e no pelotão a SD Worx e a DSM tentavam neutralizar o ataque em prol de Wiebes e Labous, respetivamente.

    No sprint, Longo Borghini mostrou a sua fantástica ponta final para vencer a 4ª etapa do Giro Donne num dia em que Van Vleuten bonificava e punha mais 44 segundos à maior parte das adversárias diretas num dia que nem aparentava ser tão propício a estas diferenças na geral.

    A etapa 5 tinha o “Cima Coppi”, o ponto mais alto no Giro, que este ano foi o Passo del Luppo, com 9,9 km a 8,6% de inclinação. E foi logo aí que Annemiek van Vleuten se mandou ao ataque para começar a sentenciar a camisola rosa e apenas levou Gaia Realini na roda. Niemh Fisher-Black, da SD Worx e Longo Borghini alcançaram o duo da frente, mas de resto a corrida tinha sido completamente dinamitada.

    A cerca de 1 minuto, seguia um grupo com Antonia Niedermaier (Canyon), Erica Magnaldi e Silvia Persico (UAE Team ADQ), Marta Cavalli (FDJ Suez) e Juliette Labous (Team DSM firmenich); e a quase 3 minutos estava um grupo com Mavi García, Uttrup Ludwig e Ewers, que tinha brilhado no dia anterior.

    Apesar de ser o “Cima Coppi”, o resto do dia não fazia justiça à subida inicial e o grupo da frente foi crescendo com o quinteto perseguidor a apanhar o quarteto dianteiro e até mesmo as ciclistas que rodavam a quase 3 minutos foram capazes de se chegar à frente.

    Na subida de 3ª categoria a Vietti, a UAE tentou fazer a diferença primeiro com Magnaldi e depois com Persico, sendo que a segunda foi mesmo capaz de se isolar na frente com Labous a fazer a ponte posteriormente. Na descida a iniciativa foi neutralizada, em prol de um ataque de Antonia Niedermaier que ainda teve resposta de Fisher-Black. Van Vleuten assumia a perseguição, mas acabou por abrandar e deixar que o grupo maior onde seguia Ewers se chegasse à frente.

    A 11,6 km do fim, na subida de Sant’Ignazio, Elisa Longo Borghini testou Annemiek Van Vleuten e a neerlandesa passou no teste. Foi a única, aliás, com as duas corredoras a distanciarem-se do grupo principal, ficando a menos de 15 segundos de Niedermaier. Contudo a descida “manchou” o dia. Van Vleuten foi a primeira a ir ao chão, ainda que sem lesões aparentes. Longo Borghini não teve a mesma sorte e sofreu uma queda feia que a levou a perder mais de 7 minutos no dia para não arrancar para a 6ª etapa.

    O infortúnio de algumas foi a fortuna para Niedermaier com a alemã de 20 anos que já tinha estado em grande com um top 10 na Vuelta a alcançar a primeira vitória de etapa em grandes voltas. A camisola rosa não deixou a posição intermédia e foi mesmo capaz de se aproximar de Niedermaier nos últimos 4 km, feitos em subida. Chegou a 9 segundos à alemã e ganhou quase 1 minuto e 20 segundos a um grupo com Ewers, Labous, Fisher-Black , sendo que Realini chegou pouco atrás destas três ciclistas.

    Na geral, Van Vleuten chegava a meio do Giro com 2 minutos e 7 segundos para Antonia Niedermaier. Veronica Ewers fechava o pódio com 2 minutos e 18 segundos de atraso. O resto das corredoras já levava mais de 3 minutos de atraso.

    A 6ª etapa era mais um dia de média montanha com três subidas de 3ª categoria. O pelotão sentia grandes dificuldades para criar uma fuga. Eventualmente, duas ciclistas foram capazes de saltar para a frente, mas estava claro que o dia era de decisões para a geral. O pelotão ficava mais curto e uma queda obrigava Antonia Niedermaier a abandonar a corrida.

    A 24 km do fim, saltavam 5 corredoras para a frente, nomeadamente Labous, Persico, Wiebes e Blanka Vas (SD Worx), bem como Liane Lippert, colega da camisola rosa, mas a iniciativa chegou ao fim apenas 2 km depois.

     A 13,2 km do fim era Annemiek Van Vleuten quem atacava no Calosso, uma subida explosiva com 2,5 km de extensão. Fisher-Black ainda respondeu, mas a duração do ataque revelou-se demasiado para as rivais, sendo que Lippert parecia mesmo uma das mais fortes do grupo. Van Vleuten alcançava a vitória 101 da carreira e já parecia impossível, a 3 dias do fim que a quarta camisola rosa fugisse à campeã do Mundo.

    Antepenúltima jornada, última grande oportunidade para fazer diferenças. Elena Pirrone, da Israel Premier Tech Roland foi presença solitária na fuga. A 48,7 km do fim, Évita Muzic atacava com Fisher-Black na roda. Depois foi Fem Van Empel, da Jumbo, a saltar para a frente, sendo que a corredora neerlandesa tinha maior liberdade, por estar fora do top 10. Ainda assim, nem por isso ganhou muito espaço, pois a Uno-X queria colocar Anouska Koster na frente e conseguiu isolar-se na frente.

    Na subida a Il Vigneto, a Trek passou para a frente. Mavi García, da LIV Racing, abriu as hostilidades e conseguiu ganhar 20 segundos ao grupo da camisola rosa. A 10, 7 km do fim, Van Vleuten atacou com resposta da rival neozelandesa da SD Worx, de Labous e de Realini. Fisher-Black acabou por perder o contacto e apenas três ciclistas chegavam a García.

    Na última subida, Van Vleuten mostrou que o tetra não ia mesmo escapar! Atacou a partir da roda de Realini e de Labous para vencer pela 3ª vez na Volta à Itália e a 102ª na carreira. Destaque para Gaia Realini e Juliette Labous que aproveitaram um dia desastroso de Veronica Ewers para sentenciar a presença no pódio final.

    CAMINHO MAIS OU MENOS CALMO ATÉ OLBIA

    Após o dia de descanso, a penúltima etapa era uma nova oportunidade para as sprinters. Um dia com mais de 1600 metros de acumulado, foi marcado por temperaturas altas que chegaram a rondar os 38 graus. Para a fuga apenas foram duas corredoras.

     A 26 km do fim, Veronica Ewers atacou com resposta de Niemh Fisher-Black e de Francesca Barale (DSM), mas a fuga foi rapidamente neutralizada, apenas para Soraya Paladin, da Canyon, tentar a sorte com Mavi García, campeã de Espanha, um nome que estava no top 10, ainda que já a mais de 6 minutos.

    O grupo cresceu, mas a vantagem nem por isso e o grupo era novamente neutralizada. Paladin e Sarah Roy lançavam Chloe Dygert que bateu Liane Lippert que vinha pela direita, apenas para que pela esquerda aparecesse Blanka Vas, uma das corredoras mais competitivas deste Giro, para dar o 2º triunfo de etapa à SD Worx, mesmo depois do abandono de Lorena Wiebes

    Último dia com terreno bastante acidentado, nunca seria um dia para um revés na geral a não ser que ocorresse uma anomalia. Gaia Realini tinha o pódio preso por mais de 1 minuto em relação a Veronica Ewers e, portanto, tudo apontava para uma chegada ao sprint ou para uma fuga. Iris Monticolo, da Fassa Bortolo, foi a primeira a tentar a sorte, mas Anna Kiesenhoffer, Campeã Olímpica que passou ao lado da corrida, chegou-se à frente.

    Lippert, Ludwig, todas iam atacando, até Blanke Vas à imagem do que o dia anterior tinha sido. Alessia Vigilia, também da Fassa Bortolo, foi para a frente a 26,7 km do fim, obrigando a Movistar e a Jumbo a perseguirem, sendo que a italiana apenas foi apanhada dentro dos últimos 5 km.

    A Canyon encabeçava o pelotão na reta da meta, mas foi Rachele Barbieri a tentar surpreender, assim como Chiara Consonni que sprintou para vencer a última etapa do Giro Donne.

    Annemiek Van Vleuten ganhou o Giro pela 4ª vez na carreira, juntando o título de 2023 aos de 2018, 2019 e 2022. Gaia Realini ganhava a camisola da juventude a de melhor italiana. Já a classificação da montanha também sorriu à neerlandesa da Movistar que já leva 5 vitórias consecutivas em grandes voltas. A última da sua carreira será no fim deste mês, no Tour de France, onde poderá repetir o triplete de 2022, num frente a frente com Demi Vollering.

    No que às portuguesas diz respeito, Tata Martins abandonou na 4ª etapa para se focar no Europeu de ciclismo de pista, prova importante para garantir o apuramento da seleção nacional para os Jogos Olímpicos. Já Beatriz Pereira ultrapassou o calor e concluiu a sua primeira grande volta, com 19 anos.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.