Por cá, não há heróis | Ciclismo

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    Braga, 10 de agosto de 2017. Um jovem vive pela primeira vez os seus sonhos de jornalismo. Apaixonado por ciclismo desde criança, agora é um credenciado na Volta a Portugal. Enquanto vagueia pela zona de partida repara em Nuno Ribeiro, Diretor Desportivo da W52/FC Porto, equipa que começara a assumir um domínio na Volta que se iria prolongar por quase uma década.

    O nosso jovem ganha coragem e vai falar com ele. Poucos minutos depois, está a gravar com o telemóvel a entrevista inaugural da sua carreira. Há de fazer muitas outras nos anos vindouros, mas aquela curta troca de palavras sobre as expectativas do dia com um dos homens em voga no ciclismo nacional será sempre marcante.

    Loulé, 9 de maio de 2021. O francês Élie Gesbert levanta os braços e celebra a maior vitória da carreira no topo do Malhão, mas o maior herói é o homem de azul que chega na sua roda. 15 anos depois de João Cabreira, a vitória final da Volta ao Algarve volta a ser de um português. Ao lado de estrelas como Alberto Contador, Geraint Thomas ou Tadej Pogacar, o nome de João Rodrigues surge agora também na lista de vencedores.

    Já nos havíamos habituado a que a segunda jóia da coroa do calendário ciclístico lusitano fosse um assunto de estrangeiros, no qual os conjuntos nacionais mais frequentemente lutavam por sobreviver aos cinco dias de corrida que por obter um resultado honroso. Até que a W52/FC Porto viesse mudar a narrativa e, numa tarde de primavera, se tornasse gigante frente aos adversários World Tour para quebrar aquele jejum demasiado longo.

    Paços de Ferreira, 16 de fevereiro de 2024. Um Pavilhão do Estabelecimento Prisional é a casa excecional de um julgamento. Com 26 arguidos (e interesse mediático), era necessário um espaço maior para acomodar tanta gente. As primeiras duas sessões são suficientes para que se confirme o fim trágico daquele que fora a maior equipa portuguesa, com vários ciclistas a admitirem os detalhes de como recorriam a métodos e substâncias ilícitas. Entre eles, vencedores da Volta a Portugal, João Rodrigues e Rui Vinhas.

    O falhanço é também institucional. Os que mandavam na equipa, com Nuno Ribeiro à cabeça, não só sabiam como incentivavam estas trangressões. Daniel Mestre, em tempos um dos mais rápidos do pelotão nacional, conta ter sentido essa pressão e, na sua versão, alega até ter dito ao seu Diretor que se dopara em alturas em que não o fizera, tudo por medo de falhar as convocatórias.

    Agora, aquele jovem escreve estas linhas e custa-lhe dizer a verdade. Todos sabíamos. Queríamos acreditar que viviamos num mundo diferente, que os erros do passado tinham sido ultrapassados. Mas, no nosso âmago, sabíamos que aquilo não era normal, sabíamos que um dia implodiria.

    É assim ser adepto de ciclismo em Portugal. É preciso suspender o ceticismo e dar asas à credulidade. Aqueles por quem gritamos na borda da estrada, aqueles com quem tiramos fotos, aqueles que sonhamos imitar,…  Só são heróis enquanto nos permitirmos ignorar a realidade.

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    José Baptista
    José Baptistahttp://www.bolanarede.pt
    O José tem 24 anos e é de Direito. Adora escrever e, para ele, o desporto deve ser em quantidade e em variedade. O Ciclismo é a sua grande paixão e em 2015 redescobriu o Wrestling.                                                                                                                                                 O José escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.